Certamente eu descobriria no
Google, mas me deu preguiça de pesquisar e, além disso, não tem importância
saber quem inventou essa palavra grotesca, que agora a gente ouve nos
noticiários de televisão e lê nos jornais. O surpreendente não é a invenção,
pois sempre houve besteiras desse tipo, bastando lembrar os que se empenharam em
não jogarmos futebol, mas ludopédio ou podobálio. O impressionante é a quase
universalidade da adoção dessa palavra (ainda não vi se ela colou em Portugal,
mas tenho dúvidas; os portugueses são bem mais ciosos de nossa língua do que
nós), cujo uso parece ter sido objeto de um decreto imperial e faz pensar em por
que não classificamos isso imediatamente como uma aberração deseducadora,
desnecessária e inaceitável, além de subserviente a ditames saídos não se sabe
de que cabeça desmiolada ou que interesse obscuro. Imagino que temos autonomia
para isso e, se não temos, deveríamos ter, pois jornal, telejornal e radiojornal
implicam deveres sérios em relação à língua. Sua escrita e sua fala são imitadas
e tidas como padrão e essa responsabilidade não pode ser encarada de forma
leviana.
Que
cretinice é essa? Que quer dizer essa palavra, cuja formação não tem nada a ver
com nossa língua? Faz muitos e muitos anos, o então ministro do Trabalho,
Antônio Magri, usou a palavra “imexível” e foi gozado a torto e a direito, até
porque ele não era bem um intelectual e era visto como um alvo fácil. Mas, no
neologismo que talvez tenha criado, aplicou perfeitamente as regras de derivação
da língua e o vocábulo resultante não está nada “errado”, tanto assim que hoje é
encontrado em dicionários e tem uso corrente. Já o vi empregado muitas vezes,
sem alusão ao ex-ministro. Infutucável, inesculhambável e impaquerável, por
exemplo, são palavras que não se acham no dicionário, mas qualquer falante da
língua as entende, pois estão dentro do espírito da língua, exprimem bem o que
se pretende com seu uso e constituem derivações perfeitamente
legítimas.
Por
que será que aceitamos sem discutir uma excrescência como “paralimpíada”? Já li
alguns protestos na imprensa e na internet, mas a experiência insinua que
paralimpíada chegou para ficar e ter seu uso praticamente imposto. Ao contrário
dos portugueses, parecemos encarar nossa língua com desprezo e nem sequer
pensamos em como, ao abastardá-la e ao subordiná-la a padrões e usos estranhos a
ela, vamos aos poucos abdicando até de nossa maneira de ver o mundo e falar
dele, nossa maneira de existir. Talvez isso, no pensar de alguns, seja
desejável, mas o problema é que, por esse caminho, nunca se chegará à
identificação com o colonizador que tanto se admira e inveja, mas, sim, à
condição cada vez mais arraigada de colonizado, que recebe tudo de segunda mão,
até suas próprias opiniões e valores.
Mas
há um pequeno consolo em presenciar esse tipo de vergonheira servil. Consolo
meio torto, mas consolo. Refiro-me ao fato de que nossa crescente ignorância não
se limita a estropiar nossa língua, mas faz o mesmo com idiomas que consideramos
superiores em tudo, como o inglês. Hoje isto caiu em desuso, mas smoking já foi
aqui “smocking” durante muito tempo. Assim como doping já foi “dopping”. Quanto
a este, assinale-se que o som, digamos fechado, do O, em inglês, foi trocado
aqui por um som aberto, é o dópin. O mesmo tipo de fenômeno ocorreu com volley,
cuja primeira vogal em inglês é aberta, mas em brasinglês é fechada e já entrou
no português assim.
No
setor de nomes próprios, a vingança é mais completa. Em primeiro lugar,
transformamos os sobrenomes deles em prenomes nossos e enchemos o País de
jeffersons, washingtons, edisons (aliás, em brasinglês, Edson, como Pelé),
lincolns, roosevelts e até mesmo kennedys e nixons. E não perdoamos os
contemporâneos. Não só trocamos o H por E em Elizabeth, como até hoje há
publicações que se referem a Margareth Thatcher, ou à princesa Margareth. Esse
nome nunca teve H no fim, mas aqui é assim não só em muitos jornais quanto no
caso de nossas meninas, como atesta o exemplo da minha linda e talentosa
conterrânea Margareth Menezes. E das Nathalies que assim foram batizadas em
homenagem a Natalie Wood. E dos Phellipes, inspirados no príncipe Philip, das
Daianes da Diane, a lista não acaba.
De
maneira semelhante, também alteramos não somente a pronúncia, mas as regras
gramaticais do inglês. Por exemplo, é quase unânime, entre todos os numerosos
militantes do brasinglês, a convicção de que qualquer plural inglês terminado em
S deve ter essa letra precedida de um asterisco. Acho que é barbada apostar que,
em todas as cidades brasileiras de médias para cima, serão encontrados pelo
menos uma placa e cinco cardápios anunciando “Drink's”. É mais chique e até o
Galeão, não há muito tempo, tinha armários (lockers) de aluguel, encimados pelo
letreiro “Locker's”, o que fazia os falantes de inglês entender que os armários
eram propriedade de um certo Mr. Locker. No Galeão, aliás, gate (portão) já soou
como gay tea (chá gay) e shuttle service (ponte aérea) como chateau service (o
que lá seja isso). Agora mudou, mas to (para) deu para sair um prolongado tchuu,
que, a um ouvido americano, há de soar como uma onomatopeia de espirro ou
partida de maria-fumaça.
Mas, até mesmo por causa (“por
causa”, não, por conta; agora só se diz “por conta”, vai ver que vem do inglês
on account of) dessas paralimpíadas, receio que as contraofensivas nacionais não
serão suficientes para neutralizar a subordinação de nossa cabeça, através do
incalculável poder da língua. Acho que, coletivamente, aspiramos a essa
subordinação. Tem sido muito lembrado o complexo de vira-lata de que falou
Nélson Rodrigues. Pois é, é isso mesmo e é também caminho seguro para sermos
vira-latas de verdade.
25 de setembro de 2012
João Ubaldo Ribeiro
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