"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 22 de março de 2012

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY

O DNA da França

Os dois tinham uma marca que levaram com eles para o túmulo: a mania de grandeza. Grandeza deles e grandeza da França. Charles De Gaulle falava de si como se falasse da França: – “Com que outra coisa contentar-se quando se encontrou a História”?

E falava da França como se falasse dele:

– “A França não pode ser a França sem a grandeza”.

Condenado à morte pelo governo e pelo Exército francês submetidos por Hitler, De Gaulle foi para Londres, depois para o Norte da África, organizou e comandou a resistência e a libertação do país, entrou em Paris em 1944 já como libertador e presidente da República, e se demitiu em 1946.

Em 1958 foram buscá-lo em casa para outra vez salvar a França como presidente da República que deu a independência à Argélia e acabou com o massacre. Reeleito presidente em 1965, De Gaulle convocou um plebiscito em abril de 1969, depois da crise de maio de 68, perdeu, deixou o governo e morreu logo depois, em novembro de 1970, com 80 anos.

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DE GAULLE E MITTERRAND

François Mitterrand, ministro de De Gaulle, disputou com ele a presidência em 1965, foi para o segundo turno, perdeu. Em 1974 disputou com Giscard d`Estaing, também perdeu. Em 1981, derrotou a reeleição de Giscard, foi presidente dois mandatos de sete anos, entre 1981 e 1995.

Até hoje a França vive sobretudo das idéias e legados políticos dos dois. Quando Mitterrand, do Partido Socialista, ganhou a presidência em 81, derrotando Giscard d`Estaing, que tinha sido ministro das Finanças de De Gaulle e em 74 derrotara Mitterrand para presidente, dizia-se que a “Era De Gaulle” tinha definitivamente passado. Como a “Era Vargas” de FHC.

Engano. Em 85, seus discípulos da UPF (União Pela França) fizeram maioria na Assembleia Nacional e assumiram o governo com Jacques Chirac de primeiro-ministro. Mitterrand reelegeu-se presidente em 88 e em 89 os socialistas ganharam a Assembleia Nacional e portanto o governo.

Sai Mitterrand depois do segundo mandato, Jacques Chirac ganha a presidência e os herdeiros de De Gaulle o governo. Em 2007, Sarcozy era um degaullezinho e Marie-Ségolene ex-ministra e discípula de Mitterrand. Ganhou o degaullezinho.

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LIBERALISMO

Por que a força toda desse DNA, dessa herança? Por causa da História. A pequena Bíblia de De Gaulle,“Doctrine Politique” (Ed. Du Rocheur) mostra que, em 48, já fora do primeiro governo, ele dizia:

1. “O que se fez economicamente no mundo foi um sistema que se chamava liberalismo e grandes coisas foram feitas. Mas também é evidente que o liberalismo, tal como era visto ontem, tornou-se inconcebível, insuportável para o mundo e especialmente para a França hoje. O velho liberalismo não é o caminho econômico e social para a França”.

2. – “Nem o velho liberalismo nem o comunismo esmagador. Deve ser outra coisa. O quê? Há uma terceira solução: a associação, a participação, que muda a condição do homem dentro da civilização moderna. A questão social tem que ser colocada em primeiro lugar”.

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ESQUERDA E DIREITA

3. – “A esquerda me abandonou no dia seguinte da libertação porque ela é contra o Estado. A direita me abandonou logo depois porque ela é contra o povo. Na direita, diz-se que faço uma política de esquerda. Na esquerda, diz-se que estou aqui para a direita, para os monopólios. O fato de uns e outros dizerem que pertenço ao outro lado prova precisamente que não sou de um lado nem do outro. Sou pela França” (1953).

4. – “Um dia, a Europa inteira se reencontrará na liberdade. Nós nos reencontraremos com os países do Leste à medida que eles saiam de suas esmagadoras dominações. Veremos a esperança renascer do Atlântico aos Urais. Os povos têm direito de disporem inteiramente de si. Não para enriquecer oligarquias internas e externas. Para libertar o homem” (1950).

Agora, a França pode se livrar de Sarcozy, o degaullezinho.

22 de março de 2012
Sebastião Nery

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