Lagarde: Brasil precisa destravar já os gargalos de infraestrutura
Diretora-gerente do FMI afirma que obras são prioridade para recolocar O país no rumo do crescimento econômico
O Brasil pode usar a política monetária --subir juros-- para conter a crescente inflação, mas a prioridade do país deve ser desatar os nós que travam a produção e a exportação, disse à Folha a chefe do FMI, Christine Lagarde.
Já a "guerra cambial", bandeira constante do país no Fundo Monetário Internacional, é um temor que se dissipa --e nunca chegou a guerra, expressão que ela atribui ao excesso de "paixão" de Guido Mantega ao falar.
Primeira mulher a comandar o Fundo, Lagarde recebeu o jornal brasileiro e o mexicano "El Universal" ontem, véspera da reunião ministerial do FMI, para falar de crise, crescimento lento e do peso da organização que chefia, em reforma. A seguir, suas principais respostas à Folha:
Folha - As coisas parecem melhores após cinco anos de crise, mas a recuperação patina. O que falta para engrenar?
Christine Lagarde - A recuperação tem três velocidades. Um grupo avança mais rápido --os emergentes e os países de baixa renda; um segundo surpreendeu positivamente --como EUA e a Suécia-- e consertou parte das áreas combalidas; e um terceiro vem atrás, a zona do euro. O Japão é a incógnita.
Há crescimento, o que precisa ser feito é estabelecer a cooperação entre os diferentes países e grupos. Os emergentes e os de baixa renda têm de aproveitar para refazer seus "amortecedores" e assegurar que os fluxos de capitais sejam bem geridos, para não ter risco de bolha.
Nos EUA, há necessidade de um rumo fiscal no médio prazo, mais do que de cortes. E a zona do euro precisa continuar as reformas, sobretudo a integração bancária.
Juntos, precisamos completar a reforma do setor financeiro --muito ainda precisa ser feito no mercado de derivativos [estopim da crise], que carece de transparência e de supervisão ainda.
A sra. citou o avanço emergente. No Brasil, apesar de incentivos e corte de juros, o crescimento foi apático, e teme-se a inflação. Como a sra. avalia a atual política econômica?
Apesar de baixo, o crescimento avançou, e prevemos que 2013 será melhor --embora estejamos revisando isso um pouco para baixo. Também achamos que o Brasil usou de modo eficaz as ferramentas fiscais e monetárias. A preocupação com a inflação pode ser tratada de forma sensata, talvez com a política monetária [juros], o que deve estar em consideração.
A questão é que há muito a ser feito sobre os gargalos, em portos, aeroportos, rodovias... O fornecimento e o escoamento de mercadorias é limitado por gargalos em quase todo o território. Aprimorar a infraestrutura poderia melhorar muito a situação do país, e é isso que sugerimos que seja priorizado.
A previsibilidade do ambiente de negócios também é importante. Eu adoro esportes, e vocês terão a Copa e a Olimpíada --é a justificativa perfeita para melhorar a infraestrutura e o transporte.
O governo brasileiro tomou medidas fiscais para estimular a indústria, ao passo que critica a "guerra cambial" [o aumento do dinheiro em circulação nos países ricos, que baixa o valor de suas moedas]. Esse paradoxo tem custo político internacional para o país?
Todo mundo sempre presta muita atenção ao que diz meu colega, o ministro [da Fazenda Guido] Mantega, e às vezes ele fala com tanta paixão que usa palavras fortes. O que ele chama de "guerra cambial" eu chamo de preocupação cambial, e entendo que ela exista.
Vi também que ele disse não estar preocupado com o fluxo de capitais [externos], sinal de que o mercado brasileiro está absorvendo esse capital, e as ferramentas de controle estão sendo usadas. Mas vejo o discurso de guerra já se dissipando. E as preocupações têm de ser tratadas por todos.
Voltando o foco para o FMI: a reforma do sistema de cotas, que aumentará o peso e a voz dos países emergentes, em detrimento dos ricos, é factível?
Claro que é! A reforma, decidida com todos os chefes de Estado presentes em 2008, tem a aprovação necessária.
Mas, para a reforma de governança, que detona a implementação da de cotas, ainda não temos os 85% de aprovação, pois falta um grande [faz um gesto indicando os EUA].
Dado o impasse político nos EUA, é viável mirar em 2014?
É prioritário para os membros do FMI aceitar que é crítico para o ambiente multilateral e a estabilidade global ter todos os integrantes [do Fundo] em sintonia. Faço o que posso, mas quem decide são os países-membros.
O FMI pode perder relevância? Os Brics [Brasil, Rússia, Índia, China e Áfica do Sul] acabam de anunciar o próprio fundo...
Os europeus têm seu banco, e o Leste da Ásia também tem seu acordo. Esses arranjos intergovernamentais e regionais são totalmente compatíveis com o FMI. Não vejo o FMI perdendo energia, pois temos quase 70 anos de experiência em lidar com crises.
O FMI recuperou seu peso com a crise, mas, para a reunião desta semana, não há tanta expectativa como em 2012. Qual o próximo passo?
Em 2012 o foco foi levantar fundos. Neste ano está um pouco melhor, mas precisamos demais de cooperação. Não há outro fórum em que todos os países-membros --não só os Brics entre si, ou as economias avançadas-- prestem contas uns aos outros.
Este o rumo que quero dar, o de prestação de contas. Acordos regionais são bons, mas é preciso garantir coordenação, cooperação e prestação de contas entre os países. Isso é mais difícil.
