É hora de permitir a entrada e o trabalho legal de imigrantes haitianos no Brasil para que tomem parte em nosso mercado
O Brasil é um país relativamente pobre. Apesar da melhora das condições de boa parte da população, o nível de renda dos brasileiros ainda está perto da média mundial. Fazendo uma comparação simples, segundo os últimos números disponíveis (2011), a renda per capita anual brasileira (PPP) ainda é menos da metade da renda per capita dos gregos e quase um terço da Espanhola — para citar dois dos países europeus que ocupam o centro do noticiário por conta da crise os aflige.
O Haiti é um país pobre. Segundo o Banco Mundial, mais da metade dos haitianos vive com menos de U$S 1 por dia. 80% da população vive abaixo da linha da pobreza.
A renda per capita dos brasileiros — aquela que é metade da renda dos gregos e quase um terço da renda dos espanhóis –, é quase dez vezes maior que a dos haitianos. Parte de seus habitantes, com poucas chances de prosperar no país, repete o movimento que muitos povos fizeram por milênios: deixam o local onde nasceram e partem em busca de melhores oportunidades de sobrevivência em outras regiões. A maior parte deles parte em direção à América do Norte. Hoje, os recursos enviados pelos haitianos que trabalham no exterior correspondem a quase 20% do PIB do país.
Alguns bons anos de crescimento do PIB incutiram nos políticos brasileiros algumas novas ambições. A maior delas acabou por colocar o Brasil à frente de uma operação militar no Haiti. A missão, que deveria durar seis meses e custar 150 milhões de reais, acabou de completar oito anos, e já consumiu quase R$ 2 bilhões. É difícil medir o nível de causalidade entre a chegada de imigrantes haitianos no Brasil e a presença dos militares brasileiros no Haiti, mas a presença de novos imigrantes no país não deveria ser surpresa, principalmente para aqueles que estão sempre dispostos a propagandear no exterior a imagem de um país próspero, tolerante e acolhedor.
No ano passado, ao discursar na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), a presidente Dilma Rousseff afirmou que o país vivia “praticamente um ambiente de pleno emprego”, e a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos Maria do Rosário, discursando na mesma ONU, lembrou que “eventuais ondas migratórias devem ser tratadas com humanidade [e] com respeito aos direitos humanos”. E pregou compreensão para com aqueles que “em horas de incerteza e de desespero, são levados a deixar a sua pátria”.
Ao invés de trabalhadores, dependentes
Mas ao cruzarem a fronteira, os imigrantes acabam em uma situação diferente da que imaginaram. Como não podem ser contratados legalmente, os haitianos encontram dificuldade de encontrar trabalho. Só lhes resta a proteção governamental ou a solidariedade da população. E ao invés de se tornarem trabalhadores, tornam-se dependentes. Em pouco tempo, o centro do debate já pertencia à discussão sobre quem poderia sustentar essa dependência e não como essas pessoas, aptas e dispostas a trabalhar, se chegaram a essa situação. Alguns milhares de imigrantes tinham virado um peso para a economia do pleno emprego.
Logo, o governo do Acre declarou que não poderá mais ajudá-los e pediu ajuda ao governo federal. A ministra Maria do Rosário, outrora compreensiva, disse que “chegou a hora do Brasil começar a dizer não”. À imprensa, Rosário afirma que sua preocupação é a ação dos “coiotes”, que lucram ao ajudar haitianos a atravessarem as fronteiras, e que o país reforçará a segurança naquela parte da fronteira.
A ação desse remédio, porém, fortalecerá a doença que o governo brasileiro deseja combater. Maria do Rosário confunde causa e efeito: os “coiotes” são filhos da restrição à entrada legal dos haitianos. O aumento das restrições nas fronteiras tornará os seus negócios ainda mais lucrativos.
A solução para a questão dos coiotes é simples: uma ordem clara que permita a entrada e o trabalho legal de imigrantes haitianos no Brasil. Essa ação desmontaria o modelo de negócios dos “coiotes”, diminuiria os incentivos para a criação de um mercado negro que desse suporte a milhares de pessoas vivendo clandestinamente no país, e incluiria os imigrantes no mercado formal. Ao invés de um “peso sobre nossos serviços públicos”, os imigrantes podem se tornar sócios em sua manutenção.
A presença dos haitianos em território brasileiro é um fato e não há mágica que possa fazê-los desaparecer. A deportação é uma violência ilógica e cruel: o nível de vida dos 200 milhões de brasileiros não melhoraria depois da expulsão de alguns milhares de imigrantes e, caso o governo brasileiro esteja verdadeiramente inclinado a ajudar os haitianos, e não gastando R$ 2 bilhões em troca de algum prestígio internacional, existem poucos meios mais eficientes para melhorar a vida dessas pessoas do que deixar que tomem parte em nosso mercado (que não é perfeito, mas é infinitamente melhor do que o do Haiti).
E nós podemos fazer isso legalmente, sem que ninguém trafique ninguém. Sem que nenhum pai de família desesperado precise gastar as suas economias pagando um atravessador que o coloque do outro lado de um rio. Sem que nenhum pequeno empresário coloque as suas economias – e o seu negócio – em risco por ter estendido a mão àquele pai de família desesperado.
