"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 16 de março de 2013

O ETERNO FEMININO EM CRISE?

                    o que é isso, companheiras?


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Segundo o antropólogo carioca Marcelo Silva Ramos estamos vivendo uma nova moral: indecente não é mais tirar a roupa e, sim, ter um corpo fora do padrão estético. E, para não ser, digamos, amoral, vale tudo – mas tudo mesmo

Uma coisa todo mundo sabe: conquistamos o Everest nas últimas duas, três décadas. Só que essa escalada de poder também aumentou os distúrbios ligados à alimentação e a necessidade, artificialmente provocada, de corresponder a um modelo idealizado de mulher. Muitas vezes, mesmo que inconscientemente, desrespeitamos nossa essência para nos transformarmos naquilo que é aceito e admirado.

As roupas, as cores, as tendências e até os cortes de cabelo são cíclicos, sazonais, assim como as estações do ano, assim como as fases da vida. O engraçado é que estamos esquecendo que os padrões de beleza são incoerentes, nos distanciam do que somos para nos aproximar do que é comum, banal.
Aqui Marcelo Silva Ramos, co-autor dos livros “Os Novos desejos” e “Nu e Vestido”, destrincha esse comportamento para lá de paradoxal.

Por que elas tiram a roupa?

Há, de fato, uma superexposição dos corpos femininos, mas também dos masculinos. Expor-se dessa forma não é tão simples como parece. Vejo o ato de tirar as roupas em nossos dias tal como o ato de se vestir. Seja nua ou vestida, a intenção é exibir a forma. Não há mais pudor em se valorizar a beleza comprada, fruto de investimento de tempo e dinheiro. A busca pela perfeição física tornou-se imperativa. A liberdade para agir sobre o próprio corpo não para de ser estimulada, cobrada, trazendo a idéia de que só é feio quem quer. Sendo assim, digamos, que “elas tirem a roupa” para exibir uma conquista.

Você acredita que exista uma inversão de conceitos e valores?

A nudez parece confirmar a idéia de que vivemos uma liberdade física e sexual sem precedentes. No entanto, a aparente liberação acontece com um alto grau de controle. Se antes havia um pudor em expor o corpo, hoje é a exposição de um corpo fora de forma que é considerada indecente, vergonhosa. Acho que é possível falar do surgimento de uma nova moral, que, sob essa aparente liberação física e sexual, prega a conformidade e aprisionamento a um determinado padrão estético.

A mulher precisa de aprovação do homem para sentir-se bela?

A mulher deseja ser desejada por um homem. Seu pleno reconhecimento é pelo olhar de desejo masculino. Sem isso, mesmo as mais belas, sentem-se fracassadas. É interessante observar, no entanto, que o corpo que elas buscam não é exatamente o corpo que eles dizem desejar. Em pesquisa recente, feita no Rio com homens de classe média, para surpresa de todas as obcecadas por ossos aparentes, os homens elegeram Sheila Carvalho e Juliana Paes padrões exemplares de beleza feminina.

Mulheres são instintivamente mais “exibidas” que os homens ou esse comportamento é cultural, independe de gênero?

Tradicionalmente, as mulheres sempre foram admiradas e valorizadas por sua beleza e juventude, características que, em nossa sociedade, são percebidas, hoje mais do que nunca, como centrais em suas existências e afetos.
O antropólogo francês Marcel Mauss destaca que a forma como os indivíduos usam e representam seus corpos é mais determinada por critérios de aprovação e desaprovação coletivos do que pelas particularidades individuais.
No que se refere à exibição dos corpos, as mulheres, até a metade do século passado, eram recatadas. Hoje, como já disse, os corpos femininos parecem mais livres, menos contidos, por estarem mais expostos. Porém, para exibir o corpo sem constrangimentos as mulheres (e hoje também os homens) se submetem a um estilo de vida e a um conjunto de normas de conduta que podem ser vistas como novas “prisões”.


Quando o corpo passou a ter o valor que tem hoje?

Nos últimos vinte anos, com o surgimento de modelos que se tornaram celebridades, esta cultura do corpo se tornou mais forte. A mídia adquiriu um imenso poder de influência, expandiu-se o consumo de produtos de beleza e generalizou-se a paixão pela moda. Como lembra Marcel Mauss, os indivíduos imitam atos, comportamentos e corpos que obtiveram êxito. Quem tem prestígio hoje são modelos, atrizes e atores, que exibem corpos moldados e cuidados com todos os recursos hoje disponíveis no mercado.
A maneira pelas quais os indivíduos fazem uso de seus corpos varia de acordo com as épocas, com as modas, com os prestígios. Hoje, é possível perceber dois movimentos diferentes: uma banalização da nudez feminina (nas revistas, propagandas, carnaval etc) e, ao mesmo tempo, um receio enorme das mulheres que se consideram “fora de forma” em expor seus corpos, inclusive para seus parceiros.


O desejo feminino se manifesta de forma diferente do desejo masculino? Eles querem desejar e as mulheres querem ser desejadas?

O corpo feminino é e sempre foi a principal fonte de atração sexual masculina. Já as mulheres, até bem pouco tempo, buscavam nos homens poder, proteção, sucesso, inteligência e até dinheiro. Hoje, elas também valorizam a estética. Aliás, o culto ao corpo está fazendo com que as pessoas fiquem similares demais. A valorização da aparência, se apresentou, de forma surpreendente para mim em uma pesquisa da UFRJ sobre os desejos, as expectativas e as mudanças nos relacionamentos afetivos e sexuais. Ao analisarmos algumas das questões da pesquisa, foi surpreendente constatar a presença significativa da resposta “o corpo” como algo invejado, desejado e admirado no sexo oposto e no mesmo sexo.

16 de março de 2013
silvia pilz

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