Absurdo não existe. O que nós entendemos por absurdo, em geral, obedece a uma ordem de coisas que não conhecemos.
O governo de Dilma Rousseff – na verdade, trata-se uma tetrarquia de saias – é um bom exemplo disso. Passado somente um ano de cumprimento do mandato e ela já se deu ao trabalho de trocar nada menos do que sete ministros, tendo seis saído sob fortes suspeitas de corrupção ou desvio de recursos públicos.
O único que escapou do opróbrio público foi Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa, que declarou amores pelo PSDB e disse ter votado no candidato da oposição à Presidência da República. Forçou a sua própria queda por mero delito de opinião. Antes assim. Tendo sido substituído pelo chavista Celso Amorim, é praticamente certo que ainda deixará saudades. Os outros ministros não tiveram a mesma sorte.
Foge à normalidade o fato de cair um ministro a cada mês e meio. Até por que os funcionários públicos também são humanos – têm carne, osso e, principalmente, nervos – e não funcionam de forma eficiente sob a pressão constante da troca de seus chefes. E cada novo que chega acha que vai “arrebentar a boca do balão” estabelecendo prioridades e métodos de trabalho diferentes. Já é um hábito, em Brasília, dizer: “Meu chefe é ótimo! Melhor que ele só mesmo o próximo”.
Não só por mera coincidência, os “autos de fé” do Planalto obedecem todos ao mesmo ritual.
Primeiro, sai uma denúncia em algum dos principais veículos da imprensa nacional. Os demais se pautam no primeiro e repercutem a informação com bastante alarido.
Assim, o que era apenas um deslize ético se transforma num verdadeiro escândalo.
A seguir, aparece a presidente Dilma prestando solidariedade ao ministro e afirmando que ele goza de sua total confiança. Nada de novo, seu antecessor também fazia isso. Só que ela faz uma ressalva: ele deve ir ao Congresso prestar esclarecimentos.
Quando cai nas mãos dos parlamentares – gente experiente na arte do espetáculo -, o cidadão é devorado vivo, sob os holofotes das emissoras de televisão.
É o suficiente para transformar o indivíduo em inimigo público número um.
Alguns ministros, mesmo assim, resistem. (Um deles ainda bravateou, ao afirmar que seria necessária uma bala muito grande para apeá-lo do cargo. Recebeu uma saraivada delas e, admitindo que elas tinham calibre suficiente, cuidou logo de apresentar a sua renúncia à presidente.)
A presidente, pesarosa, aceita a demissão do auxiliar. Não sem se manifestar confiante em que o indivíduo conseguirá provar a sua inocência.
No momento seguinte, ela nomeia o secretário executivo da pasta ou qualquer outra pessoa sintonizada com o partido do defenestrado para ocupar o seu lugar, e assim fica tudo numa boa. Trata-se de um velório em que ninguém chora.
Foi assim com o ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, indicado pelo Partido da República (PR). Assumiu o seu lugar o secretário executivo Paulo Sérgio Passos, também ligado ao PR. Os republicanos não se debulharam em lágrimas. O único lamento que se ouviu foi o da sua bancada no Senado – Alfredo Nascimento é senador -, que, em represália, declarou-se “independente”. Ué, antes não era?
Foi assim, também, com o ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi, indicado pelo PMDB. Assumiu o seu posto o deputado Mendes Ribeiro, representante do mesmo partido.
Deu-se o mesmo na pasta do Turismo: saiu sob denúncias o deputado do PMDB maranhense Pedro Novais. Entrou o deputado pelo PMDB do Maranhão Gastão Vieira. Não é preciso dizer quem os indicou.
O rito repetiu-se no caso de Orlando Silva, no Ministério do Esporte. Apesar das lágrimas e dos elogios que lhe foram dedicados, por causa de fortes suspeitas ele acabou tendo de entregar o cargo. Para ocupar o seu lugar foi indicado o deputado Aldo Rebello, do mesmo partido, o PCdoB. A sigla quer dizer Partido Comunista do Brasil.
E, por fim, o tal ministro “invulnerável”: Carlos Lupi (PDT), do Trabalho – o da bala de grosso calibre para derrubá-lo, que acabou não resistindo à saraivada de denúncias e teve mesmo de renunciar (enfrentando oposição até dentro de seu partido).
Execuções em praça pública parecem compor um padrão na atual administração. E isso tem sido feito um a um, para deleite da plateia.
O que todos esses decaídos têm em comum? Pertencem todos a partidos que não o da presidente. E a maioria deles é composta por remanescentes da gestão anterior. A criatura voltou-se contra o criador? Não necessariamente. É gente que pediu a Lula para permanecer e acabou ficando. O que não lhes foi dito é que teriam prazo de validade.
Mas mesmo no que diz respeito ao PT, este tampouco foi poupado. Antônio Palocci, ministro-chefe da Casa Civil, caiu porque queria mandar demais. Outro saiu porque mandava de menos (na pasta das Relações Institucionais): o deputado Luiz Sérgio não perdeu o status de ministro, mas agora só cuida de peixes…
Apesar de tudo isso, a presidente acabou se saindo bem. Todas as pesquisas apontam o aumento de sua popularidade. Ao passar ao público a imagem de governante durona – que não tolera “malfeitos” -, Dilma conquistou a simpatia de diversas camadas da classe média que são refratárias a Lula e ao PT.
Diante disso, há uma pergunta que não quer calar: todas as denúncias surgidas são detalhadas e muito bem fundamentadas. Quem, no Planalto Central, concentra informações suficientes para formulá-las?
Uma coisa é certa: quando se está numa posição de comando, jamais se dá pulos de alegria. Sempre haverá alguém para lhe puxar o tapete.
