(15/01/2011)
a. Trajetória de pesquisa
Foi acompanhando, na adolescência, um seminário
sobre o filme documentário do ‘Terceiro Reich’ ministrado por Jean Claude
Bernardet[1] que descobri a dimensão política do mundo. A
projeção de alguns filmes de propaganda nazista fez-me compreender a essência
do mal. Mais tarde, seguindo outra mostra de documentários nazistas, coordenada
por Matthias Riedel e Silvio Tendler[2],
comecei a aprofundar-me no estudo do nacional-socialismo.
A visão de uma cópia de Verwethe Spuren (A
peste em Paris, 1937), de Veit Harlan, encontrada nos anos de 1980 pelo
colecionador de filmes Alceu Massini, de Santo André, e que ele me projetou na
sala de cinema de sua casa, despertou-me o interesse em desvendar os mecanismos
da propaganda nazista embutida no cinema de ficção. Já neste neste sentido
colaborei com Massini, junto à imprensa, na organização de uma sessão aberta
daquele filme no auditório do Museu de Arte de São Paulo (MASP). O enigma do
nacional-socialismo, que os historiadores tentavam em vão decifrar, parecia-me
mal iluminado pelas falhas interpretações dadas à forma que a propaganda
nazista assumiu no cinema, sobretudo no filme de entretenimento.
Eu havia apresentado, a 12 de julho de 1989, uma
dissertação de mestrado à Universidade de São Paulo (USP), orientada por Anita
Novinsky, sobre Autos-da-fé como espetáculos de massa, que mostrava como
a propaganda antissemita, disseminada pela cultura de massa da época,
monopolizada pela Igreja, conduziu, na Península Ibérica, à destruição moral e
física dos judeus; as pesquisas para essa dissertação ajudaram-me a identificar
as estruturas originais do totalitarismo[3],
fornecendo-me os conceitos básicos para abordar a modelagem do imaginário
coletivo da Alemanha nazista pela propaganda antissemita, disseminada pela
cultura de massa (imprensa, rádio, cinema) controlada pelo Ministério do
Esclarecimento Público e da Propaganda de Joseph Goebbels, e que culminou nos
rituais de destruição moral e física de seis milhões de judeus da Europa nos
campos de concentração, trabalho e extermínio montados pelo ‘Terceiro Reich’.
Na Península Ibérica à época da Inquisição, a
cultura de massa, monopolizada pela Igreja, havia conduzido à destruição dos
cristãos-novos. Da mesma forma, na Alemanha nazista, a cultura de massa,
monopolizada pelo Estado, conduziu à destruição dos judeus. Mas havia uma
diferença entre esses dois totalitarismos antijudaicos: as vítimas da
Inquisição foram presas, garroteadas e queimadas após demorados processos
individuais, numa perseguição que durou séculos na meta do extermínio ou da
conversão in extremis, sendo os cristãos-novos tratados, apesar de tudo,
como “seres humanos”, ou corpos portadores de alma, por mais “diabólica” que
ela fosse aos olhos dos inquisidores, dos carrascos e das gentes que gozavam ao
ver os relapsos queimarem nos autos-de-fé públicos e gerais; já as vítimas do
nazismo foram exterminadas secretamente e em massa, sem processos,
indistintamente como reses num matadouro, peças de carne sem alma, numa linha
industrial de montagem, empacotamento em série, em doze anos de terror
concentrado, na meta de um extermínio sem qualquer ilusão de salvação.
Ainda na USP, foi-me de grande valia o curso
“Semiologia dos campos de concentração”, ministrado pelo Prof. Dr. Izidoro
Blikstein, no Centro de Estudos Judaicos. Mas para a tese de doutorado que me
propus, eu precisava ir às fontes. Obtive então bolsas do Deutscher
Akademischer Austauschdienst – DDAD e da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – CAPES para pesquisar na Alemanha e contei,
novamente, com a excepcional orientação de Anita Novinsky, que me aconselhava,
do Brasil, através de cartas e e telefonemas. Em três encontros que tivemos em
Paris, ao longo dos quase três anos de minha estada na Europa, ela pôde
verificar a progressão de minhas idéias, apontando-me falhas, obrigando-me a
correções. Mestre e inspiradora, Anita Novinsky foi a alma desta obra, aquela a
quem todo meu empenho é devido.
