"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

LIVRE PENSAR É SÓ PENSAR (MILLÔR FERNANDES)

 

Capítulo XIII
 
 
O resto da história os leitores conhecem melhor do que eu. Seduzido por Eva e pela Serpente, Adão não resistiu e comeu a maçã.
 
 
Capítulo XIV
 
 
Logo que comeram a maçã, por um fenômeno facilmente explicável, Adão e Eva descobriram o Pudor. Perceberam que estavam nus.
 
 
Correram até seu armário desembutido, pegaram algumas folhas de parreira, e se vestiram rapidamente.
P.S. Ao contrário do que pensam os mais jovenzinhos, o unisex não é um passo em direção ao futuro. É uma volta às origens.

Parêntesis
 
O sexo que nós perdemos ou por que não escolheram outro fruto?

Por mais que os homens de batina tentem tapear, o fato é que a maçã, na História Sagrada, significa essa palavra por tanto tempo oculta, escamoteada, falada em voz baixa ou dita na língua do P pelas crianças, quando há adultos por perto: Se-pé-qui-pi-ssô-pô. SEXO.
 
Agora, perguntamos nós que tanto entendemos do assunto: por que a maçã, de tantos frutos insípidos provavelmente o mais insípido, foi servir de símbolo e, pior, modelo, para coisa tão fundamental?
Numa enquete que fiz aqui no meu estúdio, a votação foi unânime: minhas trinta e oito secretárias (em sua maioria visitantes) declararam peremptoriamente que, se estivessem no Paraíso em lugar de Eva, e fossem tentadas por uma maçã, não teria havido expulsão, nem ódios, nem guerras e todas essas coisas que dizem originadas pelo gesto de desobediência do protocasal.
 
Evidentemente devia haver outras frutas mais saborosas e mais suculentas no Paraíso.
 
E, ao pensar nisso, choro de frustação, imaginando o sexo que nós perdemos. Sim, irmãos, pois se a maçã, tão sem gosto,
corresponde ao sexo que temos, vocês já imaginaram o sexo que teríamos se a primeira dama nos tivesse tentado com um tamarindo bem maduro, desses de dar água na boca?
 
Poderão objetar os mais espertinhos que o sexo — i.e., o fruto — não foi escolhido por Eva, mas determinando a priori pelo Todo-Poderoso, que exigiu a seus filhos não tocarem naquela árvore, porque exatamente aquela árvore era a — ai! — perdição. Mas está visto que o Senhor, que fez tantas com seus filhos terrenos, tapeou-os aí também: todas as árvores do Paraíso eram igualmente sexuais. Proibindo a macieira Ele levou o homem, fatalmente, a escolher o pior dos sexos. Dizem que em Marte, planeta melhor aquinhoado pelo Senhor, o sexo é algo de realmente sensacional, múltiplo e prolongado. Sem falar em Vênus, onde, sabe-se, o homem e a mulher, quando foram expulsos de lá, já tinham comido de todas as árvores, sem contar que misturaram sucos, fizeram saladas de frutas, batidas, molhos, e ainda partiram para experiências mais complexas convidando todos os animais a participar do desrespeito geral, em sodomias inimagináveis. Deve-se a essa extraordinária previdência e espírito experimental dos primeiros seres de Vênus, a fantástica variação e a incrível intensidade dos prazeres sexuais que possuem hoje os habitantes daquele notável planeta, fabricantes, aliás, de anticoncepcionais de eficiência inigualável.

28 de dezembro de 2012

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