"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 11 de março de 2012

NO TIBET, A AUTODESTRUIÇÃO COMO FORMA DE PROTESTO

Ativistas tibetanos têm recorrido ao suicídio para criticar a repressão do governo
Uma famosa história conta como, numa vida anterior, o Buda teve pena de uma tigresa faminta que, sem sua ajuda, teria que comer seus filhotes recém-nascidos, e se sacrificou. O conto é frequentemente lembrado por tibetanos no exílio em Dharamsala, no norte da Índia, que lamentam um aparentemente interminável ciclo de autoimolações em sua terra natal. No ano passado, pelo menos 26 tibetanos, a maioria deles monges budistas, se incendiaram. Enquanto queimavam, geralmente até a morte, eles gritaram slogans contra o domínio chinês e clamaram pela volta do Dalai Lama, seu líder espiritual, radicado em Dharamsala desde 1959. A moral da parábola do tigre é que, embora o budismo abomine até mesmo a violência auto-infligida, ela pode ser justificada se o sacrifício é para o bem maior. A questão angustiante, no entanto, é se esses atos corajosos fazem algum bem a alguém.

O primeiro da recente onda de suicídios, Lobsang Phuntsog, um monge de 20 anos, ateou fogo a si mesmo em 16 de março de 2011 para marcar o aniversário de um levante contra o domínio chinês que havia se espalhado através do planalto tibetano cinco anos antes. O momento, por sua vez, comemorava a rebelião abortada em março de 1959, que levou à fuga do Dalai Lama e cerca de 80 mil de seus seguidores para a Índia. Agora, todos os anos, os aniversários trazem um pouco de dor nova a ser alimentada. Já neste mês uma viúva, mãe de quatro crianças, e uma estudante adolescente se tornaram as primeiras tibetanas a se autimolarem. Mais atos como esses devem acontecer ao longo do mês.

Sacrifícios contra-produtivos


Se o objetivo dos protestos é mudar a política chinesa, eles parecem terrivelmente contra-produtivos, e também não conseguiram mais do que a inquietação de governos estrangeiros, nenhum dos quais reconhece o governo tibetano no exílio, em Dharamsala. O Dalai Lama, que formalmente abriu mão de seu papel político no ano passado, goza de enorme respeito. Mas o respeito não tem exército.

Na China, o protesto provocou não a liberalização, mas a repressão renovada, e não apenas em áreas tibetanas de Sichuan, onde as autoimolações começaram. Dharamsala agora conta com uma presença disseminada da segurança chinesa, severas restrições de movimento, incursões noturnas para arrebanhar militantes e acesso apenas esporádico a ligações telefônicas e à internet. A região tem sido tão isolada do mundo exterior que o Repórteres sem Fronteiras, um grupo de apoio, diz que a imprensa estrangeira tem uma presença maior na Coréia do Norte do que no Tibet.

O centro de acolhimento para os recém-chegados em Dharamsala conta uma história semelhante. Embora tenha sido construído para abrigar até 500 pessoas, apenas um décimo dos seus leitos estão em uso. Na repressão que começou em 2008, o número de pessoas que fugia para a Índia pelo Nepal diminuiu de cerca de 3 mil por ano para menos de mil. Aqueles que fazem o percurso falam das famílias que fazem enormes sacrifícios financeiros para levantar o dinheiro para subornos. Muitos vêm para a Índia em busca de uma educação tibetana. No passado, eles planejavam retornar. Agora, a maioria acredita que ficará na Índia por muito tempo.

Em janeiro, estima-se que mais de 7 mil tibetanos da China receberam os ensinamentos do Dalai Lama em Bodh Gaya, na Índia, onde Buda alcançou a iluminação. Eles viajaram com documentos chineses. Ao retornarem, centenas foram detidos. A vida para os cerca de 20 mil exilados tibetanos no Nepal também se tornou mais difícil, pois o governo nepalês é submisso à China e suprime protestos.

Ao participarem da sessão anual do Congresso Nacional Popular, que começou em Pequim esta semana, as autoridades chinesas vêm buscando maneiras de pregar uma política de linha dura sobre o Tibet e jogar a culpa das imolações sobre o Dalai Lama, que as desencorajou, mas não as proibiu explicitamente. Zhu Weiqun, do Departamento da Frente Unida do Partido Comunista, que liderou a equipe da China em negociações com representantes do Dalai Lama, defendeu outra abordagem. Em um artigo em um jornal do partido, ele sugere que “alguns de nossas atuais políticas educacionais e administrativas involuntariamente enfraqueceram o senso de nacionalidade e nacionalismo chinês de algumas minorias nacionais”. A solução, segundo ele, é acabar com o status de minoria étnica nas carteiras de identidade e com privilégios, como a educação separada para as minorias. No entanto, a identidade tibetana não pode ser apagada por decretos burocráticos.

Tibetanos dizem que é errado ver as autoimolações como atos inúteis de desespero. Ao invés disso, eles as retratam como gestos de desafio, de unidade nacional e, portanto, até mesmo de esperança. Tenzin Atisha, um funcionário do governo tibetano exilado, continua otimista. Ele observa que o Dalai Lama, que fará 77 anos este ano, prometeu viver até a idade de 113. Atisha acredita que o Partido Comunista não pode durar tanto tempo, e que o Dalai Lama voltará para passar seus últimos dias em Lhasa.

A única esperança

Outros são menos otimistas, temendo que a imigração de chineses da etnia Han no Tibet ofusque sua cultura; que o partido sobreviva ao atual Dalai Lama e que tire proveito de uma reencarnação contestada. Alguns tibetanos já aceitaram a derrota, desistiram e decidiram fazer o melhor dos subsídios e do crescimento econômico que o governo chinês oferece. O que é notável, no entanto, é que a terceira geração pós-1959 está crescendo em áreas tibetanas que são amplamente hostis à China e leais ao Dalai Lama.

Se ao menos a China encarasse as coisas dessa forma, haveria uma oportunidade. O Dalai Lama, ao contrário de muitos de seus seguidores, aceitou a soberania chinesa desde que o Tibet tenha uma autonomia genuína, e também se opõe à violência. Três recém-chegados a Dharamsala ainda esperam pela recepção tradicional oferecida pelo líder, e afirmam que depois de vê-lo poderão morrer sem arrependimentos. E eles acreditam realmente nisso. Não há dúvidas de que a China pode continuar a controlar o Tibet por meio da repressão. Mas somente o Dalai Lama tem alguma chance de fazer com que os tibetanos aceitem a dominação chinesa.

Fontes:The Economist - The Buddha and the tigress
11 de março de 2012

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