14 de janeiro de 2012
João Mellão Neto
Fonte: Estadão, 13/01/2012
O governo de Dilma Rousseff – na verdade, trata-se uma tetrarquia de saias – é um bom exemplo disso. Passado somente um ano de cumprimento do mandato e ela já se deu ao trabalho de trocar nada menos do que sete ministros, tendo seis saído sob fortes suspeitas de corrupção ou desvio de recursos públicos.
O único que escapou do opróbrio público foi Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa, que declarou amores pelo PSDB e disse ter votado no candidato da oposição à Presidência da República. Forçou a sua própria queda por mero delito de opinião. Antes assim. Tendo sido substituído pelo chavista Celso Amorim, é praticamente certo que ainda deixará saudades. Os outros ministros não tiveram a mesma sorte.
Foge à normalidade o fato de cair um ministro a cada mês e meio. Até por que os funcionários públicos também são humanos – têm carne, osso e, principalmente, nervos – e não funcionam de forma eficiente sob a pressão constante da troca de seus chefes. E cada novo que chega acha que vai “arrebentar a boca do balão” estabelecendo prioridades e métodos de trabalho diferentes. Já é um hábito, em Brasília, dizer: “Meu chefe é ótimo! Melhor que ele só mesmo o próximo”.
Não só por mera coincidência, os “autos de fé” do Planalto obedecem todos ao mesmo ritual.
Primeiro, sai uma denúncia em algum dos principais veículos da imprensa nacional. Os demais se pautam no primeiro e repercutem a informação com bastante alarido.
Assim, o que era apenas um deslize ético se transforma num verdadeiro escândalo.
A seguir, aparece a presidente Dilma prestando solidariedade ao ministro e afirmando que ele goza de sua total confiança. Nada de novo, seu antecessor também fazia isso. Só que ela faz uma ressalva: ele deve ir ao Congresso prestar esclarecimentos.
Quando cai nas mãos dos parlamentares – gente experiente na arte do espetáculo -, o cidadão é devorado vivo, sob os holofotes das emissoras de televisão.
É o suficiente para transformar o indivíduo em inimigo público número um.
Alguns ministros, mesmo assim, resistem. (Um deles ainda bravateou, ao afirmar que seria necessária uma bala muito grande para apeá-lo do cargo. Recebeu uma saraivada delas e, admitindo que elas tinham calibre suficiente, cuidou logo de apresentar a sua renúncia à presidente.)
A presidente, pesarosa, aceita a demissão do auxiliar. Não sem se manifestar confiante em que o indivíduo conseguirá provar a sua inocência.
No momento seguinte, ela nomeia o secretário executivo da pasta ou qualquer outra pessoa sintonizada com o partido do defenestrado para ocupar o seu lugar, e assim fica tudo numa boa. Trata-se de um velório em que ninguém chora.
Foi assim com o ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, indicado pelo Partido da República (PR). Assumiu o seu lugar o secretário executivo Paulo Sérgio Passos, também ligado ao PR. Os republicanos não se debulharam em lágrimas. O único lamento que se ouviu foi o da sua bancada no Senado – Alfredo Nascimento é senador -, que, em represália, declarou-se “independente”. Ué, antes não era?
Foi assim, também, com o ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi, indicado pelo PMDB. Assumiu o seu posto o deputado Mendes Ribeiro, representante do mesmo partido.
Deu-se o mesmo na pasta do Turismo: saiu sob denúncias o deputado do PMDB maranhense Pedro Novais. Entrou o deputado pelo PMDB do Maranhão Gastão Vieira. Não é preciso dizer quem os indicou.
O rito repetiu-se no caso de Orlando Silva, no Ministério do Esporte. Apesar das lágrimas e dos elogios que lhe foram dedicados, por causa de fortes suspeitas ele acabou tendo de entregar o cargo. Para ocupar o seu lugar foi indicado o deputado Aldo Rebello, do mesmo partido, o PCdoB. A sigla quer dizer Partido Comunista do Brasil.
E, por fim, o tal ministro “invulnerável”: Carlos Lupi (PDT), do Trabalho – o da bala de grosso calibre para derrubá-lo, que acabou não resistindo à saraivada de denúncias e teve mesmo de renunciar (enfrentando oposição até dentro de seu partido).
Execuções em praça pública parecem compor um padrão na atual administração. E isso tem sido feito um a um, para deleite da plateia.
O que todos esses decaídos têm em comum? Pertencem todos a partidos que não o da presidente. E a maioria deles é composta por remanescentes da gestão anterior. A criatura voltou-se contra o criador? Não necessariamente. É gente que pediu a Lula para permanecer e acabou ficando. O que não lhes foi dito é que teriam prazo de validade.
Mas mesmo no que diz respeito ao PT, este tampouco foi poupado. Antônio Palocci, ministro-chefe da Casa Civil, caiu porque queria mandar demais. Outro saiu porque mandava de menos (na pasta das Relações Institucionais): o deputado Luiz Sérgio não perdeu o status de ministro, mas agora só cuida de peixes…
Apesar de tudo isso, a presidente acabou se saindo bem. Todas as pesquisas apontam o aumento de sua popularidade. Ao passar ao público a imagem de governante durona – que não tolera “malfeitos” -, Dilma conquistou a simpatia de diversas camadas da classe média que são refratárias a Lula e ao PT.
Diante disso, há uma pergunta que não quer calar: todas as denúncias surgidas são detalhadas e muito bem fundamentadas. Quem, no Planalto Central, concentra informações suficientes para formulá-las?
Uma coisa é certa: quando se está numa posição de comando, jamais se dá pulos de alegria. Sempre haverá alguém para lhe puxar o tapete.
14 de janeiro de 2012
João Mellão Neto
Fonte: Estadão, 13/01/2012
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