"Poder de assessora vem de relação íntima com Lula"
Frequentemente
insinuada na cobertura dos jornais, a relação amorosa de Rosemary Nóvoa de
Noronha, ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo, com o
ex-presidente Lula finalmente foi escancarada em recente edição da "Folha de
S.Paulo":
"Poder de assessora
vem de relação íntima com Lula", cravou a chamada de primeira
página.
O jornalismo
brasileiro, ao contrário da imprensa americana, por exemplo, tende a preservar a
intimidade dos homens públicos. As escapulidas dos ex-presidentes Juscelino
Kubitschek e João Figueiredo, conhecidas e comentadas nas rodas de jornalistas,
nunca migraram para as manchetes dos jornais.
O mesmo se pode dizer
do comportamento da imprensa com Fernando Henrique Cardoso. FHC teve um filho
fora do casamento. A mídia, embora ciente do fato, preservou a privacidade do
ex-presidente. O episódio foi revelado pela "Folha de S.Paulo" quando ele, já
viúvo e ex-presidente, reconheceu o filho.
Os episódios, todos,
poderiam ser "interessantes" para o público (despertavam curiosidade), mas não
eram de interesse público legítimo.
Não estava em jogo dinheiro
público.
O caso Lula, no
entanto, é bem diferente. Segundo a Policia Federal, Rose conseguiu, entre
outras coisas, colocar, em postos estratégicos do governo, amigos corruptos, que
vendiam pareceres jurídicos favoráveis a empresários. Lula, ainda presidente da
República, prestou - mesmo que não soubesse disso - favores à quadrilha
apadrinhada por Rose.
Por sua influência,
indicou os irmãos Paulo Vieira e Rubens Vieira para a direção, respectivamente,
da ANA e da Anac. Os irmãos Vieira, ligados a gente do governo, passaram a
vender facilidades a empresários que dependiam de decisões de
Brasília.
Rose, gabando-se de
sua relação intima com Lula, tinha influência no Banco do Brasil. Trabalhou pela
escolha do atual presidente do BB, Aldemir Bendine, e indicou diretores da
instituição.
Como foi possível que
Rose, uma antiga secretária do PT, acumulasse tanto poder, a ponto de
influenciar em setores nevrálgicos do governo? Tudo isso, rigorosamente de
interesse social, só ganhou dimensão pública graças ao trabalho da
imprensa.
Só isso, e não é
pouco, já justificaria a invasão da privacidade do ex-presidente Lula. A defesa
do direito à intimidade não pode ser usada para impedir a investigação e
revelação pela imprensa de informações de evidente interesse
público.
O direito à
privacidade não pode ser jamais um escudo protetor.
Homens públicos
invocam o direito à privacidade como forma de fugir da investigação da mídia.
Entendo que o direito à privacidade não é intocável. Pode cessar quando a ação
praticada tem transcendência pública. Os aspectos da vida privada que possam
afetar o interesse público não devem ser omitidos em nome do direito à
privacidade.
Não pode existir uma
separação esquizofrênica entre vida privada e vida pública. Há atitudes na vida
privada que prenunciam comportamentos na vida pública. E o leitor e o eleitor
tem o direito de conhecê-las. Se assim não fosse, tudo o que teríamos para ler
na imprensa seriam amontoados de declarações emitidas pelas fontes
interessadas.
E há informações da
vida privada - e o caso Rose-Lula é emblemático - que revelam inequívoca mistura
entre o público e privado. A imprensa tem, então, não só o direito, mas o dever
de invadir a vida privada do homem público. É uma clara questão de interesse da
sociedade.
Carlos Alberto Di Franco O Globo
Carlos Alberto Di Franco O Globo
10 de dezembro de 2012
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