ANENCÉFALOS CATÓLICOS PROTESTAM CONTRA O
ABORTO DE ANENCÉFALOS
Difícil entender as posições da Igreja Católica em duas questões em debate no Judiciário, aborto e homossexualismo. Difícil de entender porque não constituem dogmas para os católicos e muito menos ameaçam suas crenças. Ser homossexual faz parte do mundo contemporâneo, como também abortar, e nem por isso o Vaticano ou o cristianismo foram abalados. Lutar contra estes dois fenômenos é lutar contra o amanhecer. Não faz sentido, hoje, determinar com quem deve ter relações uma pessoa, ou pretender que uma mulher dê continuidade a uma gravidez não desejada.
Nada contra lutar por causas perdidas. O que se condena é lutar por causas injustas. O problema da Igreja parece ser a eterna saudade da teocracia. Daqueles radiosos tempos em que as leis de Deus e as leis humanas constituíam uma só e única coisa. Inveja do Islã, onde os sacerdotes determinam o que é ou não legal. Desde há muito, no Ocidente, o Estado separou-se da Igreja. Mas a Igreja tenta, sempre que pode, imiscuir-se nas coisas do Estado. A tentação é ancestral, está no gene de cada padre.
Em fevereiro de 2008, sob o lema “Escolhe, pois, a vida”, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou sua maior ofensiva contra a proposta de legalização do aborto no País. Também estão sendo combatidas quaisquer intenções de se permitir eutanásia e pesquisas com embriões humanos. Pouco ou nada tenho a acrescentar ao que escrevi na época.
Não por acaso, foi na primeira década de 2.000 que se intensificaram as denúncias de pedofilia na Igreja de Roma, quando acordos financeiros atingindo centenas de milhões de dólares foram feitos com muitas vítimas. A campanha generalizada contra o aborto soa como uma manobra de diversão, coluna de fumaça para acobertar as acusações de pedofilia. Acuada pelos abusos sexuais de seus ministros, a Igreja contra-ataca com o tal de “sim à vida”. Contra-ataque um tanto tardio, já que durante séculos a Santa Sé não teve objeção nenhuma ao aborto.
Que a Igreja seja contra aborto, eutanásia ou pesquisas com embriões humanos é perfeitamente admissível. O que a Igreja não se admite é pretender que todas as sociedades pensem da mesma forma. A Igreja um dia ameaçou com a fogueira o homem que disse não ser a Terra o centro do universo. Que a Igreja ache que a Terra é o centro do universo é um direito seu. Pode até achar que o Cristo nasceu de uma virgem e subiu aos tais de céus, que ninguém sabe onde ficam. O que a Igreja não pode é pretender que a humanidade toda participe de tais crendices.
Nossos purpurados parecem esquecer que a Igreja, durante séculos, admitiu o aborto. Que dois de seus campeões, são Tomás e santo Agostinho, eram favoráveis ao aborto. Segundo o aquinata, só haveria aborto pecaminoso quando o feto tivesse alma humana o que só aconteceria depois de o feto ter uma forma humana reconhecível. Para o Doutor Angélico, como o chamam os católicos, a chegada da alma ao corpo só ocorre no 40º dia de gravidez. A posição de Aquino sobre o assunto foi aceita pela igreja no Concílio de Viena, em 1312.
Foi apenas em pleno século XIX, em 1869 mais precisamente, que o Papa Pio IX declarou que o aborto constitui um pecado em qualquer situação e em qualquer momento que se realize. O que me espanta neste debate é que não vemos, na grande imprensa, um mísero jornalista que contraponha a este episcopado analfabeto a doutrina clara dos santos da Igreja. Se os católicos se pretendem contra o aborto, deveriam começar destituindo seus santos da condição de sapiência e santidade.
Seja como for, pecado é conceito que diz respeito apenas aos crentes. A Igreja pretende hoje que o aborto seja crime. Ora, crime é o que a lei define como crime. Não é a Igreja quem elabora as leis de um Estado laico. Que a Igreja defina o que é pecado, é direito seu. Lei é outro departamento. Se no Brasil o aborto hoje é crime, não o é na Itália, França, Espanha, Alemanha, Suíça, Reino Unido, Finlândia, Suécia, Dinamarca, Grécia, Portugal, Estados Unidos, Canadá, etc. E se amanhã o legislador brasileiro decidir que aborto não é crime, aborto não mais será crime. Quanto aos padres, que enfiem suas violas no saco. Brasil não é Irã ou Arábia Saudita, onde os religiosos fazem a lei.
