Prezado Carlos Newton,
A questão do Horto é complexa e oferece vários aspectos. Inicialmente, quero deixar claro que, de forma alguma, deprecio a importância histórica e científica do Instituto de Pesquisas Jardim Botâncio (IPJB), instituição de renome internacional que tem um importante papel a cumprir para o desenvolvimento da pesquisa científica no Brasil. Mas não há qualquer contradição entre este reconhecimento e a defesa dos moradores da bicentenária comunidade do Horto.
Afinal, baseada em estudos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, a Secretaria de Patrimônio da União já constatou que é perfeitamente possível conciliar os interesses dos moradores com a expansão das atividades do Jardim Botânico e a preservação do meio ambiente na região.
O Brasil é um país em transição. Sob muitos aspectos somos uma nação moderna, pronta para um novo salto de desenvolvimento com distribuição de renda e erradicação da miséria. Mas ainda possuímos considerável contingente de ouvidos sensíveis a ideias retrógradas, como é o caso das remoções.
A elite econômica de hoje, assim como os patrimonialistas do passado, advogam que há um preço para estar perto do progresso. Como o trabalhador não pode pagar por esse preço, ele não tem o direito de morar próximo ao seu local de trabalho ou perto das melhores escolas, hospitais e outros serviços da cidade.
A “solução” defendida é a aplicação da velha receita: uso da força, pé na porta e caminhão de mudança, forçando as famílias a recomeçar suas vidas em locais nos quais as carências de todos os tipos e a escassez de direitos são as principais características. Não resolve o problema, mas ao menos o torna invisível, aumentando a cotação da cidade para venda nos stands globais.
A liberação de terra bem localizada para grandes negócios tem levado a um aumento exponencial de remoções forçadas. O conflito fundiário do Horto é emblemático neste sentido. Pois, a despeito da mediação conduzida com legitimidade, rigor técnico e respeito ao meio ambiente pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU), é claro o incômodo entre os ‘poderosos’ da região. Para estes, as conquistas no campo do direito à moradia devem ser ignoradas ou tratadas de forma seletiva.
O relato do jornalista Roberto Magessi é revelador neste sentido. Ele é secretário executivo do Conselho do Parque Nacional da Tijuca, bisneto e tataraneto de dois antigos administradores do Parque, numa linhagem familiar há 120 anos dedicada à preservação da Floresta da Tijuca. Magessi conhece e tem acesso há vários estudos que comprovam a legitimidade dos moradores do Horto em sua luta por moradia. E após confrontar o Código Florestal com o Estatuto das Cidades, a Lei Orgânica do Município, a Lei da Mata Atlântica e a Constituição Federal concluiu, dentre outros pontos, que:
– A comunidade do Horto nunca foi uma ameaça para os limites do Parque Nacional da Tijuca;
– A comunidade ocupa uma área destinada à moradia há mais de um século e, portanto, não promoveu desmatamento algum;
– A comunidade cresceu numa proporção infinitamente menor do que a cidade e do que o bairro do Jardim Botânico;
– A comunidade colaborou com a recuperação e protegeu toda a área de amortecimento do Parque Nacional da Tijuca. E que só existe verde nesse espaço porque a comunidade protegeu e plantou, vide as áreas degradadas pelos condomínios que, juntas, destruíram em poucos anos um espaço 18 vezes superior à área da comunidade.
A lógica, portanto, está invertida. Invertida também está, neste discurso, a historicidade da região. Não é verdade que os moradores são “invasores”. O núcleo inicial da comunidade do Horto data do século XVII, bem anterior à criação do Jardim Botânico. Além, disso, tanto o Horto quanto o Jardim Botânico estão em área da União, sem limites formais demarcados.
A principal motivação do conflito é justamente a intenção do IPJB de expandir sua área de visitação sobre terras que, pela visão do Governo, poderiam cumprir outra função social.
O interesse do IPJB é legítimo, desde que seja construída uma solução negociada com a comunidade, o que é amplamente aceito pelos moradores. O Instituto, no entanto, rejeita o diálogo e procura rotular a comunidade como um corpo estranho que deve ser removido para a purificação da cidade.
E para que mesmo? Os patronos da remoção se travestem da falsa defesa do meio ambiente para alcançar seus mal disfarçados objetivos. Querem, embora não tenham coragem de assumir publicamente, valorizar ainda mais os condomínios luxuosos do Alto Jardim Botânico e criar uma área de lazer reservada às elites, ainda mais exclusiva do que o Central Park de Nova Iorque e o Hyde Park de Londres. Pois enquanto nestes parques estrangeiros a entrada e livre, aqui, há muito, temos roletas e cobrança de ingressos.
