"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 7 de outubro de 2012

"EXCESSO DE ZELO"

 
Na tentativa de justificar a absolvição de José Dirceu, voto de Lewandowski no mensalão colhe efeito contrário ao pretendido

Seria necessário nada mais que um programa avançado de inteligência artificial -e não o concurso de magistrados humanos- se qualquer dose de convicção subjetiva devesse ser excluída das decisões judiciais.

Foi na proporção do maior ou menor grau de convencimento íntimo por parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), assim, que se dividiram bastante as opiniões sobre alguns réus no processo do mensalão.

É possível admitir, no que respeita ao réu mais insigne de todo o caso, ponderações discrepantes quanto às evidências de sua culpabilidade. Não se encontraram mensagens eletrônicas ou documentos assinados a vincular, de forma inequívoca, o ex-chefe da Casa Civil no governo Lula, José Dirceu, aos esquemas do mensalão.

Decidindo absolvê-lo, o ministro revisor Ricardo Lewandowski poderia cingir-se a esse tipo de argumento; fizera o mesmo, por vezes com apoio de seus pares, no caso de outros imputados. Lewandowski pretendeu, contudo, ir além -e, no afã de justificar a absolvição, terminou sem dúvida produzindo efeito inverso ao pretendido.

Foi assim que, seguindo a laboriosa argumentação da defesa, referiu-se a dezenas de depoimentos de lideranças petistas, espalhadas por todo o território nacional. Nada se extraía desses testemunhos -que certamente contribuíram para atrasar o ritmo do processo- além da tese de que José Dirceu, na chefia da Casa Civil, não se ocupava das finanças do partido, notoriamente entregues a Delúbio Soares.

Dirceu não foi levado ao tribunal, entretanto, porque cuidasse das dívidas específicas da agremiação no Acre ou no Pará. Foi seu papel de articulador político do governo o motivo das graves suspeitas que suscita.

Lewandowski descartou, ademais, os depoimentos de Roberto Jefferson, maior responsável pelas denúncias, com o argumento de que o presidente do PTB os desmentira na presença do juiz. Não é verdade -e, logo após seu voto, a ministra Rosa Weber leu o trecho dos autos em que Jefferson dizia confirmar tudo.

Em momentos ainda mais confusos, para não dizer constrangedores, Lewandowski terminou negando a própria existência de relação entre os recursos recebidos pelos parlamentares da base aliada e seus votos no Congresso.

Os múltiplos indícios dos contatos entre Marcos Valério, dirigentes do Banco Rural e José Dirceu foram desprezados por Lewandowski. É prerrogativa sua, com certeza, acreditar que entre esses personagens se trocavam apenas impressões genéricas sobre a situação política nacional.

O convencimento de outros juízes do STF, na sessão de quinta-feira, não foi nessa direção. Com efeito, presumir tanta inocência de José Dirceu, pelo menos nos termos propostos por Lewandowski, contribui mais para trazer descrédito à Justiça do que para confiar no exame rigoroso, ainda que pessoal, das provas apresentadas.

07 de outubro de 2012
Editorial da Folha

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