O Brasil tem um déficit de mão de obra em várias áreas e deve fazer uma escolha: os imigrantes que chegam ao país em busca de uma vida melhor serão entregues ao mercado de trabalho, para que prosperem, ajudem suas famílias e seu país ou os entregaremos às filas de caridade, às mãos dos “coiotes” e das máfias que dominam os mercados negros?
A escolha é sua, presidente.
14 de junho de 2012
A renda per capita dos brasileiros — aquela que é metade da renda dos gregos e quase um terço da renda dos espanhóis –, é quase dez vezes maior que a dos haitianos. Parte de seus habitantes, com poucas chances de prosperar no país, repete o movimento que muitos povos fizeram por milênios: deixam o local onde nasceram e partem em busca de melhores oportunidades de sobrevivência em outras regiões. A maior parte deles parte em direção à América do Norte. Hoje, os recursos enviados pelos haitianos que trabalham no exterior correspondem a quase 20% do PIB do país.
Alguns bons anos de crescimento do PIB incutiram nos políticos brasileiros algumas novas ambições. A maior delas acabou por colocar o Brasil à frente de uma operação militar no Haiti. A missão, que deveria durar seis meses e custar 150 milhões de reais, acabou de completar oito anos, e já consumiu quase R$ 2 bilhões. É difícil medir o nível de causalidade entre a chegada de imigrantes haitianos no Brasil e a presença dos militares brasileiros no Haiti, mas a presença de novos imigrantes no país não deveria ser surpresa, principalmente para aqueles que estão sempre dispostos a propagandear no exterior a imagem de um país próspero, tolerante e acolhedor.
No ano passado, ao discursar na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), a presidente Dilma Rousseff afirmou que o país vivia “praticamente um ambiente de pleno emprego”, e a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos Maria do Rosário, discursando na mesma ONU, lembrou que “eventuais ondas migratórias devem ser tratadas com humanidade [e] com respeito aos direitos humanos”. E pregou compreensão para com aqueles que “em horas de incerteza e de desespero, são levados a deixar a sua pátria”.
Ao invés de trabalhadores, dependentes
Mas ao cruzarem a fronteira, os imigrantes acabam em uma situação diferente da que imaginaram. Como não podem ser contratados legalmente, os haitianos encontram dificuldade de encontrar trabalho. Só lhes resta a proteção governamental ou a solidariedade da população. E ao invés de se tornarem trabalhadores, tornam-se dependentes. Em pouco tempo, o centro do debate já pertencia à discussão sobre quem poderia sustentar essa dependência e não como essas pessoas, aptas e dispostas a trabalhar, se chegaram a essa situação. Alguns milhares de imigrantes tinham virado um peso para a economia do pleno emprego.
Logo, o governo do Acre declarou que não poderá mais ajudá-los e pediu ajuda ao governo federal. A ministra Maria do Rosário, outrora compreensiva, disse que “chegou a hora do Brasil começar a dizer não”. À imprensa, Rosário afirma que sua preocupação é a ação dos “coiotes”, que lucram ao ajudar haitianos a atravessarem as fronteiras, e que o país reforçará a segurança naquela parte da fronteira.
A ação desse remédio, porém, fortalecerá a doença que o governo brasileiro deseja combater. Maria do Rosário confunde causa e efeito: os “coiotes” são filhos da restrição à entrada legal dos haitianos. O aumento das restrições nas fronteiras tornará os seus negócios ainda mais lucrativos.
A solução para a questão dos coiotes é simples: uma ordem clara que permita a entrada e o trabalho legal de imigrantes haitianos no Brasil. Essa ação desmontaria o modelo de negócios dos “coiotes”, diminuiria os incentivos para a criação de um mercado negro que desse suporte a milhares de pessoas vivendo clandestinamente no país, e incluiria os imigrantes no mercado formal. Ao invés de um “peso sobre nossos serviços públicos”, os imigrantes podem se tornar sócios em sua manutenção.
A presença dos haitianos em território brasileiro é um fato e não há mágica que possa fazê-los desaparecer. A deportação é uma violência ilógica e cruel: o nível de vida dos 200 milhões de brasileiros não melhoraria depois da expulsão de alguns milhares de imigrantes e, caso o governo brasileiro esteja verdadeiramente inclinado a ajudar os haitianos, e não gastando R$ 2 bilhões em troca de algum prestígio internacional, existem poucos meios mais eficientes para melhorar a vida dessas pessoas do que deixar que tomem parte em nosso mercado (que não é perfeito, mas é infinitamente melhor do que o do Haiti).
E nós podemos fazer isso legalmente, sem que ninguém trafique ninguém. Sem que nenhum pai de família desesperado precise gastar as suas economias pagando um atravessador que o coloque do outro lado de um rio. Sem que nenhum pequeno empresário coloque as suas economias – e o seu negócio – em risco por ter estendido a mão àquele pai de família desesperado.
O Brasil tem um déficit de mão de obra em várias áreas e deve fazer uma escolha: os imigrantes que chegam ao país em busca de uma vida melhor serão entregues ao mercado de trabalho, para que prosperem, ajudem suas famílias e seu país ou os entregaremos às filas de caridade, às mãos dos “coiotes” e das máfias que dominam os mercados negros?
A escolha é sua, presidente.
14 de junho de 2012
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