Já com sete anos completos, vivendo dias de glória na austera sala de sessões do Supremo Tribunal Federal, o mensalão tem papel garantido na história:
ele marcou em definitivo a vida de um dos maiores partidos do País, o PT, dividindo-a em um "antes" – os tempos da bandeira ética, quando todos os outros partidos eram "farinha do mesmo saco" – e um "depois", em que o exercício do poder matou o sonho e levou aos conchavos e ao antes desprezado "é dando que se recebe".
Essa é, com pequenas diferenças, a impressão de muitos estudiosos da vida partidária do País. Por exemplo, o historiador Lincoln Secco, autor do livro A História do PT:
"O episódio dividiu, sim, a história petista em duas partes, porque derrubou o discurso pela ética na política e retirou de cena os principais quadros históricos do partido", diz o historiador da USP.
Como ele, o professor de Ética e Filosofia da Unicamp Roberto Romano considera o episódio crucial na vida do partido, mas não o vê como um acidente:
"Ele é o coroamento de um longo processo interno que se desenhava muito antes".
E, do ponto de vista ideológico, um terceiro estudioso do assunto, o psicanalista Tales Ab"Sáber, define o episódio como "a instalação do PT na política de direita brasileira".
Ab"Sáber pondera, no entanto, que "os demais partidos, inclusive partícipes do próprio mensalão, não têm nada de melhor a oferecer no manejo da política do País".
A turbulência em que mergulhou o partido, naqueles meados de 2005, justifica tais reações. Mal o deputado Roberto Jefferson fez a denúncia, o então poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, "saiu rapidinho" do governo, como ele sugeriu.
O presidente do PT, José Genoino, foi afastado em seguida.
O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi duas vezes à TV pedir desculpas ao País e dizer-se traído.
Resistência.
A oposição, feliz, achava que o petismo estava acabado e que sua volta ao Planalto, no ano seguinte, era inevitável – tanto que nem se arriscou a pedir o impeachment de Lula, achando melhor "vê-lo sangrar".
Essa visão se desmanchou em poucos meses.
O tal "muro divisório" do petismo não alterou os humores do eleitorado como se imaginava. A militância encolheu, mas não entregou os pontos.
O partido baqueou, mas, à sombra do prestígio de Lula – que conseguiu manter-se acima da crise – reagiu. Não só faturou as eleições presidenciais de 2006 e 2010 como continuou a dividir com o PMDB as grandes bancadas na Câmara. Em 2006 elegeu 83 deputados.
Em 2010, saltou para 88.
Mais que as denúncias da oposição e da mídia, o que valia eram reações como a do ator Paulo Betti que, em agosto de 2006, sentenciou:
"Não dá pra fazer política sem botar a mão na merda".
O Ibope deu números a esses tempos sombrios do partido. Em março de 2003, antes do estrago aprontado por Jefferson, 33% dos eleitores do País diziam ter simpatia pelo PT. O índice foi caindo devagar, bateu no fundo em fevereiro de 2006, com 21% – mas a sigla ainda liderava esse ranking.
Em março de 2010 já emplacava de novo os 33%, que mantém até hoje.
"O maior custo eleitoral foi a perda da característica ética. Hoje o PT se iguala aos demais. Mas continua sendo o que tem a maior preferência", conclui a diretora executiva do Ibope, Marcia Cavallari.
O sonho e o poder.
O que salvou o partido, avisa Secco, "foi o capital social, que lhe deu forças para se recuperar". Mas é uma recuperação apenas como ocupação de poder – pois, do antigo sonho, da pureza ética, poucos se arriscam a falar.
"Esse sonho desapareceu muito antes", alerta Roberto Romano. "Nas eleições de 1989, contra Fernando Collor, era fácil ver nas ruas gente paga para agitar bandeiras do PT. A burocracia já pesava mais que a militância."
Para Romano, as origens do mensalão vêm da primeira infância do PT. Dos três grupos que o formaram ainda nos anos 1970, os "realistas", com Lula e José Dirceu à frente, venceram os católicos e os trotskistas. E Lula, ironiza ele, "aprendeu a fazer política e concessões com o patronato".
Em 2002, a Carta aos Brasileiros – garantia dada "ao mercado" de que, se eleito, respeitaria as regras e contratos – "foi a capitulação" dos idealistas ante a lógica da conquista do poder.
Naquela ocasião, diz o professor, "deviam ter convocado um congresso e mudado o programa do PT. Aquele não servia mais".
Na sua "fase 2", em que tenta – ainda hoje –reduzir o mensalão a uma campanha da imprensa e das oposições, Ab"Sáber vê o petismo empenhado em produzir "uma alucinação negativa de que (o mensalão) não existiu".
O partido, segundo ele, continuará usufruindo os privilégios típicos dos poderosos. "Mas no dia em que o PT perder o poder, eu temo pelo seu destino. Até lá ele tenta desesperadamente se enraizar nos municípios e no Estado enquanto perde relevância histórica – ou seja, tenta tornar-se um PMDB qualquer."