O direito à moradia no Horto está ancorado em ampla legislação, nacional e internacional, que garante aos moradores a permanência e a posse da terra. Estamos seguros de que o Governo, por meio da SPU, vai atuar de forma equilibrada e transparente para resolver o conflito e conciliar a ampliação do IPJB com os direitos dos moradores do Horto. Pois a desconstituição de direitos abre precedentes perigosos; sabemos como começa – sobre os mais vulneráveis – mas é difícil prever como pode terminar.
Sobre minhas relações de parentesco, é importante esclarecer que a casa onde moram minha mãe e minha – e não de toda a “parentela”, com depreciativamente costumam afirmam nossos detratores – esta casa não está e nunca esteve na área diretamente demandada pelo IPJB. Não estamos neste jogo por interesses pessoais, mas por convicção.
A maioria das pessoas ignora que nosso Mandato, para além da questão do Horto, sempre esteve envolvido na defesa da habitação popular, como nos casos da Vila Autódromo (do qual discordamos radicalmente da remoção, feita apenas por motivações estéticas), da Vila Baronesa (em Santa Treresa, na qual estamos negociando um desfecho junto ao INSS), do Canal do Anil e de uma série de outros conflitos nos quais houve a tentativa de remoção arbitrária. Se o senhor procurar pesquisar mais sobre minha trajetória política, principalmente durante o período de 18 anos em que fui vereador da cidade do Rio de Janeiro, vai saber do que estou falando.
Mais uma vez agradeço pela oportunidade de expor os motivos pelos quais defendo a comunidade do Horto. O que nem sempre é possível pelo fato de que as informações sobre o conflito fundiário que ora opõe a comunidade à atual direção do Instituo de Pesquisas Jardim Botânico (IPJB), são divulgadas – e muitas vezes distorcidas – por um grupo de comunicação que possui interesses imobiliários diretos na questão.
Este grupo, além de estar adquirindo casas sistematicamente nas vilas da Rua Pacheco Leão, “batalha” pela valorização da área do Alto Jardim Banqueiro, onde moram banqueiros, industriais e alguns artistas globais.
O senhor poderá tirar suas próprias conclusões se tiver acesso a uma reportagem recente da revista de domingo, que compara a área ao Jardim Pernambuco, a jóia da elite do Leblon, e conclui que o Alto JB só tem uma desvantagem, os pobres do Horto moram ali perto demais.
Fico à disposição para qualquer esclarecimento adicional que você julgue necessário.
Saudações fraternas,
Deputado federal Edson Santos (PT-RJ)
01 de novembro de 2012
A questão do Horto é complexa e oferece vários aspectos. Inicialmente, quero deixar claro que, de forma alguma, deprecio a importância histórica e científica do Instituto de Pesquisas Jardim Botâncio (IPJB), instituição de renome internacional que tem um importante papel a cumprir para o desenvolvimento da pesquisa científica no Brasil. Mas não há qualquer contradição entre este reconhecimento e a defesa dos moradores da bicentenária comunidade do Horto.
Afinal, baseada em estudos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, a Secretaria de Patrimônio da União já constatou que é perfeitamente possível conciliar os interesses dos moradores com a expansão das atividades do Jardim Botânico e a preservação do meio ambiente na região.
O Brasil é um país em transição. Sob muitos aspectos somos uma nação moderna, pronta para um novo salto de desenvolvimento com distribuição de renda e erradicação da miséria. Mas ainda possuímos considerável contingente de ouvidos sensíveis a ideias retrógradas, como é o caso das remoções.
A elite econômica de hoje, assim como os patrimonialistas do passado, advogam que há um preço para estar perto do progresso. Como o trabalhador não pode pagar por esse preço, ele não tem o direito de morar próximo ao seu local de trabalho ou perto das melhores escolas, hospitais e outros serviços da cidade.
A “solução” defendida é a aplicação da velha receita: uso da força, pé na porta e caminhão de mudança, forçando as famílias a recomeçar suas vidas em locais nos quais as carências de todos os tipos e a escassez de direitos são as principais características. Não resolve o problema, mas ao menos o torna invisível, aumentando a cotação da cidade para venda nos stands globais.
A liberação de terra bem localizada para grandes negócios tem levado a um aumento exponencial de remoções forçadas. O conflito fundiário do Horto é emblemático neste sentido. Pois, a despeito da mediação conduzida com legitimidade, rigor técnico e respeito ao meio ambiente pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU), é claro o incômodo entre os ‘poderosos’ da região. Para estes, as conquistas no campo do direito à moradia devem ser ignoradas ou tratadas de forma seletiva.
