"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 31 de agosto de 2012

SUPREMO REFORÇA INDEPENDÊNCIA ENTRE PODERES


Não depende de quem nomeia os ministros a qualidade dos julgamentos. A densidade dos votos e o nível das discussões no processo do mensalão comprovam
É raro parlamentares e políticos donos de cargos no Executivo serem julgados e receberam penas na mais elevada Corte do país. O deputado João Paulo Cunha (PT-SP) passou a ser um desses casos raros.

Entra para a História como o primeiro ex-presidente da Câmara a ser condenado pelo Supremo, por corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. Passa a ser, também, o primeiro político petista graduado punido no julgamento do mensalão.

João Paulo faz parte da “fatia” inicial do processo avaliado pelo STF, na companhia de Marcos Valério, o operador do mensalão, e Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sócios de Valério na agência de publicidade SMP&B, que, segundo acusação do MP federal, funcionou como lavanderia do dinheiro desviado para o esquema.

Também compôs o grupo o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado pelos mesmos crimes, sendo também considerado culpado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que inocentaram o deputado, Marcos Valério e sócios. Além de Pizollato, apenas a absolvição do ex-ministro Luiz Guchiken teve concordância geral.

Esgotada a primeira “fatia”, em que foram examinados os contatos de João Paulo com Valério e associados, dos quais recebeu R$ 50 mil considerados propina para ajudar a SMP&B a obter contrato milionário com a Câmara, e o desvio de R$ 73,9 milhões de dinheiro público do Banco Brasil/Visanet para o valerioduto, por meio de Pizzolato, o trabalho do STF ganha características especiais para a consolidação da democracia no Brasil.

Mesmo que nada esteja decidido, pois ministros podem mudar o voto no decorrer do julgamento, a tendência nas votações reforça algo essencial na democracia representativa, a independência entre os Poderes. Não importa qual presidente indica cada ministro: o Supremo, como está sendo demonstrado, tem condições de conduzir um processo como este, de visceral interesse do partido no poder há mais de nove anos, com absoluta seriedade e densidade técnica.

Neste início de julgamento, destaca-se a perspicácia de ministros no entendimento de que provas testemunhais e evidências são suficientes para condenar por “crimes da intimidade”, nas palavras da ministra Rosa Weber — aqueles cometidos por quem tem poderes suficientes para escamotear provas. “O pagamento de propinas não se faz perante holofotes”, disse a ministra.

Estabelecido que dinheiro público foi bombeado para o valerioduto, fragiliza-se a tese do “caixa dois” como delito menor. Cometido o crime de desfalque de dinheiro público, não importa seu destino. A autoridade, mesmo que nada dê em troca, não haja “ato de ofício”, não se livra de culpabilidade na acusação de corrupção. Fica, então, abalada a ideia de que “não há provas” para condenar mensaleiros.

31 de agosto de 2012
Editorial de O Globo

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