Gravações revelam evidências de que Gim Argello, líder do PTB no Senado, era quem chefiava o esquema de fraudes em bolsas de pesquisas no governo de Brasília
Uma investigação do Ministério Público do Distrito Federal e da Polícia Civil do DF sobre fraudes na concessão de bolsas de pesquisas pela Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP), vinculada ao governo de Brasília e controlada pelo PTB até o ano passado, revela evidências de que o senador Gim Argello, líder do partido no Senado, era o mandante do esquema. A descoberta está em escutas telefônicas, feitas com autorização judicial e obtidas por ÉPOCA, nas quais funcionários da fundação, a maioria dirigentes do PTB, detalham as fraudes – e o patrocínio político de Gim para que elas pudessem acontecer.
Um dos diálogos mais reveladores transcorreu no dia 26 de outubro do ano passado (ouça o áudio). Nele, Gustavo Tamm, um ex-funcionário da FAP e dirigente da executiva nacional do PTB, afirma a um interlocutor de nome Adriano: “Não dá para esconder aquele esquema ali...Onde é que houve uma coisa de diferente ali? Na seleção. Quem selecionou foi a Vera, a mando do Renato, do senador (ver documento abaixo)”. Segundo investigadores, "Vera" é Vera Moreira, funcionária da FAP, "Renato" é Renato Rezende, então presidente da fundação, também filiado ao PTB, e "senador" é ele mesmo: Gim Argello.
Como funcionava o esquema? Funcionários da FAP alertavam os escolhidos pelo PTB sobre as bolsas de pesquisa voltadas à Copa do Mundo de 2014, destinadas à elaboração de um banco de dados com as melhores empresas de Brasília para atender aos turistas no próximo ano. As bolsas renderiam entre R$ 2,5 mil e R$ 6 mil por mês. Os apaniguados do PTB orientavam os apadrinhados a montar os projetos de pesquisa de acordo com as especificações do edital. Depois, era só esperar a nomeação. A fraude foi confirmada após a Polícia Civil encontrar uma planilha em que apareciam os nomes dos beneficiados e as iniciais de seus padrinhos (ver documento). De acordo com a Polícia Civil, quem mais indicou - nove nomeações no total - foi o principal pupilo de Gim Argello na política brasiliense: o deputado distrital Cristiano Araújo. O partido? PTB. Duas testemunhas disseram à polícia que a seleção era um “processo de carta marcada”.
Procurada pela reportagem de ÉPOCA, a estudante de Direito Tatielly Valadares, umas das beneficiadas com a bolsa e indicada por Cristiano Araújo, segundo a polícia, disse que Renato Rezende a orientou a participar do processo de seleção após ter perguntado a Renato se sabia de alguma oportunidade de emprego. Tatielly disse à ÉPOCA que chegou a frequentar a FAP por dois meses. Perguntada sobre qual era o objeto da sua pesquisa, afirmou: “agora não me lembro. Era tanta correria. Deu um bloqueio tão grande de tudo o que aconteceu”. A estudante de enfermagem Thálita Oliveira também foi contemplada, de acordo com a Polícia Civil, por ser ex-mulher de um agente penitenciário filiado ao PTB.
Os contemplados pelas bolsas de pesquisa só não receberam o dinheiro porque Renato fora afastado do cargo no final de setembro após envolvimento em outra falcatrua: aliás, ele e outros petebistas chegaram a ser presos no final de 2012. A saída de Renato da FAP e a consequente demora em pagar os bolsistas trouxe preocupação à turma de Gim Argello. Eles temiam que a crise desembarcasse no Senado a partir do momento em que os bolsistas acionassem a Justiça para reivindicar os valores da bolsas.
Afastado da direção da FAP, Renato procurou a ajuda de Gim Argello para arranjar outro emprego. Em conversa interceptada pela polícia, no dia 25 de setembro do ano passado, entre ele e um aliado antigo de Argello, Renato afirma merecer uma nova oportunidade por ter poupado o grupo (ver documento abaixo). “Esse negócio ficou caro pra mim. Porque porra, não impliquei ninguém, só a mim mesmo. Tava fazendo tudo para ter um capital político pro grupo”, afirmou.
Outra interceptação, no mesmo dia, dá conta de que Argello receberia Renato no dia seguinte em seu gabinete no Senado para resolver o futuro profissional do aliado. No cardápio, duas opções para Renato. Um cargo na Petrobrás ou uma vaga no BRB, banco estatal do governo de Brasília. Sobre a possibilidade de um emprego na Petrobrás, Renato ficou entusiasmado: “Isso aí é filé demais”. Perguntado por ÉPOCA se havia visitado o gabinete de Argello, Renato afirmou: “Depois que saí da fundação eu estive com ele (Gim) no gabinete. Fui prestar contas. Fui dar um abraço nele. Dizer até logo e agradecer pela oportunidade”, disse. “Ele (Gim) disse que eu trabalhei para o partido, mostrei eficiência e tal. Queria saber se o partido precisasse contar comigo se eu estaria à disposição”. Em outra gravação, interceptada no dia 11 de outubro do ano passado, Renato conversa com Gustavo Tamm (aquele que afirmou que a seleção era feita a mando do senador). Renato diz ter ido ao gabinete do senador. Segue transcrição do diálogo feito pela polícia (ver documento abaixo): “Renato diz que o senador Gim falou que Renato é do partido e que vai tentar colocá-lo no governo federal”. Renato afirmou a ÉPOCA que trabalha atualmente em uma empresa de sua família.
Há um mês a Polícia Civil indiciou 10 pessoas pelos crimes de formação de quadrilha e fraude em licitação e encaminhou o relatório final da investigação para a Justiça de Brasília. No documento, os investigadores solicitam autorização para indiciar o deputado distrital Cristiano Araújo. A Justiça remeteu a documentação ao Ministério Público do Distrito Federal, que deverá apresentar uma denúncia contra os investigados. ÉPOCA apurou que Cristiano Araújo será chamado a prestar esclarecimentos à polícia. O MP poderá, ainda, se manifestar sobre o envolvimento do senador Gim Argello com a fraude. Se os procuradores entenderem que Gim fazia parte do esquema, poderão encaminhar o inquérito para a Procuradoria Geral da República (PGR). Isso porque Gim tem a prerrogativa de responder a processos no Supremo Tribunal Federal, uma vez que é senador.
Procurados por ÉPOCA, Gim Argello, Cristiano Araújo e Renato Rezende negaram participação na fraude. Gim disse ainda: “Não autorizei ninguém a falar em meu nome”. O senador afirmou ter recebido Renato Rezende em seu gabinete, mas nega ter ajudado Renato a arranjar emprego. Gim Argello nega também contar com cargos na Petrobrás ou no BRB.
Transcrição do áudio do dia 26 de outubro
Transcrição do áudio do dia 25 de setembro
Transcrição de áudio do dia 11 de outubro:
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