Um dos grandes desafios da economia brasileira num contexto de real forte ante outras moedas é a garantia da competitividade internacional dos setores industriais. O debate sobre a competitividade, embora tardiamente, ganhou duas novas variáveis que, se levadas seriamente em conta pelos formuladores de política, podem mudar o rumo das opções de política industrial adotadas pelo Brasil: produtividade e incorporação de tecnologia.
A competitividade tem duas vertentes: o lado exportador, que afeta, sobretudo, as indústrias ligadas aos setores do agro e commodities em geral, nos quais o Brasil é naturalmente competitivo; e o lado importador, que afeta os setores que não conseguem competir com os produtos importados e hoje carregam a bandeira da desindustrialização. Estes últimos tendem a ser setores de manufatura intensivos em mão de obra e sem vantagens comparativas naturais. Pressionados por tributos elevados, carência de pessoal qualificado e entraves burocráticos diversos, setores de manufatura acabam demandando medidas de proteção dos mais variados tipos. E têm sido prontamente atendidos pelo governo em exercício.
Várias razões explicam por que os governos tendem a ser sensíveis aos pleitos dos setores não competitivos. O primeiro é a natural sensibilidade aos movimentos da opinião pública. O segundo é que governos têm uma janela de ação definida por seus mandatos e por isso preferem executar a planejar e não se preocupam em avaliar os impactos futuros das políticas adotadas no presente. Terceiro, pressionados por grupos setoriais em busca de proteções, sem ferramentas adequadas, os governos não são capazes de qualificar se a ajuda setorial transborda para a sociedade como um todo.
Há vários indícios, entretanto, de que o governo brasileiro pode estar fazendo escolhas de política com benefício duvidoso para consumidores e contribuintes.
Enquanto a produtividade da mão de obra na indústria de manufatura caiu, na agricultura cresceu com vigor. Os números indicam que até o setor de serviços ganhou mais produtividade que o industrial. Segundo análise de Regis Bonelli, do Ibre/FGV, citada pelo Estado de 18 de março, a produtividade do trabalho do setor industrial caiu 0,8% ao ano de 2000 a 2009, ao passo que na agricultura e nos de serviços cresceu 4,3% e 0,5% ao ano, respectivamente.
Submetido a intensa competição externa no lado exportador, o agronegócio teve de buscar constante ganho de produtividade como uma das ferramentas para sobreviver e prosperar num regime de câmbio apreciado. A indústria de manufatura, por sua vez, não aproveitou os anos de câmbio desvalorizado e mercado protegido para investir em ganhos de produtividade e não conseguiu estabelecer competências diferenciadas no País que permitissem desenvolver produtos aptos a competir com mercadorias importadas de baixo custo.
Não se obtém aumento da produtividade da mão de obra por acaso. É consenso entre os economistas que seu crescimento é fruto de investimentos em tecnologia e inovação. Isso significa que foram também as indústrias do agro que investiram de forma mais intensa em conhecimento diferenciado, o que contradiz o senso comum de que os produtos do agro são primários e com baixa tecnologia. A Bug Agentes Biológicos, empresa brasileira que criou processos inovadores de controle de pragas em grandes plantações, foi recentemente reconhecida como uma das mais inovadoras do mundo.
Esses fatos mostram a importância de critérios mais informados para a alocação de recursos públicos, sobretudo num contexto de pleno emprego e mercado interno com demanda crescente, como vivemos no Brasil. Proteger setores que são estruturalmente incapazes de competir e deixar de aplicar esses mesmos recursos nos que são capazes de gerar ganhos sustentáveis de produtividade, emprego e renda não são decisões racionais. Só seriam se fosse demonstrado que os setores de manufatura atualmente protegidos usarão o suporte governamental para construir vantagens competitivas duráveis no longo prazo. Se não o fizeram no passado, quem garante que isso ocorrerá desta vez?
Há também uma discussão recorrente dentro da própria indústria, alegando que setores industriais extrativos e de produtos básicos estão tomando o lugar de setores com maior “valor adicionado”. Não sabemos de estudos específicos a esse respeito, mas nossa hipótese é que talvez expressivos ganhos de produtividade tenham sido obtidos justamente em cadeias produtivas de produtos mais básicos, como minério ou celulose. Assim, pressionar as firmas para maior “valor adicionado” – como ocorreu recentemente com a Vale, incitada a investir em siderurgia – pode, paradoxalmente, destruir valor. Criticar produtos básicos somente porque são “básicos” é ignorar um aspecto fundamental: para extrair minério ou produzir celulose é preciso muita tecnologia em etapas a montante da cadeia.
Pôr foco em produtos básicos, alguns dirão, reforçará a dependência do Brasil em commodities, cujos preços tendem a ser muito voláteis e dependentes do contexto internacional. Mas proteger setores industriais pouco produtivos não é remédio correto. O Chile, por exemplo, extrai royalties da sua atividade de mineração e aplica em fundos nacionais para suportar gastos contracíclicos e financiar a atividade empreendedora de pequenas empresas. É preciso deixar que os setores industriais se renovem e que a mão de obra seja alocada para setores e empresas com real potencial de crescimento.
Mais que proteção e subsídios setoriais, a economia brasileira precisa de uma orientação estratégica que ajude a alavancar os setores competitivos, produtivos e capazes de investir. Não é pelo rabo que se balança o cachorro.
Sergio Lazzarini e André Meloni Nassar
Fonte: O Estado de S. Paulo, 21/03/2012
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Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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