Uma coisa é levantar a poeira no deserto iraquiano com suas brigadas blindadas e de infantaria mecanizadas, ninguém segura Tio Sam e seus asseclas europeus da OTAN quando os horizontes são planos, largos e bem definidos. Essa plêiade de “soldados universais”, entretanto, se o terreno muda de figura, come o pão que o diabo amassou quando tem que mostrar o seu valor nos emaranhados da selva ou nos labirintos das montanhas.
Os coturnos podem molhar! Este detalhe, podem crer os leigos no assunto, já faz uma grande diferença, e como faz frio naquelas regiões inóspitas. Que se pronunciem as cadeias montanhosas que circundam a periferia do Iran e o clima que, no verão, alcança máximas de 50º e, no inverno, mínimas de 0º.
No Afeganistão, as montanhas do país limitaram o “controle” das tropas da coalizão às estradas e aos centros urbanos.
Quanto ao seu interior, que não é campo mas montanha, nem com elementos helitransportados se está logrando dominar o “taliban”, um guerrilheiro ciclópico que sempre saiu vencedor, fossem seus inimigos os ingleses, russos e agora o bando humanitário/civilizador da todo-poderosa e maquiavélica “turma atlântica”.
Mas, e o Iran, como se apresentará o seu relevo face à “santa aliança vigilante de suas prerrogativas nucleares”? Não vai ser fácil! Aquele país se ergue eminentemente acidentado, com 90% do seu território situado em um planalto e mais do que a sua metade coberta por montanhas.
Alguém poderá dizer que os exércitos disciplinadores do ocidente possuem tropas especializadas em guerra de montanha: as unidades alpinas da “UE” e os montanheses da famosa 10ª Divisão de Montanha (veterana da campanha da Itália junto com a “FEB”). E daí? Todas se fazem presentes no Afeganistão e não disseram ainda ao que vieram naqueles cantões de altitudes pronunciadas.
Para que se tenha uma idéia, enquanto a altitude de Bagdá não chega a 40 metros, a de Teheran varia entre 1200 e 1700 metros, a segunda com população superior ao dobro da primeira, com todas as implicações que este fator possa favorecer ou não ao estabelecimento de uma “área verde”, à semelhança e com a mesma finalidade da estabelecida pelos EUA na capital iraquiana.
Resta saber o preço que, acha, pode pagar a “gang da OTAN” liderada pelos EUA para lograr o desmanche do programa nuclear iraniano. Uma intervenção no molde das perpetradas contra o Afeganistão e Iraque, em princípio, poderá causar um prejuízo desproporcional em termos de perdas de vidas humanas, isto sem falar no posicionamento contrário que podem assumir a Rússia e a China no caso da adoção desta linha de ação.
Uma operação aérea, como a perpetrada contra a Líbia, também pode causar mossas irrecorríveis com aquelas potências, haja vista a posição que as mesmas tomaram quando se aventou da possibilidade de retaliar o governo da Síria com seus “bombardeios cirúrgicos”, uma “lengalenga” de proteção dos direitos humanos que não assegura nada para mulheres e crianças debaixo de seus tetos.
Quanto ao Iran, o país, com população superior às somas das suas correspondentes afegã e iraquiana, com 40% desta concentrada no seu interior acidentado, tem condições plenas de submeter eventuais invasores a uma guerra de resistência de mesmo nível das perdidas pelos franceses, na Indochina e na Argélia, e pelos americanos, no sudeste asiático.
Os exércitos civilizados humanitários, é de se apostar, não vão querer entrar nesta fria e, fatalmente, vão ser preteridos pela guerra aérea. Conclusão: pobre do Iran. Ou ele faz logo a experimentação de seus meios nucleares e dissuade de vez seus inimigos, como o fez a Coréia do Norte, ou fica apostando no veto dos “bandidos orientais” aos devaneios belicistas da “gang de Tio Sam”.
Alguma rebarba desta situação para o Brasil? Seria de se enfatizar apenas aquele ditado repetitivo dos romanos, mas que não sai de moda, uma verdade pétrea da qual não se pode fugir: - “si vis pacem para bellum”. Que não se duvide, uma 6ª potência econômica mundial não se garante apenas com a diplomacia ou apostando nos vetos, nem da “gang de Tio Sam” nem dos “bandidos do oriente”. Atenção! As amazônias verde e azul estão nos planos de igual modo, sem nenhuma diferença, destas duas quadrilhas de potências militares.
27 de janeiro de 2012
Paulo Ricardo da Rocha Paiva é Coronel de Infantaria e Estado-Maior.
Originalmente publicado no “Correio Braziliense” em 23 de janeiro de 2012
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"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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