"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 13 de abril de 2012

ANOTAÇÕES POLÍTICAS DO JORNALISTA CARLOS CHAGAS


190 MILHÕES DE BURROS

Ou este que vos escreve é burro, hipótese mais do que verdadeira, ou o presidente do PT, Rui Falcão, supõe ser o Brasil um país de 190 milhões de burros. Porque não dá para entender, como ele falou, ser a CPI do Carlinhos Cachoeira capaz de neutralizar, abafar e desmoralizar o julgamento de 38 réus do mensalão, caracterizados como quadrilha pelo Procurador-Geral da República.

Se uma coisa é uma coisa e outra coisa, outra coisa, de que maneira imaginar que a CPI servirá para desfazer o que o dr. Falcão chama de “farsa do mensalão”? O escândalo existiu, levou a demissões no ministério Lula e a expulsões no PT. O processo foi admitido no Supremo Tribunal Federal, agora em vias de concluir o julgamento.


De que forma as investigações sobre o bicheiro empenhado em corromper políticos e governantes anularia a ação e a decisão da mais alta corte nacional de Justiça? Os crimes porventura desvendados agora fariam desaparecer os crimes praticados em 2005? Só mesmo admitindo que o presidente do partido pretende aproveitar-se de um escândalo recém-descoberto para salvar o pescoço de companheiros envolvidos em escândalo anterior, como José Dirceu, Delúbio Soares e outros.

Se existem novos criminosos, importa revelá-los, mas sem esquecer os antigos. E se integram outros partidos, como o PSDB e o DEM, como antes e possivelmente agora também o PT, pau neles. Acresce que uma CPI não julga. Apenas revela. Suas conclusões, se vierem a existir, serão encaminhadas ao Ministério Público, para abertura de processos.

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EXPLICAÇÃO

Os presidentes José Sarney e Marco Maia decidiram, segunda-feira, que a CPI do Carlinhos Cachoeira seria formada ainda esta semana, mas adiaram o evento para a próxima. Por quê? Porque desconfiaram ser o tempo muito curto, podendo a constituição da CPI acontecer hoje, uma sexta-feira, 13.
“De jeito nenhum!” – terá raciocinado Sarney, fiel submisso às artes do além.
De qualquer forma, ainda pairam dúvidas a respeito de que partidos indicarão o presidente e o relator da CPI. Aos líderes caberá selecionar os onze senadores e os onze deputados e apenas se tem uma certeza: de forma alguma Renan Calheiros indicará Pedro Simon, apesar de constituir-se no mais completo parlamentar para exercer qualquer uma das duas funções.

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RESPINGOS

De toda essa lambança envolvendo as relações do bicheiro,
perdão, do corretor zoológico Carlinhos Cachoeira, começa a emergir a empresa Delta, acusada de distribuir contribuições eleitorais e propinas para políticos e governantes.
Trata-se da maior concessionária de obras do PAC e de contratos polpudos com os governos de Brasília, Rio de Janeiro e outros.
As gravações promovidas pela Polícia Federal envolvem ex-funcionários da Delta e comparsas de Cachoeira, além de referências a altas figuras das referidas administrações. Já estão ocupados os dois maiores advogados criminalistas do país, Almeida Castro, com Demóstenes Torres, e Márcio Thomas Bastos, com Carlinhos Cachoeira, mas não faltarão grandes nomes para a Delta contratar, sempre a peso de ouro.

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REZANDO DO LADO ERRADO

Em termos políticos, a Igreja Católica tem prestado inestimáveis serviços às instituições, em especial quando, depois de alguns desvios e hesitações, passou a formar na primeira linha de resistência à ditadura militar. Era março de 1964 e marinheiros desvairados rebelaram-se, tentando criar um soviete na Marinha. Anistiados pelo então presidente João Goulart, depois de recolhidos a um quartel do Exército, foram libertados e saíram em passeata pela Avenida Presidente Vargas, no Rio.

Ao passarem pela igreja da Candelária, os líderes convenceram a massa a agradecer a Deus não ter havido derramamento de sangue. Quando se encaminhavam para a entrada principal do templo, tiveram barrada sua pretensão: alguns padres trancaram as vastas portas gritando que “comunistas não rezam aqui”.

Anos depois, na missa de sétimo dia do estudante Edison Luís, assassinado pela repressão militar, centenas de jovens que iam deixar a cerimônia souberam estar a igreja cercada por tropa armada, cavalaria e agentes policiais de cassetete em punho, prontos para investir sobre eles. Seria uma carnificina.
  Quando as portas se abriram, a surpresa: na frente dos estudantes saíram dezenas de padres, todos paramentados, de mãos dadas, obrigando os soldados apavorados a recuar até que, entrando pela Avenida Rio Branco, aquela singular procissão conduziu os jovens à segurança.

Essas duas histórias se contam a propósito do que aconteceu quarta-feira na Praça dos Três Poderes, quando uns poucos frades, vestidos a caráter, primeiro ajoelharam-se em oração e depois saíram em procissão diante do Supremo Tribunal Federal. Só que rezavam do lado errado, contra a mais do que humanitária decisão dos ministros de autorizar a interrupção da gravidez no caso de anencefalia do feto, quer dizer, da comprovação de que o bebê nasceria sem cérebro e morreria em seguida, colocando em risco a vida da mãe.
13 de abril de 2012

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