"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 14 de agosto de 2012

AS MEDIDAS DO MAL


Corrupção não se mede. É da sua natureza ser fugidia, clandestina, sombria. É dinheiro que escapa pelas franjas, por atores que se escondem e camuflam. O diretor da Transparência Brasil Claudio Weber Abramo acha que os números que aparecem são fantasiosos. Gil Castello Branco, do Contas Abertas, diz que é possível estimar as perdas e que os dados reforçam a luta contra o mal.

A Fiesp calculou entre R$ 50 bilhões e R$ 85 bilhões de perdas anuais no Brasil. Gil pensa que essas estimativas, feitas com base em cruzamento de dados, têm solidez. Existe também o índice de percepção da corrupção. Pesquisas com empresários que fazem negócios no Brasil e com o Brasil. Juntos dariam uma boa ideia da dimensão do problema e são coerentes entre si.

Abramo pensa diferente. Ele analisou os cálculos e diz que as bases de dados são frágeis e que as conclusões não passam por qualquer teste. Isso não o leva à conclusão de que o problema não seja sério.

— Pode custar mais ou menos. Mas existe um problema (no cálculo): base metodológica frágil. O crime é escondido. Estimá-lo é difícil. A melhor opção é dizer: não sei quanto é. Isso não significa dizer que não exista a corrupção ou que não se conheça suas consequências. Um número serve para quê? Para dizer que existe corrupção no Brasil? Ora, isso é óbvio, todo mundo sabe — diz Abramo.

— É difícil quantificar, mas é um referencial. O Banco Mundial faz seu esforço de quantificação, compatível com os dados da Fiesp. O professor Marcos Fernandes, da FGV, somou os casos de desvio no Governo Federal de 2002 a 2008 e chegou à conclusão de R$ 40 bilhões. Essa é a ponta do iceberg.
O Brasil é o quarto país em volume de dinheiro em paraísos fiscais. É válido medir e trabalhar com extrapolações. São valores substanciais. É bom ter parâmetro. Esse patamar mínimo do estudo da Fiesp, R$ 50 bi, equivale ao investido pelo PAC I em infraestrutura — rebate Gil.

Um problema e duas visões que coincidem num ponto: é necessário combater o mal. Conversei com os dois esta semana e os entrevistei na Globonews. Um interessante conflito de ideias, porque ambos dão contribuições importantes na luta contra os desvios. Abramo acha que a questão mais interessante é o combate.

— Corrupção é um problema objetivo. Não é subjetivo. Não é um problema moral. A corrupção não acontece porque existe gente desonesta no mundo, mas porque gente desonesta pode agir desonestamente. Tem que se ver as condições institucionais e as práticas administrativas. Um foco de corrupção no Brasil é o excessivo número de indicações políticas dos chefes do Executivo — diz Abramo.

Gil acha que a grande medida a tomar para reduzir a corrupção é a adoção do financiamento público de campanha. Ele admite que já há esse financiamento, através do programa eleitoral e do fundo partidário, mas acha que é possível aperfeiçoar:

— As eleições são caríssimas e isso alimenta o caixa dois. As empresas doam para ter proveito.

— É ilusão achar que isso resolve. Se for proibido o financiamento privado, o caixa um vai virar caixa dois. Já foi tentado em outros países com resultado horroroso — diz Claudio Abramo.
Ele acha que usar cargos públicos como moeda de troca produz outro efeito nocivo: o legislativo deixa de fiscalizar e legislar.

A Transparência Brasil foi quem fez a primeira sugestão para se ter no Brasil a Lei de Acesso à Informação. Abramo lembra que a lei não vai criar informação. Cria condições de acesso. Gil Castello Branco lembra que mesmo com a Lei de Acesso à Informação há dificuldades de se conseguir dados de órgãos públicos e das estatais. E as empresas públicas “movimentam um PIB argentino por ano”.

14 de agosto de 2012
Miriam Leitão, O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário