"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 10 de abril de 2013

"A INSENSATA POSTERGAÇÃO DO JULGAMENTO DO MENSALÃO DE LULA"

Com o acórdão, a defesa poderá encaminhar recursos. Eles têm de ser despachados em prazos razoáveis, para se encerrar um caso que já se alongou demais
 
O fim da fase de estabelecimento de penas, no Supremo, dos condenados no julgamento do mensalão foi considerado um marco histórico pelas circunstâncias do processo. Pela primeira vez, a Justiça brasileira condenava, em instância final, inclusive à prisão, poderosos na cena política. Entre eles, figuras estreladas do PT, partido inquilino do Planalto há mais de 12 anos: José Dirceu, ex-ministro, o deputado José Genoíno, ex-presidente da legenda, e João Paulo Cunha, deputado e ex-presidente da Câmara, os mais proeminentes.

O assunto foi notícia no mundo, pelo que representa em termos de fortalecimento das instituições num país da América Latina, continente de tempos em tempos varrido por ventos populistas e autoritários, e não tendo o Brasil qualquer tradição em punir judicialmente pessoas influentes. Justas repercussões — mas o julgamento tecnicamente ainda não acabara.

Os ritos jurídicos são intrincados. Há alguma razão para isso, pois um dos lastros do estado democrático de direito é dar amplo direito de defesa aos acusados, embora, como em tudo, haja limites. Mesmo condenados ainda contam com alternativas de recursos.

Fato é que, com a entrega, segunda-feira, pelo ministro Celso de Mello, do seu voto por escrito, o último da Corte dos que participaram do julgamento a fazê-lo, o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, poderá remeter o acórdão do caso para publicação no Diário de Justiça. Feito isto, os advogados de defesa contarão com cinco dias úteis para encaminhar recursos, assim como o Ministério Público, o denunciante dos mensaleiros, caso discorde de alguma pena.

É possível que esta fase final ainda reserve emoções, porque é do óbvio interesse de advogados de condenados aproveitar as inúmeras brechas que a legislação permite para esgrimir com chicanas e tentar até mesmo rever penas em regime fechado.

Há duas possibilidade de recursos: os embargos declaratórios, para dúvidas de interpretação; e os infringentes, uma revisão de pena para quem teve quatro votos no mínimo a favor da absolvição. Caso, entre outros, de José Dirceu e José Genoíno na acusação de formação de quadrilha. Há acesa discussão sobre a existência ou não deste tipo de recurso, pois, segundo alguns juristas, ele foi revogado por lei.

Existem, ainda, cálculos maquiavélicos pelos quais haveria a possibilidade de o desfecho do mensalão ser postergado para que a renovação do Pleno, em função da aposentadoria de alguns ministros, permitisse a nomeação de magistrados, digamos, menos antipáticos a certos mensaleiros.

Seria um descalabro, um escândalo. Chega a ser difícil admitir que alguém do nível exigido pelo Supremo aceite uma indicação a ministro já marcada pelo suspeição. É preciso um imenso cuidado a fim de não se manchar a imagem do STF e das instituições republicanas em geral com uma ação política imprevidente para tentar o impossível: salvar mensaleiros já condenados.

10 de abril de 2013
O Globo

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