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Que o acusado seja ou não militar é o fator decisivo para saber quem julgará o ato e como. Ter em conta a especificidade do trabalho militar, é um princípio não negociável que existe nas legislações dos países democráticos.
Uma verdadeira lavagem cerebral é o que estão tratando de fazer alguns membros do lobby que pretende debilitar e, se possível, abolir definitivamente a justiça penal militar do ordenamento jurídico da Colômbia. Querem que a Colômbia adote o sistema vigente em dois países europeus que não estão em guerra e que não têm sequer problemas de terrorismo interno. Esses países são Alemanha e Bélgica.
Na Alemanha e na Bélgica, em tempo de paz, a justiça militar não existe. As infrações penais dos militares são julgadas pelas jurisdições de direito comum. Entretanto, em tempo de guerra, as Constituições desses países autorizam a instauração de tribunais penais militares. Na Bélgica, em tempo de guerra, um decreto real fixa o lugar e as atribuições da Corte Militar [1].
Por outro lado, na Espanha, país em paz, a justiça militar conhece as infrações e delitos relacionados com a defesa ou a segurança nacionais, como o delitos, entre outros, de traição à pátria e a espionagem. Em tempo de guerra, a justiça militar conhece todos os casos onde um militar tenha cometido qualquer das infrações e delitos do código penal.
Na Colômbia, um país em guerra, alguns querem que os delitos ou infrações cometidos pelos militares sejam tratados pelas jurisdições de direito comum, como o Ministério Público, onde a formação dos juízes e dos outros atores judiciais em matéria de justiça militar é inexistente ou medíocre, e onde certos funcionários, apoiados por extremistas, instruem e sentenciam com óptica política.
E onde, no melhor dos casos, os juízes e promotores honestos não se mantêm atualizados, nem conhecem a documentação militar, aberta e fechada, do Ministério da Defesa, e tampouco lêem as instruções e regras aplicáveis no teatro de operações e em ações militares específicas. Isso explica em parte os freqüentes erros judiciais e os maus entendidos que existem entre instrutores e sentenciadores, e a atividade dos membros das Forças Militares.
Alguns aspiram a que na Colômbia, país onde há uma guerra contra o Estado e contra a sociedade, a Justiça Militar seja só hipotética ou de fachada, pois esta não poderia conhecer todos os casos onde um militar supostamente cometeu infrações ou delitos.
Essa mesma gente se escandaliza quando o projeto de reforma do foro militar em curso no Congresso trata de evitar esses graves descalabros e, ao contrário, trata de adotar um sistema racional, comparável ao empregado pelos países democráticos mais avançados que protegem sim a seus militares e policiais, sobretudo em tempo de guerra.
Essa gente pretende que o país não deva ter uma justiça militar embora dentro do território atuem organizações armadas subversivas, de programa comunista-totalitário que empregam o terror, o narcotráfico, a manipulação da informação, o desalojamento e a deportação de populações, o seqüestro, o homicídio e toda uma séria de outros crimes e infrações para derrubar o governo eleito democraticamente. Sem esquecer que essas organizações contam, além disso, com o apoio de poderes estrangeiros.
Nessas condições, a Colômbia pode imitar o sistema judiciário de um país europeu que não está em guerra nem é ameaçado pela subversão e pelo terrorismo?
Até onde quer esse obscuro lobby estender a desproteção militar do país?
Por isso, e em que pese sua boa vontade, o ministro da Defesa se equivoca quando diz que o ato de decidir qual justiça deve julgar um fato não deve depender de se o acusado usa uniforme ou não. Deve sim, precisamente. Não se trata de julgar um fato. Trata-se de julgar um homem e um fato. Que o acusado seja ou não militar é o fator decisivo para saber quem julgará o ato e como. Ter em conta a especificidade do trabalho militar, é um princípio não negociável que existe nas legislações dos países democráticos.
Vejamos outros exemplos europeus.
Na Itália, em tempo de paz, os tribunais conhecem os delitos militares cometidos pelos membros das Forças Militares. Por outro lado, não existe código de procedimento penal militar, pois o código de procedimento penal (de direito comum) é o que se aplica. Em tempos de guerra, os tribunais militares ordinários são substituídos por tribunais militares de guerra com extensas competências. Os magistrados militares têm as mesmas garantias de independência que os magistrados ordinários.
