Sábado passado à tarde, aeroporto de Miami: quase três horas para carimbar o passaporte.
Voos desembarcavam passageiros do mundo todo. Pessoas se aglomeravam em filas apertadas, manifestavam surpresa.
Alguns brasileiros arriscavam a ironia: isso aqui está pior que Guarulhos, hein!? Pois deveriam estar contando com a confusão.
No começo da fila, um cartaz grande anunciava: “em razão dos cortes no orçamento federal, o departamento de imigração está trabalhando com menos funcionários do que o normal. Por favor, seja paciente e colabore com os agentes”.
Conversa daqui e dali – nessas filas em caracol , você vai criando um companheirismo de infortúnio, pois cruza várias vezes com as mesmas pessoas – e deu para saber que quase ninguém ali sabia o que estava acontecendo. Algumas pessoas nem haviam percebido o cartaz. Outras, sim, mas estavam longe de saber por que, afinal, havia os tais cortes no orçamento federal.
Sentiam na carne os efeitos de um impasse político em Washington, mas nem imaginavam que se tratava disso, de governo e política. Para resumir, portanto: o presidente Obama e os líderes republicanos, depois de anos de negociações, ainda não chegaram a um acordo de longo prazo para o necessário ajuste das contas públicas americanas, com déficits anuais e dívidas elevadas.
Como o orçamento federal tem se ser votado todo ano, há um impasse anual.
Em um desses momentos, os dois lados concordaram com um arranjo provisório e estabeleceram que, não havendo entendimento consistente um ano depois, entrariam em vigor cortes automáticos de gastos em toda a administração federal, além de aumentos de impostos.
É o que está acontecendo. Na flexível administração americana, a falta de verbas públicas produz resultados imediatos. Funcionários são demitidos ou, solução mais branda, mandados para casa, em licença não remunerada; obras e compras, de equipamentos militares, por exemplo, são eliminadas: e serviços tornam-se precários, como a imigração nos aeroportos.
No caso daquele sábado à tarde, as vítimas eram estrangeiras. Não havia fila no guichê dos residentes nos EUA. Mas os americanos estavam pagando caro pela redução no número de controladores de tráfego aéreo: voos atrasados no país inteiro. Isso foi torrou tanto a paciência dos consumidores, que o Congresso reuniu-se às pressas para aprovar a liberação de verbas extraordinárias para o departamento de controle de voos, com o voto amplo de democratas e republicanos.
E quer saber? É bom mesmo que falhas da gestão pública sejam imediatamente sentidas pela população. É educativo. Desde a crise de 2008, tornou-se moda dizer que a culpa de tudo foi o excesso de liberalismo, que teria eliminado regulações e reduzido demais o tamanho e as funções do Estado.
De fato, houve pouca regulação das atividades financeiras, mas especialmente nos EUA e em alguns países da Europa, como a Inglaterra.
Mas está claro que não se pode dizer que o sistema financeiro brasileiro foi em algum momento desregulamentado. Nem nos demais emergentes.
Quanto ao tamanho governo, vamos concordar, gente: só cresceu e isso no mundo todo, EUA incluídos, como se vê agora.
Obama, que tem o poder de ordenar os cortes, tem sido acusado pelos republicanos de criar caso de propósito. Estaria cortando recursos de serviços diretos ao público para dizer: estão vendo! tudo culpa desses republicanos que não querem aumentar impostos para os ricos!
E assim o debate tornou-se mais urgente, embora não menos fácil: o governo é grande, é preciso cortar gastos – quais? – e aumentar impostos – de quem?
A propósito, governos estaduais querem cobrar imposto ao consumidor nas vendas via Internet. Hoje, essas vendas só são taxadas quando o vendedor tem presença física no Estado. Logo, as grandes lojas de departamentos já recolhem o imposto e, claro, o colocam no preço. Já empresas médias e pequenas, instaladas em um único Estado, e que só vendem pela Internet, não recolhem nada e ganham uma vantagem.
Uma decisão antiga da Suprema Corte diz que essas empresas não têm como lidar com a legislação tributária de tantos estados. Mas agora os legisladores federais estão dizendo que modernos softwares podem fazer isso facilmente. Entende-se a cobiça: uma arrecadação de US$ 12 bi/ano.
