“Prendo a respiração, tento puxar o ar pela boca, mas o cheiro dos cadáveres em decomposição invade todos os meus sentidos. Volto alguns passos, penso em não olhar. Mas, como jornalista, sinto o dever de escancarar a realidade crua. Na escola, há pelo menos dez corpos insepultos, na quadra de futebol, ao sol. Pobreza, porcos misturados a pães, arroz e bananas e trânsito confuso sempre fizeram parte do dia a dia dos haitianos. Até o cheiro forte da comida temperada e exótica é antigo conhecido dos brasileiros. A diferença, agora, é que tudo isso está misturado ao cheiro de morte. Assim é o Haiti. Homens e mulheres que podem sofrer tragédias violentas uma ou duas vezes, ou até três — e depois sofrer ainda mais.”
O relato em primeira pessoa do jornalista Rodrigo Lopes, repórter multimídia e correspondente internacional do Grupo RBS, mostra a garra da reportagem de qualidade.
A adrenalina da guerra, o infindável sofrimento de povos castigados pela força misteriosa da natureza, o registro de momentos de admirável grandeza moral, um impressionante mosaico do drama humano, batem forte no leitor. O texto está despido de sensacionalismo, mas está carregado de paixão.
E o que seria do jornalismo se faltasse o fascínio do repórter por seu ofício?
Rodrigo Lopes, um jornalista jovem e tarimbado, não é um espectador neutro da história. Ainda bem. Derramou lágrimas. Manifestou indignação. Vibrou com fagulhas da vida humana. “Guerras e tormentas” (Edições Besouro Box) é um mergulho do repórter nos principais acontecimentos deste início de século. Vale a pena.
Ninguém resiste à magia da reportagem. Os jornais, prisioneiros das regras ditadas pelo marketing, estão parecidos, previsíveis e, consequentemente, chatos. Precisam, com urgência, recuperar a capacidade de surpreender e emocionar o leitor. Precisam contar boas histórias. É simples assim. E é isso o que o leitor quer.
A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas das empresas de comunicação. É preciso seduzir o leitor com matérias que rompam com a monotonia do jornalismo declaratório. Menos Brasília e mais vida. Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais consistência.
Além disso, os leitores estão cansados do baixo-astral da imprensa brasileira. A ótica jornalística é, e deve ser, fiscalizadora. Mas é preciso reservar espaço para a boa notícia, para o empreendedorismo, para a inovação. Tem muita coisa interessante acontecendo.
A boa notícia também vende jornal.
Inúmeras foram as reflexões suscitadas pelo excelente texto do repórter Rodrigo Lopes. O leitor, em qualquer plataforma, evita os produtos sem alma. Não quer um jornalismo insosso. Recusa as tentativas de engamento ideológico. Quer matérias interessantes, pautas próprias. Quer menos burocracia e mais criatividade. Quer menos jornalismo de registro e mais reportagem de qualidade. Quer um jornalismo rigoroso, isento, mas produzido com paixão.
08 de julho de 2013
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais
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