Artigos - Educação
Na UnB, assim como em outras universidades Brasil afora, defender os direitos humanos, a memória e a verdade significa prestar homenagem àqueles que praticaram terrorismo em favor de regimes totalitários e genocidas.
No dia 11 de maio, sexta-feira última, o magnífico reitor (ou melhor, o Grande Timoneiro) da Universidade de Brasília, José Geraldo de Sousa Junior, enviou carta ao corpo docente da universidade. A carta foi divulgada pela Secretaria de Comunicação no portal da UnB. O objetivo da carta é informar acerca da inauguração dos módulos de serviços (MASCs), os novos locais que irão abrigar as lojas comerciais do campus Darcy Ribeiro visando à descentralização desses serviços, cuja grande maioria se encontra no prédio do Instituto Central de Ciências.
O reitor anunciou que os três MASCs a serem inaugurados receberão nomes de pessoas que, em suas próprias palavras, “souberam, altiva e dignamente, manter as reservas utópica e ética que assinalam o projeto fundador da UnB”. São eles: Honestino Guimarães, Paulo de Tarso Celestino da Silva e Ieda Santos Delgado. O primeiro personagem é bastante conhecido e dá nome ao Diretório Central dos Estudantes da universidade. Os outros dois são menos conhecidos, mas sua história tem uma ligação uterina com a história da Universidade de Brasília.
Paulo de Tarso e Ieda Delgado foram alunos do curso de Direito da UnB em fins da década de 1960. Começaram sua militância política lá mesmo. Ieda Delgado formou-se em 1969, e Paulo de Tarso (que foi, inclusive, presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília – FEUB, órgão substituído pelo DCE), em 1971. Ambos foram militantes da Aliança Nacional Libertadora (ALN), grupo fundado pelo terrorista Carlos Marighella.
A ALN foi um dos grupos mais agressivos e perigosos que atuaram na subversão. Foram responsáveis por uma quantidade escandalosa de seqüestros, assaltos e assassinatos – ações perpetradas “altiva e dignamente” com o objetivo de implantar no País uma ditadura comunista. O primeiro documento da organização, intitulado “Sobre problemas e princípios estratégicos”, foi emitido em 1969 e asseverava:
O princípio básico da estratégia revolucionária nas condições de uma crise política permanente é desencadear tanto na cidade como no campo um tal volume de ações revolucionárias que o inimigo se vê obrigado a transformar a situação política em uma situação militar. Então, o descontentamento alcançará todas as camadas e os militares serão responsáveis absolutos por todos os abusos.
A linha-mestra que organizava a ALN é encontrada no “Manual do Guerrilheiro Urbano”, de Marighella (grifos nossos):
Mas a característica fundamental e decisiva do guerrilheiro urbano é que é um homem que luta com armas; dada esta condição, há poucas probabilidades de que possa seguir sua profissão normal por muito tempo ou o referencial da luta de classes, já que é inevitável e esperado necessariamente, o conflito armado do guerrilheiro urbano contra os objetivos essenciais:
a. A exterminação física dos chefes e assistentes das forças armadas e da polícia.
b. A expropriação dos recursos do governo e daqueles que pertencem aos grandes capitalistas, latifundiários, e imperialistas, com pequenas exropriações usadas para o mantimento do guerrilheiro urbano individual e grandes expropriações para o sustento da mesma revolução.
É claro que o conflito armado do guerrilheiro urbano também tem outro objetivo. Mas aqui nos referimos aos objetivos básicos, sobre tudo às expropriações. É necessário que todo guerrilheiro urbano tenha em mente que somente poderá sobreviver se está disposto a matar os policiais e todos aqueles dedicados à repressão, e se está verdadeiramente dedicado a expropriar a riqueza dos grandes capitalistas, dos latifundiários, e dos imperialistas.
[...]
No Brasil, o número de ações violentas realizadas pelos guerrilheiros urbanos, incluindo mortes, explosões, capturas de armas, munições, e explosivos, assaltos a bancos e prisões, etc., é o suficientemente significativo como para não deixar dúvida em relação as verdadeiras intenções dos revolucionários.
Em 1969, um grupo de guerrilheiros treinados em Cuba retornou da ilha para o Brasil, formando o “I Exército da ALN”. Esse grupo deveria encarregar-se de iniciar as atividades terroristas da ALN no Brasil – “mortes, explosões, capturas de armas, munições, e explosivos, assaltos a bancos e prisões”. Entre março e setembro daquele ano, um segundo grupo foi enviado para treinamento em Cuba; esse grupo ficou conhecido como “II Exército da ALN”, ou “Grupo dos 25”. Paulo de Tarso integrou o “Grupo dos 25”; ou seja, foi treinado em táticas de guerrilha pelos cubanos quando ainda cursava Direito na UnB. Quanto a Ieda Delgado, seu foco de atuação na guerrilha era o de atividades logísticas.
Apesar de terem sido integrantes de um grupo guerrilheiro que recorria à violência e ao embuste para levar a cabo seu objetivo – que, repetimos, consistia em instalar uma “ditadura do proletariado” em solo pátrio –, por algum motivo o Grande Timoneiro da Universidade de Brasília julgou de bom alvitre homenageá-los pondo seus nomes nos edifícios a serem inaugurados no campus Darcy Ribeiro (grifos nossos):
Com esse gesto, prestamos também tributo à memória e à verdade, com o sentido de resgate da ação política que marca o protagonismo daqueles que em nossa universidade souberam, altiva e dignamente, manter as reservas utópica e ética que assinalam o projeto fundador da UnB. Eles atuaram com a consciência de seu papel e responsabilidade de compartilhar e defender a função da universidade e os seus valores.
Eles merecem o nosso respeito e o nosso reconhecimento.
Ainda bem que podemos lhes render tributo, exatamente na ocasião em que se instalará no país, no dia 16 seguinte, a Comissão de Verdade, criada pelo Congresso Nacional, por iniciativa da Presidência da República, conforme diretriz do Programa Nacional de Direitos Humanos 3, para que ações como as de nossos homenageados e as causas que valeram o sacrifício de suas vidas, não sejam esquecidas, ou o que é mais importante, que iniqüidades contra as quais se insurgiram venham a se repetir, pela leniência de nossa atenção presente.
Nos estertores de sua gestão, o reitor José Geraldo, que sempre fez questão de assumir-se um defensor irredutível dos “direitos humanos”, julgou conveniente prestar homenagem a dois guerrilheiros que envidaram voluntariamente seus esforços na implantação de um regime totalitário no Brasil – nos mesmos moldes daqueles regimes que, em diversos países ao redor do mundo (União Soviética, China, Camboja, Coreia do Norte, Albânia, Cuba, Iugoslávia) foram responsáveis pelo assassínio de 100 milhões de pessoas – e que, para isso, contaram com apoio financeiro, militar, logístico e político de organizações e governos estrangeiros.
A mensagem é claríssima: as “causas que valeram o sacrifício de suas vidas” – a expropriação da propriedade privada, a revolução, a ditadura do proletariado – são jóias preciosas para a universidade. Não há formas racionais de suavizar o sentido das palavras e do pensamento expressos pelo reitor. De modo derradeiro e inequívoco, o Grande Timoneiro da UnB deixou muito bem claro quais são “as reservas utópica e ética que assinalam o projeto fundador da UnB”, e as quais ele deseja tão ardentemente reviver.
16 de maio de 2012
Felipe Melo
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