Nasce assim o ICMS americano. Eu não disse que o governo sempre cresce? E da pior maneira…
12 de maio de 2013
Carlos Alberto Sardenberg
Fonte: O Globo
Voos desembarcavam passageiros do mundo todo. Pessoas se aglomeravam em filas apertadas, manifestavam surpresa.
Alguns brasileiros arriscavam a ironia: isso aqui está pior que Guarulhos, hein!? Pois deveriam estar contando com a confusão.
No começo da fila, um cartaz grande anunciava: “em razão dos cortes no orçamento federal, o departamento de imigração está trabalhando com menos funcionários do que o normal. Por favor, seja paciente e colabore com os agentes”.
Conversa daqui e dali – nessas filas em caracol , você vai criando um companheirismo de infortúnio, pois cruza várias vezes com as mesmas pessoas – e deu para saber que quase ninguém ali sabia o que estava acontecendo. Algumas pessoas nem haviam percebido o cartaz. Outras, sim, mas estavam longe de saber por que, afinal, havia os tais cortes no orçamento federal.
Sentiam na carne os efeitos de um impasse político em Washington, mas nem imaginavam que se tratava disso, de governo e política. Para resumir, portanto: o presidente Obama e os líderes republicanos, depois de anos de negociações, ainda não chegaram a um acordo de longo prazo para o necessário ajuste das contas públicas americanas, com déficits anuais e dívidas elevadas.
Como o orçamento federal tem se ser votado todo ano, há um impasse anual.
Em um desses momentos, os dois lados concordaram com um arranjo provisório e estabeleceram que, não havendo entendimento consistente um ano depois, entrariam em vigor cortes automáticos de gastos em toda a administração federal, além de aumentos de impostos.
É o que está acontecendo. Na flexível administração americana, a falta de verbas públicas produz resultados imediatos. Funcionários são demitidos ou, solução mais branda, mandados para casa, em licença não remunerada; obras e compras, de equipamentos militares, por exemplo, são eliminadas: e serviços tornam-se precários, como a imigração nos aeroportos.
O debate tornou-se mais urgente, embora não menos fácil: o governo é grande, é preciso cortar gastos — quais? — e aumentar impostos — de quem?
E quer saber? É bom mesmo que falhas da gestão pública sejam imediatamente sentidas pela população. É educativo. Desde a crise de 2008, tornou-se moda dizer que a culpa de tudo foi o excesso de liberalismo, que teria eliminado regulações e reduzido demais o tamanho e as funções do Estado.
De fato, houve pouca regulação das atividades financeiras, mas especialmente nos EUA e em alguns países da Europa, como a Inglaterra.
Mas está claro que não se pode dizer que o sistema financeiro brasileiro foi em algum momento desregulamentado. Nem nos demais emergentes.
Quanto ao tamanho governo, vamos concordar, gente: só cresceu e isso no mundo todo, EUA incluídos, como se vê agora.
Obama, que tem o poder de ordenar os cortes, tem sido acusado pelos republicanos de criar caso de propósito. Estaria cortando recursos de serviços diretos ao público para dizer: estão vendo! tudo culpa desses republicanos que não querem aumentar impostos para os ricos!
E assim o debate tornou-se mais urgente, embora não menos fácil: o governo é grande, é preciso cortar gastos – quais? – e aumentar impostos – de quem?
A propósito, governos estaduais querem cobrar imposto ao consumidor nas vendas via Internet. Hoje, essas vendas só são taxadas quando o vendedor tem presença física no Estado. Logo, as grandes lojas de departamentos já recolhem o imposto e, claro, o colocam no preço. Já empresas médias e pequenas, instaladas em um único Estado, e que só vendem pela Internet, não recolhem nada e ganham uma vantagem.
Uma decisão antiga da Suprema Corte diz que essas empresas não têm como lidar com a legislação tributária de tantos estados. Mas agora os legisladores federais estão dizendo que modernos softwares podem fazer isso facilmente. Entende-se a cobiça: uma arrecadação de US$ 12 bi/ano.
Nasce assim o ICMS americano. Eu não disse que o governo sempre cresce? E da pior maneira…
12 de maio de 2013
Carlos Alberto Sardenberg
Fonte: O Globo
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