O relato do jornalista Roberto Magessi é revelador neste sentido. Ele é secretário executivo do Conselho do Parque Nacional da Tijuca, bisneto e tataraneto de dois antigos administradores do Parque, numa linhagem familiar há 120 anos dedicada à preservação da Floresta da Tijuca. Magessi conhece e tem acesso há vários estudos que comprovam a legitimidade dos moradores do Horto em sua luta por moradia. E após confrontar o Código Florestal com o Estatuto das Cidades, a Lei Orgânica do Município, a Lei da Mata Atlântica e a Constituição Federal concluiu, dentre outros pontos, que:
– A comunidade do Horto nunca foi uma ameaça para os limites do Parque Nacional da Tijuca;
– A comunidade ocupa uma área destinada à moradia há mais de um século e, portanto, não promoveu desmatamento algum;
– A comunidade cresceu numa proporção infinitamente menor do que a cidade e do que o bairro do Jardim Botânico;
– A comunidade colaborou com a recuperação e protegeu toda a área de amortecimento do Parque Nacional da Tijuca. E que só existe verde nesse espaço porque a comunidade protegeu e plantou, vide as áreas degradadas pelos condomínios que, juntas, destruíram em poucos anos um espaço 18 vezes superior à área da comunidade.
A lógica, portanto, está invertida. Invertida também está, neste discurso, a historicidade da região. Não é verdade que os moradores são “invasores”. O núcleo inicial da comunidade do Horto data do século XVII, bem anterior à criação do Jardim Botânico. Além, disso, tanto o Horto quanto o Jardim Botânico estão em área da União, sem limites formais demarcados.
A principal motivação do conflito é justamente a intenção do IPJB de expandir sua área de visitação sobre terras que, pela visão do Governo, poderiam cumprir outra função social.
O interesse do IPJB é legítimo, desde que seja construída uma solução negociada com a comunidade, o que é amplamente aceito pelos moradores. O Instituto, no entanto, rejeita o diálogo e procura rotular a comunidade como um corpo estranho que deve ser removido para a purificação da cidade.
E para que mesmo? Os patronos da remoção se travestem da falsa defesa do meio ambiente para alcançar seus mal disfarçados objetivos. Querem, embora não tenham coragem de assumir publicamente, valorizar ainda mais os condomínios luxuosos do Alto Jardim Botânico e criar uma área de lazer reservada às elites, ainda mais exclusiva do que o Central Park de Nova Iorque e o Hyde Park de Londres. Pois enquanto nestes parques estrangeiros a entrada e livre, aqui, há muito, temos roletas e cobrança de ingressos.
O direito à moradia no Horto está ancorado em ampla legislação, nacional e internacional, que garante aos moradores a permanência e a posse da terra. Estamos seguros de que o Governo, por meio da SPU, vai atuar de forma equilibrada e transparente para resolver o conflito e conciliar a ampliação do IPJB com os direitos dos moradores do Horto. Pois a desconstituição de direitos abre precedentes perigosos; sabemos como começa – sobre os mais vulneráveis – mas é difícil prever como pode terminar.
Sobre minhas relações de parentesco, é importante esclarecer que a casa onde moram minha mãe e minha – e não de toda a “parentela”, com depreciativamente costumam afirmam nossos detratores – esta casa não está e nunca esteve na área diretamente demandada pelo IPJB. Não estamos neste jogo por interesses pessoais, mas por convicção.
A maioria das pessoas ignora que nosso Mandato, para além da questão do Horto, sempre esteve envolvido na defesa da habitação popular, como nos casos da Vila Autódromo (do qual discordamos radicalmente da remoção, feita apenas por motivações estéticas), da Vila Baronesa (em Santa Treresa, na qual estamos negociando um desfecho junto ao INSS), do Canal do Anil e de uma série de outros conflitos nos quais houve a tentativa de remoção arbitrária. Se o senhor procurar pesquisar mais sobre minha trajetória política, principalmente durante o período de 18 anos em que fui vereador da cidade do Rio de Janeiro, vai saber do que estou falando.
Mais uma vez agradeço pela oportunidade de expor os motivos pelos quais defendo a comunidade do Horto. O que nem sempre é possível pelo fato de que as informações sobre o conflito fundiário que ora opõe a comunidade à atual direção do Instituo de Pesquisas Jardim Botânico (IPJB), são divulgadas – e muitas vezes distorcidas – por um grupo de comunicação que possui interesses imobiliários diretos na questão.
Este grupo, além de estar adquirindo casas sistematicamente nas vilas da Rua Pacheco Leão, “batalha” pela valorização da área do Alto Jardim Banqueiro, onde moram banqueiros, industriais e alguns artistas globais.
O senhor poderá tirar suas próprias conclusões se tiver acesso a uma reportagem recente da revista de domingo, que compara a área ao Jardim Pernambuco, a jóia da elite do Leblon, e conclui que o Alto JB só tem uma desvantagem, os pobres do Horto moram ali perto demais.
Fico à disposição para qualquer esclarecimento adicional que você julgue necessário.
Saudações fraternas,
Deputado federal Edson Santos (PT-RJ)
01 de novembro de 2012
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