Para presidente da SBMFC, é questionável medida do governo. Entidade exige processo de certificação para estrangeiros
O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), Nulvio Lermen Junior, disse nesta segunda-feira que é duvidosa a medida do governo — que será adotada a partir de 2015 — de obrigar recém-formados em Medicina a trabalhar no Sistema Único de Saúde (SUS) por dois anos para obter diploma. Para ele, o SUS precisa de profissionais já qualificados. A SBMFC representa os médicos que prestam serviços de Atenção Primária em Saúde, como o Programa de Saúde da Família (PSF).
Nulvio Lermen Junior reconhece a necessidade de prover médicos em algumas regiões brasileiras, como o Norte e o Nordeste. Segundo Lermen, que também é coordenador da residência em Medicina de Família e Comunidade do município do Rio de Janeiro, o problema que causa a carência de médicos nas periferias das grandes cidades e no interior do país é multifatorial.
— O governo tem que melhorar a infraestrutura, criar um plano de carreira adequado, oferecer condições de vida apropriadas para os profissionais e para a família e, claro, com salário condizente, que não precisa ser muito diferente das outras regiões. Não adianta atender a só um desses itens. Do contrário, a pessoa pode até ir se aventurar, mas acabar logo desistindo. Não há alguém que aguente viver por muito tempo sem esses fatores envolvidos — declarou Lermen.
A SBMFC não enxerga restrições na contratação de médicos estrangeiros. No entanto, o presidente da entidade defende a aplicação de um exame de validação do profissional estrangeiro para que este possa atuar no país, de forma que garanta a saúde do paciente. Lermen acredita que essa importação de médicos pode ajudar a sanar o déficit existente nesses locais, mas considera que muitos brasileiros poderiam se interessar por essas vagas se o emprego apresentasse melhores condições.
Segundo Nulvio Lermen Junior, profissionais de organizações que realizam trabalhos de cunho social em lugares tão longe, como os Médicos Sem Fronteira, não seriam suficientes para a demanda. Além disso, para Lermen, é pessoal a explicação sobre por que esses médicos escolhem se dedicar a outros países para ações humanitárias ao invés do Brasil.
— Eles se fixariam nesses lugares sem problema algum, mas sabemos que são poucos médicos que se propõem a trabalhar nessas condições e são poucos os médicos dispostos a sair para missões, que são de curta duração. A proposta do governo não é esta, mas sim de um ano, dois anos ou mais. Ações como Médicos Sem Fronteira não seriam a resposta para o problema que o governo quer enfrentar — afirmou Lermen.
Na cidade do Rio de Janeiro, Nulvio Lermen Junior conta que o principal motivo que desestimula a categoria é a violência. Ele relata que médicos já não veem com tanto receio a atuação em comunidades, desde que estas estejam pacificadas. Lermen cita o Complexo da Maré como um dos locais onde faltam profissionais.
08 de julho de 2013
LARISSA FERRAR - O GLOBO
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Estudante de medicina terá que trabalhar dois anos no SUS para obter diploma
Norma vale para estudantes que ingressarem em 2015. MP editada pela presidente Dilma prevê a contração de médicos para regiões onde há carência de profissionais
Os estudantes de medicina que começarem o curso em 2015 terão que trabalhar por dois anos no Sistema Único de Saúde (SUS) como requisito necessário para ter o diploma. A medida valerá para todas as escolas de medicina públicas e privadas do país, mas ainda vai demorar a ter resultados. Os estudantes vão começar esse segundo ciclo da formação apenas em 2021, quando tiverem passado pelos seis anos do primeiro ciclo de formação. O governo federal lançou nesta segunda-feira o programa “Mais Médicos para o Brasil”.
A norma faz parte da medida provisória (MP) editada nesta segunda-feira pela presidente Dilma Rousseff com ações voltadas para a saúde pública. Entre elas estão as regras para o programa "Mais Médicos". O programa prevê o preenchimento das vagas na atenção básica à saúde nas regiões onde há carência desses profissionais. Será dada prioridade aos médicos com registro no Brasil, que deverão começar suas atividades em 2 de setembro. As vagas que sobrarem vão primeiramente para os brasileiros formado no exterior e, por fim, para os médicos estrangeiros. Estes devem começar a trabalhar em 18 de setembro. O número de vagas ainda não foi fechado e vai depender da demanda.
Durante a cerimônia de lançamento do programa, o ministro da Educação, Aloízio Mercadante, defendeu a medida de importar médicos, ao comparar os dados de pessoas que se formam nos cursos no país com o de outros países e principalmente com o total de médicos em comparação à população.
— Por dez mil habitantes, o Brasil tem um número de estudantes muito baixo. Menos que os Estados Unidos e a Inglaterra, abaixo da Austrália e similar ao do Canadá, que importa médicos.
O ministro afirmou que o objetivo é aumentar o número de vagas nos cursos de medicina, principalmente em residência, e descentralizar os locais que oferecem as vagas. Mas ele ressaltou que essa política irá demorar para trazer resultados.
— Cada matricula dessa, o médico só vai ficar formado em seis a oito anos. Mas isso vai resolver o problema de oferta a partir de 2022. E em 2019 teremos os primeiros médicos formados — afirmou.
— Não não queremos simplesmente formar médicos. Nós queremos formar bons médicos para o país — disse.
Mercadante destacou ainda que os médicos estrangeiros que vierem ao país terão de fazer o exame de revalidação do diploma, o Revalida:
— Não queremos barreira artificial ,queremos que venham para o Brasil todos os médicos que quiserem. Mas eles vão ter de ter a mesma qualidade dos brasileiros — disse Mercadante, que defendeu que tenha “equilíbrio” a medida.
Conselho terá 180 dias para regulamentação
Hoje, o curso de medicina prevê quatro anos de formação teórica e dois de estágio obrigatório em regime de internato, totalizando seis anos. A partir de 2015, os alunos de medicina continuarão a fazer um curso de seis anos, mas depois disso passarão um ano no serviço de atenção básica do SUS, e depois mais um ano nos serviços de urgência e emergência, como por exemplo o Samu. O Conselho Nacional de Educação (CNE) terá um período 180 dias para regulamentar esse segundo ciclo do curso.
O discurso oficial é de que a medida vai melhorar a formação do médico brasileiro, num modelo copiado do britânico e do sueco. Mas, na prática, também permitirá um afluxo maior de profissionais ao SUS, com cerca de 20 mil médicos em 2021 e o dobro disso em 2022. Dados do Ministério da Saúde mostram que 80% dos problemas de saúde podem ser resolvidos pelo serviço de atenção básica.
Diferentemente da residência, em que o médico se especializa, os dois anos no SUS serão voltados à atenção básica, e permitirão uma formação mais generalista. Nesse período, ele vai ser remunerado. O valor ainda não foi definido, mas ficará entre a bolsa de residência (hoje em R$ 2.976,26) e a bolsa do Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), que visa levar médicos recém-formados para trabalhar nas regiões mais carentes (hoje em R$ 8 mil).
Depois dos seis anos iniciais, o estudante poderá obter uma inscrição provisória no Conselho Regional de Medicina (CRM), o que permitirá que ele continue sendo fiscalizado e, eventualmente, penalizado por erros médicos que venha a cometer. Com o tempo, poderá haver um redução dos seis anos do primeiro ciclo para apenas cinco. Os dois anos adicionais poderão ser aproveitados para abater um ano do curso de residência, caso ele opte por uma especialização do ramo da atenção básica.
08 de julho de 2013
André de Souza - O Globo
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