John Le Carré, o mestre da literatura de espionagem, escreveu certa vez que o espião transfigura-se em mentor, pastor, pai, amigo e conselheiro pessoal e matrimonial, além de anfitrião e protetor, tornando-se assim parceiro daquele que tenta conquistar, iludindo. Ou iludir, conquistando, porque o espião será sempre algoz e carrasco daqueles que conquistou e iludiu.
Nessa manipulação do semelhante, porém, ele destrói seus sentimentos. Corre o risco de tornar-se nada para si mesmo. É afetado pelos métodos que usa, pagando o preço de vender a própria alma. No fim de sua trajetória, indaga-se sobre o que resultou dele, qual foi o propósito de sua vida? E a resposta é um imenso vazio.
Deixando o problema para o pessoal do ex-SNI, da Abin e sucedâneos, cabe meditar sobre essa longa metamorfose que não parece privilégio nem maldição apenas dos espiões. Importa transplantar para o jornalismo as mesmas premissas e a mesma conclusão.
O que somos nós, que diariamente lidamos com as informações, através de suas múltiplas facetas? Para consegui-la, usamos métodos variados, não raro enganando as fontes, os personagens e os participantes da vida real, aqueles que produzem a notícia.
É claro que muitas vezes não percebemos estar sendo iludidos e conquistados por eles, mas a regra geral trafega em sentido oposto. Nós somos os responsáveis pelo que vai sendo despejado sobre leitores, ouvintes, telespectadores e até mesmo produzido por esses ingênuos cultores das redes sociais.
Todo esse preâmbulo se faz a respeito do mensalão. A mídia produz toneladas de notícias e informações diárias a respeito do escândalo que abalou e mais vai abalar as estruturas de nossas instituições. São ouvidos personagens de integral participação na lambança, implicados nela, em meio a figuras desimportantes na trama.
Na tarefa de garimpar roteiros, detalhes, ações e reações, estamos esquecendo de nossa missão principal, que conforme a ética seria buscar a objetividade e a verdade. Na busca de um furo de reportagem, avançamos sobre a honra de uns e ocultamos os pecados de outros.
Inventamos e omitimos. Tentamos substituir a função de instituições como a Justiça, que com todos os defeitos dispõe da prerrogativa natural de apurar atos e fatos colocados sob sua guarda.
Em suma, trocamos uma causa virtuosa que seria transmitir à sociedade tudo o que se passa nela, de bom e de mau, de certo e de errado, de ódio e de amor, por uma competição desastrada em busca do que temos de mais abominável: a precipitação em favor da competição, da circulação e da audiência, do faturamento e, em especial, do superdimensionamento do ego de cada um de nós, pessoas e empresas.
O resultado é que um dia desses, quando tudo estiver terminado, restará a frustração de nos termos transformado num vazio, num nada sem conteúdo nem razão. Apenas uma ode ao egoísmo, à presunção e à arrogância. Sem sentimentos.
Traduzindo o que se lê acima: não temos o direito de inventar entrevistas, de atribuir aos personagens intenções que não exprimiram, de supor artimanhas que não expuseram ou acusações que não tiveram coragem de formular.
A vida é mais fascinante do que a ficção, restando aguardar que se desenrole naturalmente em vez de precipitá-la por meio de objetivos distorcidos ou, mesmo, verdadeiros, mas fajutamente antecipados por conta do nada que logo verificaremos que somos…
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UMA INCÓGNITA
Indaga-se o que será o novo Congresso, no biênio 2013-14, sob a direção de Renan Calheiros, no Senado, e Henrique Eduardo Alves, na Câmara. Não se dirá serem os dois os candidatos da preferência da presidente Dilma Rousseff, que meses atrás torceu o nariz para ambos, mas decidiu aceitar o rumo dos ventos sem contestá-lo.
Renan e Henrique pertencem à ala histórica do PMDB e representam o partido acomodado e subserviente ao governo, qualquer que ele seja. Mas poderão, no reverso da medalha, representar aquele equilíbrio de que a presidente necessita para a segunda parte de seu mandato.
Os dois são prováveis candidatos aos governos de seus estados, Alagoas e Rio Grande do Norte, sinal de que às vésperas da sucessão presidencial de 2014 o Congresso se comportará como linha auxiliar do palácio do Planalto. Ou não?
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