Jamais me entendi bem com elas no
estrangeiro. A relação com a prostituta exige uma cumplicidade sociológica e até
mesmo vernácula. Em Paris, mais para ver como era, visitei duas. A primeira
anunciava várias modalidades, desde sexo à espanhola, à francesa, à sueca, à
grega e à inglesa. Fiquei intrigado. Já havia vivido na Suécia e nada via de
diferente na sexualidade aborígene. A oferta era tão cosmopolita que não
resisti. Fui chez elle e perguntei por cada fórmula. À espanhola, sei lá por
quê, era entre os seios. À francesa, era oral. À sueca, manual, à grega anal. A
cada parâmetro, o preço ia subindo. Bom, e à inglesa, como é que é? - quis
saber.
Era o mais caro dos menus. Na época, cerca de mil francos. Deveria ser o melhor. Em que consiste? "Eu te algemo na cama, sapateio em cima de você e depois uso um chicote". Merci bien, chérie, nesta altura sou mais um singelo papai-mamãe. Bem simplinho, s’il te plaît. O ser humano é mistério profundo. Nunca entendi como sentir prazer na dor. Já os britânicos, parece que entendem.
A Veja desta semana dá a capa e mais nada menos que treze páginas a um best-seller vagabundo, de autoria da britânica – e não por acaso - E. L. James, intitulado Cinqüenta tons de cinza. Que é o primeiro de uma trilogia girando em torno ao sexo sadomasoquista. Segundo os jornais, está vendendo mais que pão quente.
Que a Veja divulgue lixo quando fala de artes, isto virou rotina. Há muito a revista não sugere a seus leitores livro ou filme que preste. Seus redatores preferem comentar o que está vendendo bem. E o que está vendendo bem, quando se fala em cinema ou literatura, normalmente não presta.
Pensei comprar o livro para comentá-lo. Mas não vou comprar lixo – disse a meus botões – só para constatar que é lixo. Foi quando uma amiga manifestou interesse pelo livro. Ok! Compro, dou uma olhadela e depois o repasso. Comprei.
Quinhentas páginas de péssima literatura, estrategicamente entremeadas, cá e lá, por alguns orgasmos. No pior estilo ianque, diálogos conduzem a ação ao longo do calhamaço. A impressão que se tem é que a autora só sabe falar, mas não escrever. Obviamente, não li a coisa toda. Durante a noite, li umas quarenta ou cinqüenta páginas, sem encontrar um segundo sequer de espírito ou inteligência. A personagem, uma estudante de Letras, se contenta em narrar monotonamente seus embates com um milionário chegado às práticas sadomasoquistas.
Já se fez melhor literatura erótica no Ocidente. Pegue, por exemplo, os dez volumes das Memórias de Giacomo Casanova de Seingalt. Aos sessenta anos, Casanova começa a escritura de suas memórias. “Agora que não posso mais viver, sento e escrevo sobre o que vivi”. Sem jamais ter pretendido fazer literatura, Casanova entra na História da Literatura, em função de sua vida aventureira. Segundo pesquisadores, Casanova teria em sua “listina” mais mulheres que o Don Giovanni de Mozart. Freqüentou cortes e bordéis, prisão e caserna, clero e políticos, conventos e salões literários. Quem quiser se debruçar sobre o século XVIII - seja historiador, seja sociólogo, seja mero curioso - terá em Casanova um excelente guia.
Ou Minha vida secreta, de Henry Spencer Ahsbbe, comerciante britânico da segunda metade do século XIX, que viajou pela Europa, Ásia e África. No livro, ele descreve a moral e os costumes de 2500 mulheres de todos os países em que esteve e com as quais manteve relações sexuais. Ou O Amante de Lady Chaterley, de D. H. Lawrence e, junto com erotismo ganhe uma das mais contundentes novelas do início do século passado. Ou os Trópicos (de Câncer e Capricórnio), de Henry Miller, e ao mesmo tempo visite a Paris do pós-guerra. Ou até mesmo Sade. O divino marquês é de leitura um tanto chata mas, pelo menos na Filosofia de Alcova, entre cada partouse temos uma preleção de política e alguma discussão teológica.
Ou viaje ao Oriente. Curta os Kamasutra. Ou o Jardim das Delícias, do xeique Nefzaui, tratado sexual da época em que os muçulmanos não tinham medo de mulher:
“Deus dotou a mulher de um ventre arredondado e um belo umbigo, e de ancas majestosas; e todas essas maravilhas são sustentadas pelas coxas. Foi entre estas últimas que Deus localizou a arena do combate; quando dispõe de carne abundante, assemelha-se à cabeça de um leão. Chama-se vulva. Oh, quantas mortes de homens jazem às suas portas? E entre eles, quantos heróis!”
