Leio nos jornais que a crise na Europa e Estados Unidos poderá ser tema de redação na segunda fase da Fuvest. Se aluno fosse, eu responderia com um solene “vai pra pqtp”. Se nem economistas e jornalistas da área conseguem entender a tal de crise, como pedir isto a um jovem que certamente nem conhece a Europa? O máximo que ele poderá fazer é repetir as bobagens que os jornais escrevem sobre a crise.
Nada entendo de economia. Mas viajo bastante e comparar é algo que está ao alcance de qualquer mortal. Em 2010, decidi visitar a Irlanda. Não vai – me diziam amigas – o país está em crise. Fui, vi e voltei. Em Dublim, vi ruas cheias de gentes, felizes e bem vestidas, consumindo nos cafés, restaurantes e lojas. Se tentava entrar em um pub, às cinco da tarde, tinha de empurrar a multidão com os ombros. Bati pernas pela cidade toda e só vi um mendigo. Sentou-se na rua, longe de qualquer abrigo, recebendo toda a neve que caía no corpo. Queria comover. Se isto é crise, bem-vinda seja ao Brasil.
A França é a bola da vez, dizia-me um bom amigo em Paris. Será? Estive em Paris há dois meses e não vi sinal algum de pobreza iminente por lá. Fala-se em crise na Espanha. Tente entrar em um restaurante reputado à las dos del mediodía, como dizem os madrilenhos. Está regurgitando de gente e você ainda arrisca fila de espera. Não são turistas que lá estão celebrando a bona-xira. Mas espanhóis.
Não ousaria emitir qualquer palpite sobre a Grécia, não vou lá há mais de dez anos. Mas duvido que os gregos estejam pedindo esmolas aos turistas na Plaka ou no Partenon, em Mikonos ou Santorini.
Segundo o The Guardian, o Brasil ultrapassou a Inglaterra no ranking de maior economia do mundo, ficando em sexta posição. É a primeira vez que o país britânico fica atrás de uma nação sul-americana – proclamam orgulhosos nossos jornalistas. Isso se deveria ao crescimento brasileiro próximo a 3,5% que faz com o que o PIB, a soma das riquezas nacionais, some US$ 2,4 trilhões, ligeiramente à frente do britânico.
Pode ser. Mas você não vai ver nas ruas de Londres a miséria que vemos nas ruas das metrópoles brasileiras. De que serve conquistarmos a sexta posição na economia mundial se temos 11,4 milhões de favelados? Coincidentemente, esta é a população de toda a Grécia.
Que o padrão de vida europeu está diminuindo, sobre isto não há dúvida alguma. O tempo para aposentadoria está aumentando em vários países e os benefícios sociais mermando. Mas é bom lembrar um custo que a Europa carrega nos ombros, os milhões de imigrantes hostis que parasitam a previdência. As gerações atuais obviamente não gozarão do conforto e facilidades de seus pais e avós. Mas ainda podem passar suas férias nas ilhas gregas ou canárias.
Entusiasmado com a notícia de que o Brasil desponta como a sexta economia do mundo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, andou dizendo mês passado que o país poderá demorar de dez a vinte anos para fazer com que o cidadão brasileiro tenha um padrão de vida semelhante ao europeu. Sem nada entender de economia, diria que isto é possível. Basta que a Europa continue empobrecendo nos próximos dez ou vinte anos. Aí o Brasil empata.
A imprensa brasileira, em seu afonsocelsismo tardio, adora ver miséria no Primeiro Mundo. O emergente Brasil desponta glorioso no concerto das nações, enquanto a velha e decadente Europa empobrece. Esta mania também é extensiva a nossos vizinhos.
Em meados de 1989, fomos bombardeados, por dezenas de fotos e filmes vindos da Argentina, mostrando filas de gente com fome, supermercados saqueados e vitrines em estilhaços. Tais fotos e filmes, somadas à queda brutal do austral e a uma inflação projetada de 24 mil por cento ao ano, nos davam a idéia de um país falido. O telespectador tupiniquim, ante tal quadro, sorria com seus botões: cá no Brasil, só estão faltando leite, filé e azeite. Acontece que, entre fatos e fotos, há mais distância do que sonha nossa vã fotografia.
Entrei na Argentina no dia 14 de maio daquele ano, data das eleições que levaram ao poder, sem necessidade de segundo turno, o peronista Carlos Menem. Às oito da noite, os peronistas com seus bumbos tomaram as ruas celebrando a vitória e pedindo a renúncia de Alfonsín. Dia seguinte, acelerava-se a queda do austral. Nos supermercados, os argentinos olhavam os novos preços com desalento.
Dia 19 de maio, guiado por um portenho apaixonado por sua cidade, percorri a noite buenairense. “Quero mostrar-te as diferentes faces da crise”, disse-me. Jantamos na Costanera, onde os restaurantes se sucedem, um ao lado do outro. A fome ali era uma realidade palpável: apesar dos salões imensos com duzentas ou mais mesas, os argentinos se amontoavam em filas esperando uma mesa vaga.
Giramos depois pelos cafés de Belgrano, Palermo e La Recoleta. Passava de meia-noite e Buenos Aires nada ficava a dever a Madri numa noite de verão. Por mais fotos que os jornais publicassem, nenhum me convenceu que a Argentina havia empobrecido naquele mês.
Em Paris ou Nova York, todos os dias, milhares de pessoas entram em filas para receber comida de graça. Jamais vi fotos dessas filas, e isso que leio dois ou três jornais por dia. E mesmo que as visse, jamais me ocorreria pensar que a França ou os Estados Unidos passaram a integrar, do dia para a noite, o time do Terceiro Mundo. Da Argentina também nos chegavam fotos de saques em supermercados. Impossível negar a evidência de tais saques, se bem que me soa estranho ver pessoas famintas levando terminais de computadores para comer em casa. Foi o que aconteceu recentemente em Londres.
A mesma percepção está ocorrendo hoje em relação à dita crise européia. Sem que sequer existam saques em supermercados. Mas falava da redação da Fuvest.
Fosse eu candidato, com o que conheço de mundo, a resumiria numa única frase: bem-vinda seja entre nós uma crise como a européia.
janer cristaldo
06 de janeiro de 2012
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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