O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu alcançar "a qualquer custo" um superávit primário de R$ 110 bilhões, equivalente, segundo a estimativa oficial, a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Para fixar esse objetivo, o governo descontou da meta original, de 3,1%, as desonerações fiscais previstas para o ano e os valores destinados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Promessas como essa vêm sendo repetidas periodicamente pelo ministro, mas desta vez a ênfase é maior, porque a presidente Dilma Rousseff, pressionada por todos os lados, resolveu propor a governadores e prefeitos um pacto de responsabilidade fiscal - na prática, uma promessa coletiva de seriedade no uso do dinheiro público.
O governo federal deve dar o exemplo e, por isso, até o secretário do Tesouro, Arno Augustin, deixou de lado a conversa a respeito de política anticíclica e passou a defender o cumprimento da meta.
Até junho, ele defendia uma orientação bem diferente: o governo deveria condicionar o superávit primário - o dinheiro separado para o pagamento de juros - à evolução do ciclo econômico, elevando a meta em fases de prosperidade e gastando mais em tempos difíceis para estimular a atividade. Essa política tem sido usada em países governados com mais seriedade. Sem esse requisito, como no caso brasileiro, a política só funciona no sentido da gastança.
"Nossa definição, hoje, é perseguir a meta fiscal de 2,3% do PIB", disse o secretário ao Estado. Essa decisão resultou, segundo ele, de uma avaliação da alta de preços e da situação econômica. "Nossa meta fiscal será atingida com segurança", acrescentou, "e, se for preciso, vamos compensar o esforço de Estados e municípios."
Esse discurso deve soar estranho para quem preza a coerência. A inflação é alta há muito tempo e já havia estourado o limite de tolerância. A economia continua em estado precário, como nos dois anos anteriores, e deverá, segundo avaliações correntes, crescer pouco mais que em 2012. Então, como entender essa nova conversa?
O governo demorou de forma escandalosa a reconhecer o descalabro econômico, mas, ainda assim, só depois das manifestações de rua a presidente reagiu e propôs, ao mesmo tempo, um plebiscito extemporâneo e um compromisso geral de seriedade. Só isso explica o novo discurso do secretário do Tesouro, conhecido internacionalmente pela contabilidade criativa usada no fechamento das contas públicas.
Sua proximidade com a presidente certamente lhe permitiu, até há pouco, falar da meta fiscal como objetivo subordinado, defender a gastança e usar a criatividade para ajeitar os números finais, como no ano passado.
A criatividade continuará em uso neste ano. O ministro da Fazenda promete cortar pouco menos de R$ 15 bilhões dos gastos de custeio. O governo deve anunciar os detalhes em alguns dias. Talvez seja apenas mais um contingenciamento. Talvez seja um corte definitivo. Mas o Tesouro deve receber R$ 15 bilhões no leilão do Campo de Libra, no pré-sal, marcado para outubro. Uma receita eventual será usada, portanto, para a obtenção do superávit primário prometido.
O governo continuará, além disso, recorrendo a dividendos de estatais, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para reforçar o caixa. A novidade, neste ano, é a alteração de uma regra: o banco poderá distribuir dividendos antes da formação de reservas. Augustin nega, no entanto, qualquer aumento resultante da mudança no estatuto. Então, para que facilitar a transferência de dividendos?
Depois de 20 pacotes de estímulo, principalmente ao consumo, a presidente Dilma Rousseff completou dois anos e meio de mandato com a economia em marcha lenta, pouco investimento, piora das contas externas, inflação alta e contas públicas em mau estado.
Deixou-se de recolher um monte de impostos, e ainda se deixará, em troca de resultados abaixo de pífios. Foi uma combinação de mau diagnóstico e teimosia. Diante da insistência na criatividade contábil, é difícil levar a sério o novo discurso. Erros graves e teimosia permanecem.
08 de julho de 2013
Editorial do Estadão
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