Na Alemanha, tive a sorte de encontrar, no jovem
historiador Michael Prinz, um orientador que estêve a meu lado desde as
difíceis estapas iniciais de minha instalação em Münster, a bela cidade
medieval que escolhi para morar, e que abriga a quarta maior universidade do
país. Prinz não se cansou de chamar-me a atenção para a complexidade da
história, da cultura e da língua alemãs, corrigindo os mal-entendidos de minhas
leituras, as conclusões apressadas que eu tirava, obrigando-me a encarar todos
os ângulos das questões nas quais me debatia. Nossas dissensões teóricas não
impediram a mais cordial troca de idéias; a ele também devo meus primeiros
conhecimentos em computação – mistérios nos quais ele me iniciou com admirável
paciênca.
Antes de iniciar meu trabalho, tive que aprender o
idioma alemão para entender os diálogos, de som precário, dos filmes realizados
nos anos de 1930 e de 1940; ler uma bibliografia volumosa, contraditória,
complexa; e decifrar documentos em alemão publicados em fontes tipográficas
góticas. A meu favor, tinha o olhar treinado do crítico de cinema profissional,
a formação do historiador e a esperança de minha orientadora, que me levou a
vencer os mais duros desafios.
Como crítico de cinema, eu já havia obtido o acesso
a todos os filmes alemães produzidos no período nazista que existiam no acervo
da Filmoteca do Instituto Goethe de São Paulo, com a ajuda de seu organizador,
José Antônio Zanetin. Já havia também iniciado meus estudos da língua alemã,
com uma bolsa cultural do Instituto Goethe, a cujos funcionários – Mariane
Hemesath, Carminha Góngora, Ursula Mello e Nelly Bahia Cardoso – e seus
colaboradores na época – René de Paula e Bethe Ferreira – aqui agradeço.
No Museu Lasar Segall, tive acesso a livros e
revistas sobre o cinema nazista, com a ajuda das bibliotecárias Amélia Maria
Moreira e Maria Cecília Natali. E ainda no Brasil, recebi apoio e informações
de vários especialistas e estudiosos, entre os quais Suzana Amaral, Silvio
Band, Rifka Berezin, Jacó Guinsburg, Roney Cytrynowicz, Eva Fernandes, Irene
Freudenheim, Annie Goldmann, Bella Herson, José Knoplich, Amir Labaki, José
Meiches, Rachel Mizrahi, Kevin Mundy e Liora Heller Trachtenberg.
Na Alemanha, morando na acolhedora villa do Goethe
Institut em Göttingen, cercada por um jardim que desembocava num lindo bosque
cheio de esquilos, patos e coelhos, prossegui por seis meses o curso intensivo
da língua, com as professoras Rosita Hofmann e Margarete Escorsin, até obter o
diploma da Georg-August-Universität, onde também acompanhei o seminário Film
im Nationalsozialismus, ministrado pelo Dr. Wilfried Scharf, do Institut
für Publizistik und Kommunikationswissenschaft. Transferi-me então para a bela
cidade medieval de Münster, que abriga a quarta maior universidade do país.
Além dos cursos regulares da Westfälische Wilhelms-Universität Münster, na qual
estive matriculado “ohne Abschluß”, freqüentei, no Schloßteather, sessões de
“Dr. Albrechts Filmgeschichte”, uma série de projeções de filmes do período
nazista acompanhadas por palestras de um dos maiores especialistas no tema, o
Dr. Gerd Albrecht.
Tive a sorte de encontrar, no jovem historiador
Michael Prinz, um orientador que estêve a meu lado desde as difíceis estapas
iniciais de minha instalaçã na cidade. Prinz não se cansou de chamar-me a
atenção para a complexidade da história, da cultura e da língua alemãs,
corrigindo os mal-entendidos de minhas leituras, as conclusões apressadas que
eu tirava, obrigando-me a encarar todos os ângulos das questões nas quais me
debatia. Nossas dissensões teóricas não impediram a mais cordial troca de
idéias; a ele também devo meus primeiros conhecimentos em computação –
mistérios nos quais ele me iniciou com admirável paciênca.
Durante este período em que eu mergulhava na
história, na cultura e na língua alemãs, Anita Novinsky continuava a
orientar-me, do Brasil, através de cartas e de telefonemas. E em três encontros
que tivemos em Paris, ao longo dos quase três anos de minha estada na Europa,
ela pôde verificar a progressão de minhas idéias, apontando-me falhas e
obrigando-me a revisões e correções, estimulando-me, com seu grande sendo
crítico, a novas e aprofundadas pesquisas. Mestre e inspiradora, Anita Novinsky
foi a alma desta obra, aquela a quem todo meu empenho é devido.
