"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

HISTÓRIAS DO SEBASTIÃO NERY

Primeiro, consultar o SNI

“Para preencher cargos-chave do governo, havia norma de consultar o SNI, para saber os antecedentes da pessoa. Logo que entrei no ministério (Indústria e Comércio, governo Castelo), Golbery me explicou:

– A diferença entre um informe e uma informação é a seguinte: o informe é “ouvi dizer”, é para ser verificado, é um primeiro boato. A informação é um fato que está comprovado. Quando você receber uma informação com um visto meu, é para cumprir.

Um dia recebi uma informação com o visto do Golbery, dizendo que um alto funcionário do Ministério era um pederasta que mantinha relações com contínuos no gabinete dele. Ele pedia que eu o demitisse. Comecei a levantar a vida do tal rapaz. Como não constatei nada, não assinei nenhum decreto. Golbery me cobrou. Expliquei a ele:

– Ministro, lamento mas não constatei as informações.

– Paulo, eu não disse a você que uma informação com o meu visto era para ser cumprida?

– O senhor disse, mas acontece que caberia a mim a responsabilidade de exonerá-lo. Não constatei, não cumpri.

– Mas isso é muito grave. Precisa ser cumprido.

– Então ponha outro ministro no meu lugar, porque não vou cumprir.

Na saída de uma outra reunião, ele me deu um tapinha nas costas:

– Paulo, você se lembra daquele caso? Você tinha razão. Era um homônimo. Assunto encerrado”.

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CASTELO

Outra história. “Castelo tinha assinado um decreto, publicado no Diário Oficial, proibindo o aumento de salário dos procuradores públicos. Leônidas Borio, considerando o IBC (Instituto Brasileiro do Café) uma autarquia, concedeu um aumento aos procuradores do Instituto. O presidente interpelou Borio diretamente:

– O senhor não comunicou ao seu ministro. Como explica isso?

– Sou presidente de uma autarquia e considero que cabe a mim.

– O senhor não está entendendo a política de meu governo. Não está entendendo coisa alguma. Vai ter que revogar isso de qualquer maneira.

O presidente bateu na mesa, ficou transtornado. Foi uma cena muito desagradável. Inclusive ele perdeu o fôlego, respirava com dificuldade. Até me passou pela cabeça que ele poderia ter um problema físico ali na hora. Borio recuou, foi até o fim do governo como presidente do IBC”.

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“INGÊNUOS”

Como essas, há dezenas de outras histórias no surpreendente livro “Paulo Egydio Conta”. É sobretudo um espetáculo de ingenuidade:

1. – Pág. 185: “Não estávamos preparados para o que veio depois. Tenho que reconhecer que nós, civis, fomos completamente ingênuos (em 64). Não tínhamos noção de que havia grupos dentro do Exército que já planejavam ter o domínio do País, num regime militar, por mais tempo”.

2. – Pág. 188: “Foi uma surpresa a maneira como nós, civis, fomos tratados. Dias depois do desenlace da Revolução, sentimos que o nosso papel tinha acabado. Passamos a ser totalmente esquecidos, alijados”.

3. – Pág. 322: “Eu queria manter a liberdade. Pela minha falta de conhecimento dos militares, participei de um governo ditatorial. Jamais participaria de outro, em hipótese alguma, custasse o preço que custasse”.

4. – Pág. 476 : “Os militares tornaram o movimento ditatorial. Eu queria a volta à democracia. Eu me sentia ludibriado pelos militares”

5. – Pág. 502 “Esforçar-me na campanha (da Arena, em 1974) era reforçar a idéia de um regime democrático dentro de um Estado ditatorial”.

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ERROS

É um livro do Cpdoc – Fundação Getulio Vargas, patrocinado pelo Banco Itaú, e tem uma série de pequenos erros, por isso incompreensíveis:

1. – Págs. 73 e 75: “Era a época do ministro Clemente Mariani (da Educação (Dutra, 46 a 50)), cujo chefe de gabinete era Prisco Viana” (sic). Errado. Era Prisco Paraíso. Prisco Viana foi secretário de Imprensa do governador Luis Viana Filho (67 a 70), deputado e ministro de Sarney.

2. – Pág. 163 (nota 72): “Nas eleições de 60, concorreram as chapas de Jânio Quadros – Milton Campos (PTN/UDN), Lott – Jango (PSD/PTB), Ademar de Barros – Fernando Ferrari (PSP/MTR) (sic). Errado. O vice de Ademar foi Danton Coelho. Ferrari concorreu sozinho.

3. – Pág. 221 (nota 106): “Em 13 de dezembro de 68 (no AI-5), o Congresso entrou em recesso e dele só saiu em 25 de outubro de 69, para a eleição de Costa e Silva” (sic). Errado. Foi para a eleição de Médici. O AI-5 foi de Costa e Silva.

4. – Pág. 328 : – “Até que veio o AI-5. Um jantar no Jockey Club com Armando Falcão (sic) me deixou numa posição desconfortável”. Errado. Armando Falcão foi ministro da Justiça de JK e Geisel. O jantar dos “maus momentos” foi com Alfredo Buzaid, ministro da Justiça de Médici, que substituiu Gama e Silva, ministro de Costa e Silva.

Sebastião Nery
30 de janeiro de 2012

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