Despesas do
governo roladas de um ano para o outro, chamadas de restos a pagar, devem chegar
a R$ 200 bilhões em 2013, segundo estimativa do portal Contas Abertas. Essas
sobras cresceram tanto que são tratadas pelos especialistas como um orçamento
paralelo do governo federal.
Desde 2002, o
valor desta conta foi multiplicado por dez.
Os restos a pagar
do Orçamento federal devem chegar à marca recorde de R$ 200 bilhões em 2013,
segundo estimativa do portal Contas Abertas, especializado em contas públicas.
Os restos a pagar são despesas de orçamentos anteriores, que não foram pagas, e
que são roladas para a frente.
Em 2002 e 2003, os
restos a pagar estavam em torno de R$ 20 bilhões, o que significa que foram
multiplicados por dez em uma década.
Para especialista,
aumento do valor combina "dificuldade de acomodar gastos, inoperância dos
ministérios e bagunça orçamentária"
O aumento de 2012
para 2013 deve ser de R$ 58,9 bilhões, quase quatro vezes maior do que a média
anual de aumento de restos a pagar de 2009 a 2012, que foi de R$ 15,3 bilhões.
"Uma conta de R$ 200 bilhões pode ser chamada de tudo, menos de restos a pagar",
critica o economista José Roberto Afonso, especialista em assuntos fiscais.
Gil Castelo Branco,
secretário-geral do Contas Abertas, diz que "os restos a pagar são um orçamento
paralelo, tão ou mais relevante que o Orçamento oficial em algumas rubricas,
como investimentos".
Ele nota que os
restos a pagar de investimentos em 2013 (há diversos outros tipos de despesa
também), estimados em R$ 73,5 bilhões, serão bem maiores que todo o investimento
federal em 2012, de R$ 46,8 bilhões. Além disso, em 2012 foram feitos mais
investimentos de restos a pagar (R$ 25,3 bilhões) do que os investimentos do
próprio Orçamento do ano, de R$ 22 bilhões.
Quando se toma o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o mesmo padrão se repete. Foram
pagos R$ 21,3 bilhões de investimentos de restos a pagar, e apenas R$ 18,2
bilhões do Orçamento de 2012.
O aumento de
restos a pagar de investimentos em 2013 foi de R$ 16,2 bilhões, quase três vezes
maior do que a média anual de aumento da mesma rubrica de 2009 a 2012, que foi
de R$ 5,7 bilhões.
Dentro da
estimativa do Contas Abertas de restos a pagar de investimento para 2013, o item
principal é transporte rodoviário, com R$ 7,7 bilhões. O economista Raul
Velloso, especialista em contas públicas, nota que os investimentos em
transporte estão caindo desde 2010 como proporção do PIB. No valor acumulado até
novembro, saiu-se 0,33% do PIB em 2010 para 0,29% em 2011 e 0,22% em 2012.
Para Velloso, o
aumento dos restos a pagar nos últimos anos é uma combinação de "dificuldade
financeira de acomodar gastos e cumprir a meta de superávit primário,
inoperância dos ministérios e bagunça orçamentária".
Entraves.
Os restos a pagar
correspondem a despesas que foram "empenhadas", passo inicial da execução
orçamentária, mas que deixam de ser pagas. Algumas vezes, explica Castelo
Branco, isso ocorre por falta de uma licença ambiental, ou porque o Tribunal de
Contas paralisa a obra por alguma irregularidade, entre outros motivos.
Ele observa que
os restos a pagar começaram a crescer "como bola de neve" no início da década
passada e, naquela época, eram usados também como mecanismo de cumprimento do
superávit primário, quando as metas fiscais brasileiras eram severamente
vigiladas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Assim, muitas
vezes os empenhos eram feitos, permitindo ao político exibir ao seu eleitorado
uma "conquista" de alguma obra de interesse local, mas os recursos não eram
efetivamente liberados.
Esse estratagema
ainda é usado hoje, na visão de Castelo Branco e Velloso. Mas os analistas
fiscais também acham que o gigantesco acúmulo de restos a pagar cria um
orçamento paralelo, que dá margem de manobra para o governo gastar e investir,
sem as amarras do Orçamento oficial e da sua tramitação complexa e sujeita à
permanente guerrilha política do Congresso Nacional.
"Com os restos a
pagar, o governo não precisa que o Orçamento de 2013 seja aprovado tão cedo, ele
pode ir tocando os seus gastos com essa autorização orçamentária que já possui."
Mas os
especialistas notam que há uma enorme contrapartida negativa no crescimento dos
restos a pagar.
Para Castelo
Branco, o País está perdendo completamente o princípio da anualidade, já que o
Orçamento é feito para um exercício (ano fiscal), e para que a sociedade possa
acompanhar o que está sendo feito neste exercício - agora há orçamentos
paralelos que derivam de múltiplos exercícios. "Estamos acompanhando o Orçamento
pelo retrovisor", critica o economista.
José Roberto
Afonso lembra que o processo orçamentário está na raiz da democracia moderna, o
que significa que o governo não pode criar impostos ou gastos sem a chancela dos
representantes do povo, que estão no Legislativo. Mas, com o enorme orçamento
paralelo dos restos a pagar, o governo na prática pode escolher que projetos
tocar, desamarrando-se de uma forma que pode até favorecer a corrupção.
"No fundo, o que
temos é um cheque em branco", diz Afonso, que defende a revisão da legislação
tributária e do mecanismo dos restos a pagar, criado há meio século apenas para
facilitar a transição entre exercícios fiscais, mas que foi completamente
distorcido.
Fernando Dantas O
Estado de S. Paulo
08 de janeiro de 2013
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