Marajó global: a ilha da fantasia é mal retratada na novela de TV
A Ilha de Marajó é o centro de um arquipélago situado na foz do rio Amazonas, no litoral do Pará, com outros três milhares de ilhas de todos os tamanhos. A maior, com 50 mil quilômetros quadrados, supera, sozinha, em tamanho, quatro dos 27 Estados brasileiros.
É a maior ilha marítimo-fluvial do mundo. O emaranhado de água e terra é a teia de um labirinto a induzir mistério: o continente se esfrangalha ou a ilha é que volta a se agregar ao território continental?
Tem o maior plantel de búfalos asiáticos do Brasil. O animal mais cria do que é criado pelo homem, livre pelos campos gerais ou chafurdando na lama e nos alagados da época das chuvas pesadas. Quase anfíbio como o caboclo, que, na época das águas grandes, toca o rebanho não sobre um cavalo, mas na montaria dos rios amazônicos, a canoa.
O repórter pergunta ao vaqueiro ancestral onde, afinal, é o limite da fazenda sem fim visível, em cujas demandas curtiu a pele ao sol e perdeu o viço da expressão. As fazendas marajoaras se medem por milhares de hectares. A maior tinha 100 mil hectares antes de ser retalhada e vendida pelos herdeiros, como está acontecendo em ritmo incrementado na maioria delas.
As 30 famílias originais, que sucederam os religiosos no poder, quando o marquês de Pombal expulsou da Amazônia os incômodos jesuítas, estão deixando de ser as donas de toda a ilha, das suas riquezas, da sua gente. Mas ainda são os coronéis, os doutores, quase como senhores de baraço e cutelo, como numa Sicília tropical, isolada e fechada em si mesma.
Não é essa a ilha do Marajó que a TV Globo exibe todos os dias da semana, às 18 horas, em sua telinha da fantasia. O Marajó platinado tem mais décor, mais gente bonita, de fala arrebitada (e decorada), de gestos olímpicos e andar cosmopolita. O Marajó das cenas da novela é perene como perfume barato e autêntico como uma nota de mil reais.
Depois de muitos anos esquecido pelos seus conterrâneos continentais, o Marajó receberá um “grande projeto”, como os que têm mudado a feição da Amazônia. Se tudo der certo, ainda neste ano a ilha receberá energia firme e abundante da hidrelétrica de Tucuruí.
A energia chegará através de uma linha de transmissão com mais de 1.100 quilômetros de extensão, ao custo de 490 milhões de reais. Concluída, colocará o Marajó dentro do Sistema Integrado de Energia, que se espalha por todo país. Fim de uma era. Início de outra.
Pode-se esperar uma grande transformação, embora ainda seja incerta a sua qualidade. Hoje, 40% dos 437 mil habitantes do Marajó vivem abaixo da linha da pobreza. O Índice de Desenvolvimento Humano da ilha é de 0,627 (o índice máximo é um), bem abaixo da média nacional, de 0,792.
Só 41% dos habitantes recebem energia, 80% desse mercado concentrado nas sedes municipais. É uma energia inconstante, fornecida por velhas usinas geradoras a óleo diesel, que exigem 32 milhões de litros de combustível a cada ano, ao custo de R$ 90 milhões. Além de poluírem o ar.
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EMPREGUISMO
A economia do Marajó sofre distorções e interferências políticas que nada têm a ver com o interesse público. A dependência do governo é quase absoluta nos municípios mais pobres, talvez justamente por isso.
Dos 2.158 empregos no município de Portel, em 2008, 1.173 eram no serviço público; em 2006 eles somavam apenas 310. A relação em Curralinho era de 753 dos empregos totais para 709 do governo.
O crescimento da presença do governo nos últimos anos é mediada por clientelismo político e desvio de recursos públicos, a partir de programas de transferência de renda ou de apoio a atividades tradicionais. O caso mais exemplar é o da pesca,
O seguro/defeso, que visa proteger os cardumes na época da reprodução, remunerando o pescador durante esse período de quatro meses de inatividade, se tornou o maior instrumento político-eleitoral da ilha, além de possibilitar outros desvios.
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CORRUPÇÃO
Em Muaná, por exemplo, de 13 mil habitantes do município, oito mil foram cadastrados como pescadores para receber o seguro. A maior parte do peixe consumido no local, porém, vem de fora. De fora também chegaram muitos moradores urbanos para se metamorfosear em pescadores e receber o seguro.
A novidade anterior às locações da TV Globo para a sua novela açucarada foram os arrozeiros de Roraima. Eles tiveram que sair daquele Estado porque a justiça deu ganho de causa aos defensores dos índios Yanomami, com os quais conflitaram.
Encontraram seu novo pouso no Marajó. Eles e comportarão de forma diferente da de Roraima, ou, à maneira da Globo, porão e disporão da ilha à sua vontade, apenas cenário para suas histórias e alvo do seu comércio?
A resposta não está na novela “Amor, eterno amor”.
Lúcio Flávio Pinto
01 de abril de 2012
(Transcrito de Yahoo Brasil)
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
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"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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