"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 11 de julho de 2013

"REFORMAS NAS MÃOS DOS CORRUPTOS"

Quando era criança, ouvia seguidamente uma frase de minha avó, filha de italianos, quando as coisas não andavam bem:
 
"Piove, governo ladro", resmungava a afável dona Josefa.
 
Eu achava graça no fato de minha avó culpar o governo (leia-se, os políticos) supostamente ladrão até pela chuva.
 
Não acho mais, agora que verifico que oito de cada dez brasileiros têm a mesma opinião de dona Josefa sobre os políticos em geral. É o que mostra o Barômetro 2013 da Transparência Internacional.
 
Para 81% dos brasileiros consultados, os partidos políticos são corruptos. A nota para os partidos é de 4,3, quando 5 é o sinal de que são "extremamente corruptos". Os parlamentos, compostos necessariamente por políticos, não se saem melhor, como é óbvio: são corruptos para 72% e ficam com nota 4,1.
 
É nas mãos dessa gente que acabou ficando a reforma política depois que a presidente Dilma Rousseff desistiu, a jato, de um processo constituinte exclusivo. Se o grito das ruas, ainda que implicitamente, era por "novas formas de atuação dos poderes do Estado, em todos os níveis federativos", como disse a presidente, então as ruas perderam.
 
É quase impossível que instituições tão desprestigiadas quanto os partidos e os parlamentos encampem "novas formas de atuação".
 
Até porque o Barômetro-2013 é um feio retrato de todas as instituições públicas brasileiras, exceto os militares, apontados como corruptos pela menor porcentagem dos pesquisados (30%).
 
Sorte nossa que a rua brasileira, bem ao contrário da egípcia, não pediu um golpe militar, instrumento que torço para que esteja definitivamente enterrado.
 
A polícia é vista como corrupta por 70% dos entrevistados, e mesmo o Judiciário não escapa de um resultado ruim (50%).
 
Corruptos para menos da metade dos consultados são apenas as Organizações Não Governamentais, a mídia, as entidades religiosas, os homens de negócio e o sistema educacional. Ah, os serviços de medicina e saúde, outro ponto da agenda agora, são corruptos para 55%.
 
É natural que, no conjunto, o Brasil seja percebido, este ano, como muito ou um pouco mais corrupto que no ano anterior por 47% dos entrevistados, enquanto outros 35% acham que o país ficou na mesma, ou seja, com idêntico --e elevado-- teor de corrupção de 2012.
 
A pesquisa põe números científicos na crise da democracia representativa, tema de 11 de cada 10 comentários recentes, a partir do momento em que as ruas promoveram cenas explícitas e maciças de desconfiança nas instituições.
 
Não é um problema só brasileiro, o que já foi dito neste espaço uma e mil vezes. O relatório diz:
 
"No mundo todo, os partidos políticos, a força dirigente das democracias, são percebidos como as instituições mais corruptas".
 
É um cenário dramático porque, pelo menos no Brasil, as chances de que os partidos se reinventem tendem a zero. O que só reforça a necessidade de buscar formas alternativas de participação popular no jogo político-administrativo.

11 de julho de 2013
Clóvis Rossi, Folha de São Paulo

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