Enfim, obras eróticas de boa qualidade são o que não falta no universo literário. Não veremos, nestes autores, sexo associado com dor e sofrimento. Isso de suplícios na hora do sexo, pelo que tenho lido, é coisa de anglo-saxões. Latinos, preferimos o prazer. Volto à autora britânica. Por engano, comprei o segundo volume da trilogia, Cinqüenta tons mais escuros. Para não decepcionar minha amiga, troquei-o pelo primeiro. Mais quinhentas páginas de uma literatura sem pingo algum de inteligência. Entranhas, suspiros, gemidos, estocadas, algemas e chicotes. Ridicularia total.
Neste primeiro volume, lá pelas tantas, há um contrato jurídico, muito detalhado, entre Dominador e Submissa, onde se estipulam as regras do espancamento. Como se alguém que quer espancar ou ser espancado se preocupe com a regulamentação da violência.
Apanho ao acaso o início do capítulo 14, no qual o personagem, doravante chamado Dominador, enfia a ponta de um chicote na boca da moça:
“- Chupe – ordena ele com suavidade. Seguro a ponta e obedeço.”
Ora, alguém acredita que alguém sinta algum prazer em chupar couro? Mas o melhor vem agora:
“Ele gira a ponta em volta do meu umbigo, depois vai descendo, passando pelo meus pêlos pubianos até o clitóris. Brande o chicote e acerta um golpe seco naquele meu ponto doce, e eu gozo, gloriosamente, com um grito de alívio”.
Chegar ao orgasmo com uma chicotada no clitóris? A autora está decididamente exagerando. Não posso falar, careço do tal de ponto doce. Passo a pergunta a quem o tem: pode alguém se comprazer com a leitura de tais bobagens? No ritmo em que vai este tipo de literatura, o erotismo ainda vai se refugiar nos consultórios odontológicos. O leitor não perde por esperar uma personagem que tem orgasmos enquanto um sensual dentista lhe enfia nos dentes uma broca sem anestesia.
É deplorável que Veja – que goza a fama de ser o único partido de oposição no Brasil – na hora de comentar literatura dedique capa e trezes páginas a uma autora de uma mediocridade atroz.
Segundo a revista, em seis semanas mulheres do mundo inteiro devoraram 10 milhões de cópias. 99,9% dos compradores do livro são do sexo feminino. O primeiro volume da trilogia já vendeu no Brasil, desde julho, 340 mil exemplares e está há sete semanas consecutivas na lista dos mais vendidos.
Pelo que lembro de meus dias de juventude, as mulheres já foram mais inteligentes.
25 de setembro de 2012
janer cristaldo
Era o mais caro dos menus. Na época, cerca de mil francos. Deveria ser o melhor. Em que consiste? "Eu te algemo na cama, sapateio em cima de você e depois uso um chicote". Merci bien, chérie, nesta altura sou mais um singelo papai-mamãe. Bem simplinho, s’il te plaît. O ser humano é mistério profundo. Nunca entendi como sentir prazer na dor. Já os britânicos, parece que entendem.
A Veja desta semana dá a capa e mais nada menos que treze páginas a um best-seller vagabundo, de autoria da britânica – e não por acaso - E. L. James, intitulado Cinqüenta tons de cinza. Que é o primeiro de uma trilogia girando em torno ao sexo sadomasoquista. Segundo os jornais, está vendendo mais que pão quente.
Que a Veja divulgue lixo quando fala de artes, isto virou rotina. Há muito a revista não sugere a seus leitores livro ou filme que preste. Seus redatores preferem comentar o que está vendendo bem. E o que está vendendo bem, quando se fala em cinema ou literatura, normalmente não presta.
Pensei comprar o livro para comentá-lo. Mas não vou comprar lixo – disse a meus botões – só para constatar que é lixo. Foi quando uma amiga manifestou interesse pelo livro. Ok! Compro, dou uma olhadela e depois o repasso. Comprei.
Quinhentas páginas de péssima literatura, estrategicamente entremeadas, cá e lá, por alguns orgasmos. No pior estilo ianque, diálogos conduzem a ação ao longo do calhamaço. A impressão que se tem é que a autora só sabe falar, mas não escrever. Obviamente, não li a coisa toda. Durante a noite, li umas quarenta ou cinqüenta páginas, sem encontrar um segundo sequer de espírito ou inteligência. A personagem, uma estudante de Letras, se contenta em narrar monotonamente seus embates com um milionário chegado às práticas sadomasoquistas.