Mediante cartas de apresentação, envio prévio de
listas de filmes selecionados e agendamento para uso de moviola, tive acesso à
Stiftung Deutsche Kinemathek de Berlim, onde contei com a ajuda da
Sra. Van der Zee, de Wolfgang Theis, do Sr. Zeitler e da Sra. Schabas[4].
Também em Berlim fui recebido por Rudolf Freund e pela Sra. Martin no
Bundesarchiv[5]. E, no Deutsches Museum, pude acompanhar por
semanas a grande retrospectiva que celebrou os 75 anos da Ufa.
Em Wiesbaden, assistido por Matthias Knop, Sra.
Sodine e Sr. Moos, freqüentei o arquivo do Deutsches Institut Für Filmkunde[6].
Em Frankfurt, visitei o Deutsches Filmmuseum[7],
auxiliado por André Mieles e Andrea Speer. Em Munique, assisti a diversas
sessões de cinema no Filmmuseum[8].
Em Düsseldorf, no Filminstitut der Landeshauptstadt Düsseldorf, acompanhei na
chamada Black Box a retrospectiva da obra de Helmut Käutner realizada em 1992.
E, finalmente, em Coblença, fui acolhido por Kurt Braband no Filmarchiv do
Bundesarchiv[9].
Leituras não me faltaram na Deutsche Film und
Fernsehakademie de Berlim, com um acervo de 25 mil volumes e 4 mil revistas; e
na Universitätsbibliothek de Münster, com seus mais de 2,1 milhões de volumes e
9.200 periódicos. Pude então mergulhar em histórias gerais do cinema, histórias
do cinema alemão, monografias, manuais, protocolos, memórias e biografias de
técnicos, diretores e atores. No Publizistik Institut, descobri mesmo um
roteiro inédito de Thea von Harbou, Gnade über Oberammergau, fundamental
para minha tese, e nunca antes mencionado na bibliografia consultada, nem mesmo
pelo especialista Reinhold Keiner na sua monografia Thea von Harbou und der
deutsche Film bis 1933, único estudo até então dedicado àquela que foi a
principal roteirista do cinema nazista.
Encerrada a pesquisa na Alemanha, pude acompanhar,
entre dezembro de 1993 e janeiro de 1994, com o apoio da Associação
Universitária de Cultura Judaica, sob a égide do falecido Leon Feffer, que
acreditava na importância desse trabalho, o “Seminário de Estudo sobre o
Holocausto” no Museu Yad Vashem, em Jerusalém, em Israel, onde concluí minha
tese. Sou grato a Eliezer Gryngauz, que viabilizou minha estadia; a Ernesto
Strauss, Nancy Rosenchan, Rachel Mizrahi e Rifka Berezin, por suas
recomendações; a Margarida Goldstajin e Sarinha Binenbaum Kauffmann,
encarregadas da burocracia da viagem; a Iosi Goldstein e Yoel Embon,
coordenadores do seminário; e aos professores Abraham Golek, Abraham Milgram,
Batsheva Dagan, Carmit Sagui, David Bankier, David Kochavi, Graciela Ben-Dror,
Jorge Gun, Maia Boltzman, Dr. Nurit Gerstenhaber, Pinjas Bibelnik, Raquel
Hodara, Shalmi Barmor, Shalom Rosemberg e Sharona Fredriko.
Muito ainda devo à minha queria e inseparável amiga
Elaine Mansano, que leu e corrigiu diversas partes do manuscrito da tese. Sob o
título de Imaginários de destruição: o papel da imagem na preparação do
Holocausto, a tese foi defendida e aprovada, com a nota máxima, com
distinção e louvor, a 4 de novembro de 1994, na Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Meus agradecimentos a Boris
Kossoi, José Carlos Sebe Bom Meihy, Ismail Xavier e Nicolau Sevcenko, que me
apontaram, durante a Banca de Defesa, problemas conceituais e metodológicos,
colaborando, com suas críticas, para a reescrita do trabalho, sujas idéias
principais foram divulgadas entre 1994 e 1996, no curso Diversão e terror na
Alemanha nazista, que ministrei no Clube A Hebraica; no Centro de Estudos
Judaicos da USP; na Federação do Comércio do Estado de São Paulo; na PUC de
Belo Horizonte; nos Institutos Goethe de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre.
30 de abril de 2012Luiz Nazario
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