"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O LEGADO MISERÁVEL DE REAGAN, THATCHER E PINOCHET

 

Uma aula brilhante de mundo moderno. É uma maneira sintética de definir o livro “A Doutrina do Choque”, da escritora, jornalista e ativista canadense Naomi Klein, 44 anos.

Naomi, como é aceito já consensualmente, identifica em Reagan e Thatcher, cada um num lado do Atlântico, um movimento que levaria a uma extraordinária concentração de renda no mundo. Ambos representaram administrações de ricos, por ricos e para ricos. Os impostos para as grandes corporações e para os milionários foram sendo reduzidos de forma lenta, segura e gradual.

Desregulamentações irresponsáveis feitas por Reagan e Thatcher, e copiadas amplamente, permitiram a altos executivos manobras predatórias e absurdamente arriscadas com as quais eles, no curto prazo, levantaram bônus multimilionários.

O drama se viu no médio prazo. A crise financeira internacional de 2007, até hoje ardendo mundo afora, derivou exatamente da ganância irresponsável e afinal destruidora que as desregulamentações estimularam nas grandes empresas e nos altos executivos.

No epicentro da crise estavam financiamentos imobiliários sem qualquer critério decente nos Estados Unidos, expediente com o qual banqueiros levantaram bônus multimilionários antes de levar seus bancos à bancarrota com as previsíveis inadimplências. (Ruiria, com os bancos, também a ilusão de que o reaganismo e o thatcherismo fossem eficientes.) Tudo isso, essencialmente, é aceito.

PINOCHET, O PIONEIRO

O engenho de Naomi Klein está em recuar alguns anos mais para estudar a origem da calamidade econômica que tomaria o mundo a partir de 2007. O marco zero, diz ela, não foi nem Thatcher e nem Reagan. Foi o general Augusto Pinochet, que em 1973 deu, com o apoio decisivo dos Estados Unidos, um golpe militar e derrubou o governo democraticamente eleito de Salvador Allende no Chile.

Frieman dominou a economia chilena sob Pinochet 
Friedman e Pinochet, tudo a ver

Foi lá, no Chile de Pinochet, que pela primeira vez apareceria a expressão “doutrina de choque”. O autor não era um chileno, mas o economista americano Milton Friedman, professor da Universidade de Chicago. Frieman dominou a economia chilena sob Pinochet

Um programa criado pelo governo americano dera, na década de 1960, muitas bolsas de estudo para estudantes chilenos estudarem em Chicago, sob Friedman, um arquiconservador cujas ideias beneficiam o que hoje se conhece como 1% e desfavorecem os demais 99%.

Dado o golpe, os estudantes chilenos de Friedman, os “Chicago Boys”, tomaram o comando da economia sob Pinochet e promoveram a “Doutrina do Choque” – reformas altamente nocivas aos trabalhadores, impostas pela violência extrema da ditadura militar. Da “Doutrina do Choque” emergiria, no Chile, uma sociedade abjetamente iníqua que anteciparia, como nota Naomi Klein, o que se vê hoje no mundo contemporâneo.

O Brasil, de forma mais amena, antecipara o Chile: o golpe militar, também apoiado pelos Estados Unidos (e pelas grandes empresas de jornalismo, aliás), veio nove anos antes, em 1964. Tivemos nossos Chicago Boys, mas em menor quantidade, como Carlos Langoni, que foi presidente do Banco Central.

Com sua sinistra “Doutrina do Choque”, Friedman, morto em 2006, é o arquiteto do mundo iníquo tão questionado e tão merecidamente combatido em nossos dias.

Um dos méritos de Naomi Klein é deixar isso claro – além de lembrar a todos que situações de grande desigualdade são insustentáveis a longo prazo, como a guilhotina provou na França dos anos 1790.

08 de janeiro de 2013
Paulo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)

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