Na Grã Bretanha, cada exército dispõe de suas próprias cortes e aplica seu próprio código. Existe, entretanto, uma jurisdição de segundo grau única, que é o Conselho de Guerra de Apelação. Os tribunais militares não são permanente. Em caso de necessidade, a administração central pode convocar conselhos de guerra.
Na Suíça, a justiça militar funciona segundo as regras em vigor da justiça de direito comum. As cortes militares são compostas por pessoas que efetuam seu serviço militar. Estas devem ter uma formação especial realizada pelo Exército suíço. Os tribunais militares são de três níveis: oito tribunais militares, três tribunais militares de apelação e um tribunal militar de cassação.
Na França o sistema é ainda mais interessante. Em tempo de paz, o sistema varia se o delito foi cometido dentro do país ou fora dele (a França mantém entre 10 e 15 mil soldados no exterior).
Em tempo de paz e dentro do país: toda infração ou delito penal cometido por um militar, ou contra um militar, é tratado pelo tribunal especializado em matéria militar do tribunal de grande instância designado pela lei. O código aplicado é o código de procedimento penal, porém o militar tem outras garantias adicionais importantes que preservam seu direito à defesa: a ação pública só pode ser pedida pelo Procurador da República, porém unicamente se existe uma denúncia prévia da infração e esta emana de uma autoridade militar.
Quer dizer, nenhum particular pode denunciar um militar e pedir que ele seja julgado. Para evitar que uma simples denúncia (justificada ou de má-fé) rompa a cadeia de comando, o pedido deve vir de uma autoridade militar e, se a acusação for séria, o Procurador da República a estuda antes de ordenar a ação pública. A confidencialidade de certas informações pode justificar a ausência do júri popular no julgamento do militar. É possível invadir locais militares porém respeitando certas regras. Os militares devem ser detidos em locais separados dos civis.
Em tempo de paz e fora do país: toda infiltração ou delito penal cometido por um militar, ou contra um militar, é tratado pelo tribunal das Forças Militares de Paris, sobretudo se a infiltração foi cometida em um país ligado à França por acordos de defesa.
O tribunal militar francês em Baden Baden, ocupa-se das infrações cometidas pelas tropas francesas baseadas na Alemanha.
Desde 1966 a França não dispõe de magistrados militares, como é o caso dos Estados Unidos e da Itália.
O tribunal das Forças Militares de Paris e os magistrados dos tribunais especializados em matéria militar são compostos por magistrados civis. Porém, eles são enviados pelo Ministério da Justiça para que trabalhem com o Ministério da Defesa.
Eles “recebem um grau militar de assimilação, são submetidos ao estatuto geral militar e à disciplina geral dos Exércitos”, explica o deputado Alain Marty.
Em tempo de guerra as medidas de exceção se justificam. Os poderes do ministério francês da Justiça passam ao Ministério da Defesa. Instauram-se tribunais militares dentro e fora do território nacional.
Esses tribunais serão presididos por um magistrado judicial assistido por quatro juízes militares. Dentro da França, o Alto Tribunal das Forças Armadas é competente para julgar os altos comandos. Toda decisão de justiça deve ser motivada por escrito. Toda decisão de primeira instância pode ser apelada. O Parlamento deve autorizar a declaratória de guerra.
O governo, em situações de estado de sítio, de estado de urgência, de mobilização ou de advertência, pode tomar decisões a respeito da Justiça Militar.
Estes exemplos mostram que a Justiça Militar dos países democráticos é um componente essencial do ordenamento jurídico, mesmo em tempo de paz. É verdade que a Justiça Militar nos países citados, ante a durabilidade da paz na Europa, foi-se aproximando da Justiça Civil, porém jamais a Justiça Militar nesses países foi fragilizada nem abolida, nem perdeu o caráter de justiça específica, excepcional.
Excepcional porque o trabalho militar é excepcional. Uma falta cometida por um militar pode pôr em perigo a segurança ou os interesses de todo um país. O inverso também é certo: as infrações e delitos cometidos contra um militar podem ser a conseqüência de um projeto que atenta contra a segurança ou os interesses de um país. Por isso a Justiça Militar deve existir e não de maneira formal. Sobretudo se o país é vítima de agressões armadas internas e externas.
18 de abril de 2012
Eduardo Mackenzie
Nota do autor:
[1] A informação sobre os sistemas de Justiça Militar em países europeus foi tomada do estudo realizado pelo deputado francês Alain Marty, em nome da Comissão de Defesa nacional e das Forças Armadas da França, em 15 de junho de 2011.
Tradução: Graça Salgueiro
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