"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 14 de janeiro de 2012

SOBRE SALADINO, GUERRA, HONRA, HERÓIS E CARNICEIROS



Todo militar profissional, aqui ou no exterior, escuta uma célebre frase dita já não se sabe por quem que se transforma imediatamente em uma verdade universal e em um prenúncio do que pode vir: “Ninguém abomina mais a guerra do que o guerreiro”.

Descontando as margens reservadas aos psicopatas, que usam a guerra como desculpa para dar asas aos seus anseios sanguinários, o guerreiro profissional reza e se prepara para nunca entrar em combate. Contudo, quando à hora chega, ele guarda seus receios; seca suas lágrimas e esconde o terror da morte que o espreita a cada batida do coração.

Mas, mesmo diante da selvageria do combate, o verdadeiro guerreiro sabe que deve trilhar o caminho da honra. O inimigo, por mais feroz que seja, deve sempre ser tratado com respeito e com humanidade quando derrotado. Afinal, no código militar, o verdadeiro guerreiro não vê honra e nem vitória em vilipendiar aqueles incapazes de se defender.

O verdadeiro guerreiro pode ser chamado de herói. Mas, ele jamais deseja isso. O heroísmo é apenas uma consequência do medo e o guerreiro faz o que deve ser feito para aplacar o medo de morrer ou de ver seus companheiros de combate perecerem. No calor do combate, ele pode oferecer sua própria vida em sacrifício para que a vida de seu irmão (ou, como em vários casos, até de seu inimigo) seja poupada. Ao herói guerreiro cabe o sacrifício supremo e a honra da lembrança eterna.

O você pode achar esta uma visão romântica ou impossível de ser verdadeira na confusão e na carnificina de uma guerra. Mas, tenho certeza que você ficaria surpreso ao descobrir que essa “visão romântica” é fruto da realidade da guerra e do combate encarniçado ao mais perverso inimigo: a intolerância religiosa.

Se você conhece um pouco de história já deve ter ouvido falar de Al-Malik An-Nasir Salahuddin Yusuf; conhecido pelos ocidentais como Saladino. Nascido em Tikrit (hoje Iraque), Saladino morreu na Síria em 1193. Foi um dos maiores estrategistas militares de todos os tempos e é pai do Cavalheirismo Medieval e dos modernos códigos de guerra como a Convenção de Genebra e outros.

Saladino – O Grande

Durante as Cruzadas, Saladino mostrou ao Ocidente Cristão a diferença entre ser um guerreiro ou um carniceiro. Enquanto os Cristãos matavam e decapitavam mulheres e crianças em nome de Deus; Saladino poupava inimigos capturados; enviava frutas frescas e seus médicos para tratar o Rei Ricardo quando este ficou gravemente doente (salvando-lhe a vida) e, em um episódio que marcou a história, Saladino durante a batalha de Apollonia esta a beira da vitória quando o Rei Ricardo teve seu cavalo morto e foi obrigado a combater a pé. Na época, isso era uma sentença de morte para um combatente de armadura. Saladino interrompeu o combate e enviou dois de seus melhores cavalos para Ricardo. Segundo ele: “Não é digno de um rei combater a pé”. Ricardo se recuperou e pode levar os exércitos cristãos à vitória naquela batalha.

Tudo isso fez com que Saladino fosse temido e admirado por seus iguais e, principalmente por seus inimigos. Quando as Cruzadas terminaram com a derrota cristã e a tomada de Jerusalém, a fama de homem honrado de Saladino foi levada pelos Cruzados para a Europa e se espalhou pelo Ocidente como modelo de honra, caráter e misericórdia. Até hoje, mais de mil anos de sua morte, Saladino é conhecido como “O Grande” mesmo para nós e é fonte de estudos para todos que desejam a carreira militar.

Mas, se você chegou até aqui deve estar se perguntando: “Para que tudo isso?”

Caro leitor, como ex-militar e como estudioso da história das grandes guerras que conduziram a humanidade até os dias de hoje, não era possível deixar de comentar sobre Saladino e sua visão de honra e respeito ao inimigo que contaminou o ocidente de tal forma que foi responsável pela criação dos códigos de conduta em combate até das guerras modernas.

Minha intenção foi mostrar como é enorme a diferença entre o guerreiro e o carniceiro. Entre o soldado que combate o inimigo por dever e sem paixão para o psicopata que usa a guerra como desculpa para dar asas aos instintos mais bestiais do ser humano.

Como militar e como ser humano fica difícil aceitar o comportamento dos Fuzileiros Navais americanos ao vilipendiar os cadáveres dos inimigos ao urinarem sobre eles. Sendo uma das mais honradas instituições militares do mundo, o Corpo de Fuzileiros Navais (daqui, dos EUA ou de qualquer outro país) sempre foi conhecido por abrigar os mais bem treinados e honrados combatentes. Em seus brados de guerra, cada Corpo de Fuzileiros mundo a fora exalta o sacrifício supremo pela pátria e deseja demonstrar a honradez de seus membros. Grite o fuzileiro “Semper Fidelis” (Sempre fiéis – EUA); “AdSumus” (Aqui Estamos – BRA); “ Per Mare, Per Terram” (Por Mar e Por Terra – UK) ou qualquer outro brado mundo a fora, essas palavras simbolizam o que há de melhor no combatente e jamais devem ser envergonhadas.

Qualquer guerreiro, qualquer ser humano e qualquer ente vivente deve abominar os atos cometidos pelos carniceiros travestidos de soldados e compreender que a eles é reservado apenas a desonra, o esquecimento e o pó da terra. A selvageria imperdoável lhes confere apenas a alcunha de bárbaros e lhes garante o repúdio e o escárnio dos bons.

A eles resta a certeza de que jamais poderão entrar nos Campos Elíseos e repousar, gozando a paz suprema, ao lado dos grandes vultos guerreiros da humanidade.

visão panorâmica
13 de janeiro de 2012

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