Governo poderia ter justificado o fato de não conseguir atingir a meta fiscal, mas, como partiu para a maquiagem, semeou dúvidas nos investidores
A conquista da estabilidade econômica não foi instantânea. Levou tempo para o Brasil passar a ser considerado como alternativa para grandes investidores globais. E entre os fatores de atração com que passou a contar o país incluem-se, além da estabilidade política, a seriedade e a transparência na condução da política econômica.
Pois esta seriedade e transparência estão seriamente abaladas depois de uma série de artifícios usados para melhorar as contas públicas, culminando com um pacote baixado no último dia útil do ano. Não fossem a atenção de analistas e até mesmo a sofisticação da contabilidade pública brasileira, o “jeitinho” para fazer o superávit primário de 2012 formalmente atingir a meta de 3,1% teria passado despercebido. Do pacote constaram um decreto, uma medida provisória — assinados, portanto, pela presidente Dilma — e quatro portarias do Ministério da Fazenda, de responsabilidade de Guido Mantega.
Pouco antes, foram transferidos R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano com o mesmo objetivo de inflar o superávit primário, como se fosse dinheiro derivado de corte de despesas ou acréscimo de arrecadação. O decreto, a MP e as portarias, em linguagem cifrada, trataram de algumas operações, incluída a emissão de títulos públicos, pelas quais o BNDES e a Caixa Econômica, como já ocorreu no passado, anteciparam o pagamento de dividendos à União. No jogo de maquiagem, para justificar essas transferências, a CEF recebeu do BNDES, para se capitalizar, ações de empresas das quais o banco participa.
Assim, a instituição financeira estatal voltada à construção civil e projetos de sanamento se tornou sócia de um frigorífico (JBS), entre outras empresas. Tanto que a Caixa passou a ser chamada de “BNDESdoB”. A situação é tão esdrúxula que se espera com certa ansiedade a publicação das respectivas exposições de motivos dos atos baixados no dia 28. É grande a curiosidade sobre como a manobra será justificada.
Não é de hoje que o Tesouro faz operações de lançamento e entrega de títulos a bancos públicos para alavancá-los, sendo que parte dos recursos volta na forma de dividendos. Como estas capitalizações não são consideradas despesas primárias, na prática cria-se um “orçamento paralelo” à margem do Congresso, sem visibilidade. E, como há um subsídio embutido nas operações — os juros que o Tesouro paga pela dívida que contrai são maiores que os cobrados pelos bancos —, surgiu uma fonte de gastos fora de controle (R$ 15 bilhões em 2012).
Ao pacote soma-se a intenção do Planalto de flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal para facilitar a desoneração de setores escolhidos a dedo, e durante um prazo longo. O resultado de tudo é arranhar de maneira séria a credibilidade do Brasil no exterior, com reflexos em decisões de investimentos de longo prazo. Se a contabilidade pública não é confiável, tudo o mais perde credibilidade. Teria sido melhor justificar o fato de os 3,1% do superávit não terem sido alcançados.
08 de janeiro de 2013
Editorial de O Globo
Pois esta seriedade e transparência estão seriamente abaladas depois de uma série de artifícios usados para melhorar as contas públicas, culminando com um pacote baixado no último dia útil do ano. Não fossem a atenção de analistas e até mesmo a sofisticação da contabilidade pública brasileira, o “jeitinho” para fazer o superávit primário de 2012 formalmente atingir a meta de 3,1% teria passado despercebido. Do pacote constaram um decreto, uma medida provisória — assinados, portanto, pela presidente Dilma — e quatro portarias do Ministério da Fazenda, de responsabilidade de Guido Mantega.
Pouco antes, foram transferidos R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano com o mesmo objetivo de inflar o superávit primário, como se fosse dinheiro derivado de corte de despesas ou acréscimo de arrecadação. O decreto, a MP e as portarias, em linguagem cifrada, trataram de algumas operações, incluída a emissão de títulos públicos, pelas quais o BNDES e a Caixa Econômica, como já ocorreu no passado, anteciparam o pagamento de dividendos à União. No jogo de maquiagem, para justificar essas transferências, a CEF recebeu do BNDES, para se capitalizar, ações de empresas das quais o banco participa.
Assim, a instituição financeira estatal voltada à construção civil e projetos de sanamento se tornou sócia de um frigorífico (JBS), entre outras empresas. Tanto que a Caixa passou a ser chamada de “BNDESdoB”. A situação é tão esdrúxula que se espera com certa ansiedade a publicação das respectivas exposições de motivos dos atos baixados no dia 28. É grande a curiosidade sobre como a manobra será justificada.
Não é de hoje que o Tesouro faz operações de lançamento e entrega de títulos a bancos públicos para alavancá-los, sendo que parte dos recursos volta na forma de dividendos. Como estas capitalizações não são consideradas despesas primárias, na prática cria-se um “orçamento paralelo” à margem do Congresso, sem visibilidade. E, como há um subsídio embutido nas operações — os juros que o Tesouro paga pela dívida que contrai são maiores que os cobrados pelos bancos —, surgiu uma fonte de gastos fora de controle (R$ 15 bilhões em 2012).
Ao pacote soma-se a intenção do Planalto de flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal para facilitar a desoneração de setores escolhidos a dedo, e durante um prazo longo. O resultado de tudo é arranhar de maneira séria a credibilidade do Brasil no exterior, com reflexos em decisões de investimentos de longo prazo. Se a contabilidade pública não é confiável, tudo o mais perde credibilidade. Teria sido melhor justificar o fato de os 3,1% do superávit não terem sido alcançados.
08 de janeiro de 2013
Editorial de O Globo
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