O Supremo Tribunal Federal aprovou hoje a descriminalização da interrupção da gestação de anencéfalos. Até então, a regra era uma mulher ter de carregar no ventre um quase-cadáver, para vê-lo morrer logo após o parto. A mulher não dava à luz. Dava à morte. Se quisesse abortar, tinha de recorrer ao judiciário e muitas vezes o filho já havia nascido e morrido antes de qualquer decisão.
Imaginemos a tortura dessa mãe, que só parirá para ver o filho morto. Há quem alegue que os anencéfalos podem viver até um ano ou pouco mais. Pior ainda. Durante esse tempo todo, a mulher terá de sofrer a morte do filho a toda hora, a qualquer momento. Mais ainda, terá de acalentar todos os dias uma espécie de vegetal, sem perspectiva alguma de vida compatível com a vida.
Desde o dia anterior ao início do julgamento, um grupo de anencéfalos religiosos – que adquiriram a deficiência quando adultos, casos não muito raros na medicina, encontradiços em igrejas e templos - fez vigília em frente ao prédio do STF, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Os anencéfalos católicos se uniram a anencéfalos evangélicos e anencéfalos espíritas em orações, pedindo que os ministros do STF rejeitassem a descriminalização do aborto em caso de fetos similares. Os religiosos carregaram imagens de Nossa Senhora de Fátima e de Nossa Senhora Aparecida, além de crucifixos, cartazes com imagens de fetos e faixas apelando pelo direito à vida. Homens podem se dar a esse luxo. Não correm o risco de uma gravidez. Todo católico professa o amor. Mas se exige muita crueldade para defender a continuidade de vida de um ser humano reduzido à condição vegetal.
A solução é simples, caríssimos. Os cristãos consideram crime o aborto de anencéfalos? Que portem então os quase-cadáveres até o umbral da vida quando for o caso. Mas não pretendam obrigar ao sofrimento e à tortura quem não participa de suas crenças.
13 de abril de 2012
janer cristaldo
Difícil entender as posições da Igreja Católica em duas questões em debate no Judiciário, aborto e homossexualismo. Difícil de entender porque não constituem dogmas para os católicos e muito menos ameaçam suas crenças. Ser homossexual faz parte do mundo contemporâneo, como também abortar, e nem por isso o Vaticano ou o cristianismo foram abalados. Lutar contra estes dois fenômenos é lutar contra o amanhecer. Não faz sentido, hoje, determinar com quem deve ter relações uma pessoa, ou pretender que uma mulher dê continuidade a uma gravidez não desejada.
Nada contra lutar por causas perdidas. O que se condena é lutar por causas injustas. O problema da Igreja parece ser a eterna saudade da teocracia. Daqueles radiosos tempos em que as leis de Deus e as leis humanas constituíam uma só e única coisa. Inveja do Islã, onde os sacerdotes determinam o que é ou não legal. Desde há muito, no Ocidente, o Estado separou-se da Igreja. Mas a Igreja tenta, sempre que pode, imiscuir-se nas coisas do Estado. A tentação é ancestral, está no gene de cada padre.
Em fevereiro de 2008, sob o lema “Escolhe, pois, a vida”, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou sua maior ofensiva contra a proposta de legalização do aborto no País. Também estão sendo combatidas quaisquer intenções de se permitir eutanásia e pesquisas com embriões humanos. Pouco ou nada tenho a acrescentar ao que escrevi na época.
Não por acaso, foi na primeira década de 2.000 que se intensificaram as denúncias de pedofilia na Igreja de Roma, quando acordos financeiros atingindo centenas de milhões de dólares foram feitos com muitas vítimas. A campanha generalizada contra o aborto soa como uma manobra de diversão, coluna de fumaça para acobertar as acusações de pedofilia. Acuada pelos abusos sexuais de seus ministros, a Igreja contra-ataca com o tal de “sim à vida”. Contra-ataque um tanto tardio, já que durante séculos a Santa Sé não teve objeção nenhuma ao aborto.