Já se fez melhor literatura erótica no Ocidente. Pegue, por exemplo, os dez volumes das Memórias de Giacomo Casanova de Seingalt. Aos sessenta anos, Casanova começa a escritura de suas memórias. “Agora que não posso mais viver, sento e escrevo sobre o que vivi”. Sem jamais ter pretendido fazer literatura, Casanova entra na História da Literatura, em função de sua vida aventureira. Segundo pesquisadores, Casanova teria em sua “listina” mais mulheres que o Don Giovanni de Mozart. Freqüentou cortes e bordéis, prisão e caserna, clero e políticos, conventos e salões literários. Quem quiser se debruçar sobre o século XVIII - seja historiador, seja sociólogo, seja mero curioso - terá em Casanova um excelente guia.
Ou Minha vida secreta, de Henry Spencer Ahsbbe, comerciante britânico da segunda metade do século XIX, que viajou pela Europa, Ásia e África. No livro, ele descreve a moral e os costumes de 2500 mulheres de todos os países em que esteve e com as quais manteve relações sexuais. Ou O Amante de Lady Chaterley, de D. H. Lawrence e, junto com erotismo ganhe uma das mais contundentes novelas do início do século passado. Ou os Trópicos (de Câncer e Capricórnio), de Henry Miller, e ao mesmo tempo visite a Paris do pós-guerra. Ou até mesmo Sade. O divino marquês é de leitura um tanto chata mas, pelo menos na Filosofia de Alcova, entre cada partouse temos uma preleção de política e alguma discussão teológica.
Ou viaje ao Oriente. Curta os Kamasutra. Ou o Jardim das Delícias, do xeique Nefzaui, tratado sexual da época em que os muçulmanos não tinham medo de mulher:
“Deus dotou a mulher de um ventre arredondado e um belo umbigo, e de ancas majestosas; e todas essas maravilhas são sustentadas pelas coxas. Foi entre estas últimas que Deus localizou a arena do combate; quando dispõe de carne abundante, assemelha-se à cabeça de um leão. Chama-se vulva. Oh, quantas mortes de homens jazem às suas portas? E entre eles, quantos heróis!”
Enfim, obras eróticas de boa qualidade são o que não falta no universo literário. Não veremos, nestes autores, sexo associado com dor e sofrimento. Isso de suplícios na hora do sexo, pelo que tenho lido, é coisa de anglo-saxões. Latinos, preferimos o prazer. Volto à autora britânica. Por engano, comprei o segundo volume da trilogia, Cinqüenta tons mais escuros. Para não decepcionar minha amiga, troquei-o pelo primeiro. Mais quinhentas páginas de uma literatura sem pingo algum de inteligência. Entranhas, suspiros, gemidos, estocadas, algemas e chicotes. Ridicularia total.
Neste primeiro volume, lá pelas tantas, há um contrato jurídico, muito detalhado, entre Dominador e Submissa, onde se estipulam as regras do espancamento. Como se alguém que quer espancar ou ser espancado se preocupe com a regulamentação da violência.
Apanho ao acaso o início do capítulo 14, no qual o personagem, doravante chamado Dominador, enfia a ponta de um chicote na boca da moça:
“- Chupe – ordena ele com suavidade. Seguro a ponta e obedeço.”
Ora, alguém acredita que alguém sinta algum prazer em chupar couro? Mas o melhor vem agora:
“Ele gira a ponta em volta do meu umbigo, depois vai descendo, passando pelo meus pêlos pubianos até o clitóris. Brande o chicote e acerta um golpe seco naquele meu ponto doce, e eu gozo, gloriosamente, com um grito de alívio”.
Chegar ao orgasmo com uma chicotada no clitóris? A autora está decididamente exagerando. Não posso falar, careço do tal de ponto doce. Passo a pergunta a quem o tem: pode alguém se comprazer com a leitura de tais bobagens? No ritmo em que vai este tipo de literatura, o erotismo ainda vai se refugiar nos consultórios odontológicos. O leitor não perde por esperar uma personagem que tem orgasmos enquanto um sensual dentista lhe enfia nos dentes uma broca sem anestesia.
É deplorável que Veja – que goza a fama de ser o único partido de oposição no Brasil – na hora de comentar literatura dedique capa e trezes páginas a uma autora de uma mediocridade atroz.
Segundo a revista, em seis semanas mulheres do mundo inteiro devoraram 10 milhões de cópias. 99,9% dos compradores do livro são do sexo feminino. O primeiro volume da trilogia já vendeu no Brasil, desde julho, 340 mil exemplares e está há sete semanas consecutivas na lista dos mais vendidos.
Pelo que lembro de meus dias de juventude, as mulheres já foram mais inteligentes.
25 de setembro de 2012
janer cristaldo
Nenhum comentário:
Postar um comentário