Leia a íntegra
16 de abril de 2013LUCIANA COELHO - Folha de São Paulo
folha.com/no1263165
Diretora-gerente do FMI afirma que obras são prioridade para recolocar O país no rumo do crescimento econômico
O Brasil pode usar a política monetária --subir juros-- para conter a crescente inflação, mas a prioridade do país deve ser desatar os nós que travam a produção e a exportação, disse à Folha a chefe do FMI, Christine Lagarde.
Já a "guerra cambial", bandeira constante do país no Fundo Monetário Internacional, é um temor que se dissipa --e nunca chegou a guerra, expressão que ela atribui ao excesso de "paixão" de Guido Mantega ao falar.
Primeira mulher a comandar o Fundo, Lagarde recebeu o jornal brasileiro e o mexicano "El Universal" ontem, véspera da reunião ministerial do FMI, para falar de crise, crescimento lento e do peso da organização que chefia, em reforma. A seguir, suas principais respostas à Folha:
Folha - As coisas parecem melhores após cinco anos de crise, mas a recuperação patina. O que falta para engrenar?
Christine Lagarde - A recuperação tem três velocidades. Um grupo avança mais rápido --os emergentes e os países de baixa renda; um segundo surpreendeu positivamente --como EUA e a Suécia-- e consertou parte das áreas combalidas; e um terceiro vem atrás, a zona do euro. O Japão é a incógnita.
Há crescimento, o que precisa ser feito é estabelecer a cooperação entre os diferentes países e grupos. Os emergentes e os de baixa renda têm de aproveitar para refazer seus "amortecedores" e assegurar que os fluxos de capitais sejam bem geridos, para não ter risco de bolha.
Nos EUA, há necessidade de um rumo fiscal no médio prazo, mais do que de cortes. E a zona do euro precisa continuar as reformas, sobretudo a integração bancária.
Juntos, precisamos completar a reforma do setor financeiro --muito ainda precisa ser feito no mercado de derivativos [estopim da crise], que carece de transparência e de supervisão ainda.
A sra. citou o avanço emergente. No Brasil, apesar de incentivos e corte de juros, o crescimento foi apático, e teme-se a inflação. Como a sra. avalia a atual política econômica?
Apesar de baixo, o crescimento avançou, e prevemos que 2013 será melhor --embora estejamos revisando isso um pouco para baixo. Também achamos que o Brasil usou de modo eficaz as ferramentas fiscais e monetárias. A preocupação com a inflação pode ser tratada de forma sensata, talvez com a política monetária [juros], o que deve estar em consideração.
A questão é que há muito a ser feito sobre os gargalos, em portos, aeroportos, rodovias... O fornecimento e o escoamento de mercadorias é limitado por gargalos em quase todo o território. Aprimorar a infraestrutura poderia melhorar muito a situação do país, e é isso que sugerimos que seja priorizado.
A previsibilidade do ambiente de negócios também é importante. Eu adoro esportes, e vocês terão a Copa e a Olimpíada --é a justificativa perfeita para melhorar a infraestrutura e o transporte.
O governo brasileiro tomou medidas fiscais para estimular a indústria, ao passo que critica a "guerra cambial" [o aumento do dinheiro em circulação nos países ricos, que baixa o valor de suas moedas]. Esse paradoxo tem custo político internacional para o país?
Todo mundo sempre presta muita atenção ao que diz meu colega, o ministro [da Fazenda Guido] Mantega, e às vezes ele fala com tanta paixão que usa palavras fortes. O que ele chama de "guerra cambial" eu chamo de preocupação cambial, e entendo que ela exista.
Vi também que ele disse não estar preocupado com o fluxo de capitais [externos], sinal de que o mercado brasileiro está absorvendo esse capital, e as ferramentas de controle estão sendo usadas. Mas vejo o discurso de guerra já se dissipando. E as preocupações têm de ser tratadas por todos.
Voltando o foco para o FMI: a reforma do sistema de cotas, que aumentará o peso e a voz dos países emergentes, em detrimento dos ricos, é factível?
Claro que é! A reforma, decidida com todos os chefes de Estado presentes em 2008, tem a aprovação necessária.
Mas, para a reforma de governança, que detona a implementação da de cotas, ainda não temos os 85% de aprovação, pois falta um grande [faz um gesto indicando os EUA].
Dado o impasse político nos EUA, é viável mirar em 2014?
É prioritário para os membros do FMI aceitar que é crítico para o ambiente multilateral e a estabilidade global ter todos os integrantes [do Fundo] em sintonia. Faço o que posso, mas quem decide são os países-membros.
O FMI pode perder relevância? Os Brics [Brasil, Rússia, Índia, China e Áfica do Sul] acabam de anunciar o próprio fundo...
Os europeus têm seu banco, e o Leste da Ásia também tem seu acordo. Esses arranjos intergovernamentais e regionais são totalmente compatíveis com o FMI. Não vejo o FMI perdendo energia, pois temos quase 70 anos de experiência em lidar com crises.
O FMI recuperou seu peso com a crise, mas, para a reunião desta semana, não há tanta expectativa como em 2012. Qual o próximo passo?
Em 2012 o foco foi levantar fundos. Neste ano está um pouco melhor, mas precisamos demais de cooperação. Não há outro fórum em que todos os países-membros --não só os Brics entre si, ou as economias avançadas-- prestem contas uns aos outros.
Este o rumo que quero dar, o de prestação de contas. Acordos regionais são bons, mas é preciso garantir coordenação, cooperação e prestação de contas entre os países. Isso é mais difícil.
Leia a íntegra
16 de abril de 2013LUCIANA COELHO - Folha de São Paulo
folha.com/no1263165
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