"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 3 de setembro de 2012

MASSACRE SEM CADÁVERES AINDA NÃO CONVENCEU


Quinta-feira passada comentei a nova farsa que vem sendo armada na Venezuela, o massacre de 80 inocentes ianomâmis por um grupo de malvados garimpeiros brasileiros.
A notícia rolou mundo, desde o El País a L’Express, desde o Süddeutsche Zeitung ao New York Times. Só faltaram os cadáveres – ou pelo menos fotos dos cadáveres - dos 80 indígenas.
Algo como a farsa ocorrida em 1993, na aldeia Haximu, onde teriam sido massacrados 73 índios e não se encontrou o cadáver de ... nem um índio sequer.

A imprensa nacional, sempre a reboque de qualquer barriga internacional, não poderia deixar de repercutir o mais recente embuste. No 30 de agosto, noticiou o Estadão – que, por enquanto, é o único jornalão nacional a cair no conto do massacre:
80 ÍNDIOS MORREM NA FRONTEIRA DO BRASIL COM A VENEZUELA

Organizações não-governamentais (ONGs) de defesa dos direitos dos indígenas que atuam na Venezuela denunciaram ontem, quarta-feira, 29, que mineiros mataram até 80 ianomâmis na região da fronteira venezuelana com o Brasil.

As informações são da emissora britânica BBC. O ataque, de acordo com os relatos, ocorreu no mês passado, na comunidade de Irothatheri, localizada nas proximidades do território brasileiro.

Testemunhas que estiveram no local da matança afirmaram que os mineiros atearam fogo a uma casa comunal dos indígenas, pois encontraram os corpos dos ianomâmis carbonizados ao passar pela tribo. Membros da comunidade indígena têm reclamado de mineiros invadindo suas terras à busca de ouro.

Segundo a ONG Survival International, a demora na descoberta do massacre ocorreu em virtude da remota localização da tribo atacada. A entidade afirmou que as pessoas que descobriram os corpos levaram vários dias para caminhar até a localidade mais próxima.


Onde as fotos? Pode alguém acreditar que pessoas andando na selva, hoje, não levem máquinas fotográficas? E que, diante da evidência de um massacre, não tenham tido a lembrança de fotografar os corpos carbonizados? A notícia tem tudo para ser falsa. No entanto, o jornal prossegue. Na mesma edição, Dener Giovanini escreve:
A HISTÓRIA SE REPETE, BURRAMENTE, SE REPETE

(...) Passadas quatro décadas, um novo massacre indígena ocupa as páginas dos jornais. Dessa vez, as vítimas foram os índios Ianomâmis que vivem na fronteira do Brasil com a Venezuela. Um grupo com aproximadamente 80 indígenas foi brutalmente assassinado por garimpeiros e madeireiros. Nada mudou. Os estupros e os golpes de facão se repetiram. A ganância é a mesma.


No dia seguinte, o jornal - talvez preocupado com sua nonchalance em publicar notícia sem nenhuma comprovação - insere o condicional teriam na notícia:
VENEZUELA INVESTIGA NOTÍCIA DE MASSACRE EM RESERVA

Cerca de 80 deles teriam sido mortos há um mês perto da fronteira, por garimpeiros em área indígena no país vizinho

O Consulado da Venezuela em Roraima confirmou que o Ministério Público daquele país investiga a denúncia de um massacre de índios ianomâmi por garimpeiros brasileiros em território venezuelano, na fronteira entre os dois países.

A informação extraoficial é de que cerca de 80 índios do subgrupo Sanomã teriam sido atacados pelos garimpeiros, há cerca de dois meses, na aldeia Irothatheri, próxima à aldeia brasileira de Auaris, onde o Exército mantém um pelotão de fronteira.


Teriam sido mortos. Teriam sido atacados. É mais prudente. Mesmo assim, na Folha de São Paulo, escreve em sua coluna o ET de Xapuri, mais conhecida como Marina Silva:

Nesta semana, ocorreu mais um massacre de índios ianomâmis por garimpeiros brasileiros na Venezuela. Outra tragédia soma-se aos assassinatos constantes de índios, sobretudo dos guaranis-caiovás, que enfrentam um genocídio consentido em Mato Grosso do Sul.

Na edição de ontem, o Estadão fez marcha à ré:
VENEZUELA DIZ QUE NÃO ENCONTROU EVIDÊNCIA DE MASSACRE DE INDÍGENAS

ONGs e deputado opositor denunciaram morte de 80 da etnia ianomâmi, na fronteira com Brasil

CARACAS - O Governo venezuelano informou neste sábado, 2, que não se encontrou evidência do massacre de 80 indígenas da etnia ianomâmi em uma área de selva na fronteira com o Brasil, denunciada por ONGs e um deputado opositor. "Após estas visitas que realizamos nas comunidades indígenas, podemos dizer ao país que não foi encontrada evidência de nenhuma morte ou não se encontrou evidência de casa ou "shabono" (cabana indígena) incendiada nestas comunidades assinaladas como cenário deste suposto crime", disse ao canal do Estado a ministra para os Povos Indígenas, Nicia Maldonado.


O fato é que os jornais do mundo todo estão atestando fatos sem nenhuma preocupação em checá-los. Basta atentar contra os direitos humanos, etnias, nacionalidades, todo fato que acusa os mais ricos é por si só evidente. Há parcerias óbvias demais para serem convincentes: garimpeiro versus indígenas, brancos versus negros, europeus versus migrantes. O culpado é sempre o mais rico. A vítima é sempre o mais pobre. Ou então a luta de classes era uma ficção do Marx.

O mesmo desmentido saiu também no El País. De minha parte, continuo querendo cadáveres. Sem cadáveres, não acredito em massacre.


03 de setembro de 2012
janer cristaldo

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