Gabriel Manzano O Estado de S. Paulo
ele marcou em definitivo a vida de um dos maiores partidos do País, o PT, dividindo-a em um "antes" – os tempos da bandeira ética, quando todos os outros partidos eram "farinha do mesmo saco" – e um "depois", em que o exercício do poder matou o sonho e levou aos conchavos e ao antes desprezado "é dando que se recebe".
Essa é, com pequenas diferenças, a impressão de muitos estudiosos da vida partidária do País. Por exemplo, o historiador Lincoln Secco, autor do livro A História do PT:
"O episódio dividiu, sim, a história petista em duas partes, porque derrubou o discurso pela ética na política e retirou de cena os principais quadros históricos do partido", diz o historiador da USP.
Como ele, o professor de Ética e Filosofia da Unicamp Roberto Romano considera o episódio crucial na vida do partido, mas não o vê como um acidente:
"Ele é o coroamento de um longo processo interno que se desenhava muito antes".
E, do ponto de vista ideológico, um terceiro estudioso do assunto, o psicanalista Tales Ab"Sáber, define o episódio como "a instalação do PT na política de direita brasileira".
Ab"Sáber pondera, no entanto, que "os demais partidos, inclusive partícipes do próprio mensalão, não têm nada de melhor a oferecer no manejo da política do País".
A turbulência em que mergulhou o partido, naqueles meados de 2005, justifica tais reações. Mal o deputado Roberto Jefferson fez a denúncia, o então poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, "saiu rapidinho" do governo, como ele sugeriu.
O presidente do PT, José Genoino, foi afastado em seguida.
O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi duas vezes à TV pedir desculpas ao País e dizer-se traído.
Resistência.
A oposição, feliz, achava que o petismo estava acabado e que sua volta ao Planalto, no ano seguinte, era inevitável – tanto que nem se arriscou a pedir o impeachment de Lula, achando melhor "vê-lo sangrar".
Essa visão se desmanchou em poucos meses.
O tal "muro divisório" do petismo não alterou os humores do eleitorado como se imaginava. A militância encolheu, mas não entregou os pontos.
O partido baqueou, mas, à sombra do prestígio de Lula – que conseguiu manter-se acima da crise – reagiu. Não só faturou as eleições presidenciais de 2006 e 2010 como continuou a dividir com o PMDB as grandes bancadas na Câmara. Em 2006 elegeu 83 deputados.
Em 2010, saltou para 88.
Mais que as denúncias da oposição e da mídia, o que valia eram reações como a do ator Paulo Betti que, em agosto de 2006, sentenciou:
"Não dá pra fazer política sem botar a mão na merda".
O Ibope deu números a esses tempos sombrios do partido. Em março de 2003, antes do estrago aprontado por Jefferson, 33% dos eleitores do País diziam ter simpatia pelo PT. O índice foi caindo devagar, bateu no fundo em fevereiro de 2006, com 21% – mas a sigla ainda liderava esse ranking.
Em março de 2010 já emplacava de novo os 33%, que mantém até hoje.
"O maior custo eleitoral foi a perda da característica ética. Hoje o PT se iguala aos demais. Mas continua sendo o que tem a maior preferência", conclui a diretora executiva do Ibope, Marcia Cavallari.
O sonho e o poder.
O que salvou o partido, avisa Secco, "foi o capital social, que lhe deu forças para se recuperar". Mas é uma recuperação apenas como ocupação de poder – pois, do antigo sonho, da pureza ética, poucos se arriscam a falar.
"Esse sonho desapareceu muito antes", alerta Roberto Romano. "Nas eleições de 1989, contra Fernando Collor, era fácil ver nas ruas gente paga para agitar bandeiras do PT. A burocracia já pesava mais que a militância."
Para Romano, as origens do mensalão vêm da primeira infância do PT. Dos três grupos que o formaram ainda nos anos 1970, os "realistas", com Lula e José Dirceu à frente, venceram os católicos e os trotskistas. E Lula, ironiza ele, "aprendeu a fazer política e concessões com o patronato".
Em 2002, a Carta aos Brasileiros – garantia dada "ao mercado" de que, se eleito, respeitaria as regras e contratos – "foi a capitulação" dos idealistas ante a lógica da conquista do poder.
Naquela ocasião, diz o professor, "deviam ter convocado um congresso e mudado o programa do PT. Aquele não servia mais".
Na sua "fase 2", em que tenta – ainda hoje –reduzir o mensalão a uma campanha da imprensa e das oposições, Ab"Sáber vê o petismo empenhado em produzir "uma alucinação negativa de que (o mensalão) não existiu".
O partido, segundo ele, continuará usufruindo os privilégios típicos dos poderosos. "Mas no dia em que o PT perder o poder, eu temo pelo seu destino. Até lá ele tenta desesperadamente se enraizar nos municípios e no Estado enquanto perde relevância histórica – ou seja, tenta tornar-se um PMDB qualquer."
Gabriel Manzano O Estado de S. Paulo
06 de agosto de 2012
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