Que a Igreja seja contra aborto, eutanásia ou pesquisas com embriões humanos é perfeitamente admissível. O que a Igreja não se admite é pretender que todas as sociedades pensem da mesma forma. A Igreja um dia ameaçou com a fogueira o homem que disse não ser a Terra o centro do universo. Que a Igreja ache que a Terra é o centro do universo é um direito seu. Pode até achar que o Cristo nasceu de uma virgem e subiu aos tais de céus, que ninguém sabe onde ficam. O que a Igreja não pode é pretender que a humanidade toda participe de tais crendices.
Nossos purpurados parecem esquecer que a Igreja, durante séculos, admitiu o aborto. Que dois de seus campeões, são Tomás e santo Agostinho, eram favoráveis ao aborto. Segundo o aquinata, só haveria aborto pecaminoso quando o feto tivesse alma humana o que só aconteceria depois de o feto ter uma forma humana reconhecível. Para o Doutor Angélico, como o chamam os católicos, a chegada da alma ao corpo só ocorre no 40º dia de gravidez. A posição de Aquino sobre o assunto foi aceita pela igreja no Concílio de Viena, em 1312.
Foi apenas em pleno século XIX, em 1869 mais precisamente, que o Papa Pio IX declarou que o aborto constitui um pecado em qualquer situação e em qualquer momento que se realize. O que me espanta neste debate é que não vemos, na grande imprensa, um mísero jornalista que contraponha a este episcopado analfabeto a doutrina clara dos santos da Igreja. Se os católicos se pretendem contra o aborto, deveriam começar destituindo seus santos da condição de sapiência e santidade.
Seja como for, pecado é conceito que diz respeito apenas aos crentes. A Igreja pretende hoje que o aborto seja crime. Ora, crime é o que a lei define como crime. Não é a Igreja quem elabora as leis de um Estado laico. Que a Igreja defina o que é pecado, é direito seu. Lei é outro departamento. Se no Brasil o aborto hoje é crime, não o é na Itália, França, Espanha, Alemanha, Suíça, Reino Unido, Finlândia, Suécia, Dinamarca, Grécia, Portugal, Estados Unidos, Canadá, etc. E se amanhã o legislador brasileiro decidir que aborto não é crime, aborto não mais será crime. Quanto aos padres, que enfiem suas violas no saco. Brasil não é Irã ou Arábia Saudita, onde os religiosos fazem a lei.
O Supremo Tribunal Federal aprovou hoje a descriminalização da interrupção da gestação de anencéfalos. Até então, a regra era uma mulher ter de carregar no ventre um quase-cadáver, para vê-lo morrer logo após o parto. A mulher não dava à luz. Dava à morte. Se quisesse abortar, tinha de recorrer ao judiciário e muitas vezes o filho já havia nascido e morrido antes de qualquer decisão.
Imaginemos a tortura dessa mãe, que só parirá para ver o filho morto. Há quem alegue que os anencéfalos podem viver até um ano ou pouco mais. Pior ainda. Durante esse tempo todo, a mulher terá de sofrer a morte do filho a toda hora, a qualquer momento. Mais ainda, terá de acalentar todos os dias uma espécie de vegetal, sem perspectiva alguma de vida compatível com a vida.
Desde o dia anterior ao início do julgamento, um grupo de anencéfalos religiosos – que adquiriram a deficiência quando adultos, casos não muito raros na medicina, encontradiços em igrejas e templos - fez vigília em frente ao prédio do STF, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Os anencéfalos católicos se uniram a anencéfalos evangélicos e anencéfalos espíritas em orações, pedindo que os ministros do STF rejeitassem a descriminalização do aborto em caso de fetos similares. Os religiosos carregaram imagens de Nossa Senhora de Fátima e de Nossa Senhora Aparecida, além de crucifixos, cartazes com imagens de fetos e faixas apelando pelo direito à vida. Homens podem se dar a esse luxo. Não correm o risco de uma gravidez. Todo católico professa o amor. Mas se exige muita crueldade para defender a continuidade de vida de um ser humano reduzido à condição vegetal.
A solução é simples, caríssimos. Os cristãos consideram crime o aborto de anencéfalos? Que portem então os quase-cadáveres até o umbral da vida quando for o caso. Mas não pretendam obrigar ao sofrimento e à tortura quem não participa de suas crenças.
13 de abril de 2012
janer cristaldo
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