O último número da prestigiosa revista “Foreign Affairs” publica um artigo de Ruchir Sharma, chefe da seção de Mercados Emergentes do banco Morgan Stanley, intitulado “Bearish on Brasil”. Numa tradução livre e benevolente, poderia ser “Acautelem-se com o Brasil”.
O termo “bearish” vem do dialeto das bolsas, tomando emprestado o gesto dos ursos (bears), que jogam para baixo tudo o que pegam.
Sharma sustenta que a festa brasileira pode estar no fim porque depende da fartura de dinheiro e da demanda internacional por produtos primários: “Esse apetite global está começando a cair. Se o Brasil não tomar medidas para diversificar e expandir seu crescimento, brevemente cairá junto.”
Ele mostra que o crescimento da economia brasileira é medíocre, a indústria vai mal, e os preços do andar de cima estão enlouquecidos.
O artigo é instigante quando sustenta que o Brasil é uma espécie de não China. Aqui se busca a estabilidade econômica, lá, o crescimento; cá, o real está sobrevalorizado, lá o yuan é barato. Pindorama tem juros altos, e sua taxa de investimento está em 19% do PIB, enquanto o Império do Meio, com juros baixos, investe perto de 50%.
Segundo Sharma, o Brasil só evitará a próxima crise se abrir a economia, reformar a Previdência, mudar seu sistema tributário e, sobretudo, se redimensionar suas políticas sociais.
“Foreign Affairs” é um púlpito nobre. Foi lá que o diplomata George Kennan publicou em 1947, sob o pseudônimo de Mr. X, o artigo “As bases da conduta soviética”, ensinando que o comunismo deveria ser contido politicamente.
A credencial de Sharma é sua posição no Morgan Stanley. Essas casas bancárias existem para ganhar dinheiro, e suas competências são medidas pelos balanços, não pela qualidade de suas previsões públicas.
Em abril de 2002, durante a campanha presidencial, o banco rebaixou o valor dos papéis brasileiros, e, em poucos dias, eles caíram de 79,21% do valor de face para 74,21%. Em maio, anunciou que os mesmos papéis valiam entre 79% e 81%. Quem comprou na baixa ganhou um dinheirinho rápido.
Ao pé do artigo de Sharma, a “Foreign Affairs” informa que o texto é uma adaptação de um capítulo de seu livro “Breakout nations” (“Nações em ascensão — Em busca dos próximos milagres econômicos”), cujo e-book está a US$ 12,99.
Pela sua conta, o Brasil fica de fora. Os problemas que ele apontou são reais, mas o coração de sua tese está lá: “Enquanto a China começa a estudar a criação de um Estado de bem-estar social, o Brasil construiu um pelo qual não pode pagar.” Nesse ponto, a opinião do autor deve ser medida pela sua experiência.
Sharma informa que há 15 anos passa uma semana de cada mês viajando por países emergentes, visitando o interior, rodando nas estradas. De suas viagens pelo Brasil, expôs um conhecimento estatístico sólido mas, quando chegou à vida real, se sobrevalorizou.
Em alguns casos, com vinhetas folclóricas, pois pagar R$ 43 por um coquetel de champanhe com suco de pêssego para “uma garota de Ipanema” é coisa de otário.
Há endinheirados que se locomovem de helicóptero em São Paulo, e o tráfego desses engenhos surpreendeu David Rockefeller, mas dizer que “os CEOs das grandes empresas brasileiras desenvolveram um sistema de transporte alternativo” é forte.
Em outros casos, exagera: um apartamento no Leblon pode estar a preços absurdos, porém não custa mais que outro com vista para o Central Park de Nova York. Um banqueiro não pode dizer que, depois do cruzeiro, o Brasil teve uma moeda chamada “cruzero”. Até aí, diga-se que se está procurando pelo em ovo. Contudo, ele informa o seguinte:
“O maior responsável pelo controle da hiperinflação foi Fernando Collor de Mello, que em 1994 acabou com a criação de novas moedas criando o real, atrelado ao dólar.”
Collor saiu do governo em 1992. Fernando Henrique Cardoso, como ministro da Fazenda, criou o real em 1994, e ele não foi “atrelado ao dolar”.
A “Foreign Affairs” já teve melhores editores.
Elio Gaspari, O Globo
05 de maio de 2012
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