Para falar de um dos maiores escândalos do século, parodiar o
dramaturgo Nelson Rodrigues ("A vida como ela é"), no ano em que se
comemora o centenário do seu nascimento, é mais do que homenagear quem tão bem
retratou a sordidez da sociedade brasileira em sua época. Imagem que vale o
paralelo entre o caso que hoje começa a ser julgado no Supremo Tribunal Federal
(STF) e a obra de carga dramática, cômica, até mesmo pornográfica e sobretudo
polêmica e realista do escritor e jornalista é a de Ângela Guadagnin dançando
no plenário da Câmara dos Deputados para comemorar a absolvição de um dos
acusados de participar do mensalão. Mas as cortinas do teatro da CPI que livrou
o petista mineiro João Magno se fecharam.
Agora o companheiro partidário de Ângela, que, depois da cena,
só conseguiu se eleger vereadora no interior paulista, é um dos 38 réus da Ação
Penal nº 470, num palco que não admite práticas circenses. A partir hoje, o
austero plenário da Corte Suprema estará aberto à população apenas por
transmissão direta de tevê. Torcidas pró e contra serão mantidas a um raio de
pelo menos 100m de distância. Com uma composição que talvez seja das mais plurais
da história, o STF dá início a julgamento de importância maior que o caso em
si. Se não tem o poder de pôr fim à corrupção, está diante de momento ímpar
para mostrar à nação que este não é o país da impunidade.
Ouvidas mais de 600 testemunhas, as acusações vão de formação de
quadrilha e corrupção ativa e passiva a peculato e evasão de divisas. A
suspeita, transformada em denúncia pela Procuradoria-Geral da República, é de
que amplo esquema de movimentação de recursos financeiros de bancos e empresas,
inclusive públicas, teria sido operado no primeiro mandato do presidente Lula
para comprar apoio no Congresso Nacional e financiar campanhas eleitorais. No
comando estaria o então todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José
Dirceu, que perdeu o cargo e o mandato de deputado federal. Como denunciante,
outro ex-deputado e também réu na ação que se encaminha para a reta final: o
presidente do PTB, Roberto Jefferson.
Depois de quase sete anos, o escândalo vai a julgamento em ação
que soma mais de 50 mil páginas. A expectativa é de que o STF cumpra o
cronograma rigorosamente traçado e conclua o processo este mês, conforme espera
o presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, ressalvando já considerar a
complexidade do caso. Até 14 de agosto, estão previstas sessões diárias de
cinco horas. De 15 em diante, será a vez de os ministros revelarem os votos.
Que restabeleçam a verdade na plenitude, de modo a não restar dúvida quanto à
participação, ou não, de cada envolvido. Será a antecipação da primavera para
este país cansado dos tempos nebulosos de maracutaias e impunidades. Há 27 anos
a nação se reencontrou com a democracia sem ainda haver consolidado o respeito
por suas instituições.
Correio Braziliense (DF) -02/08/2012
Da Redação
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