A Petrobras
sozinha investe mais do que todo o governo federal. E ela é apenas uma das
estatais brasileiras. Seus investimentos não são informados através de nenhum
portal, mas sim, de uma portaria, que sai sempre com atraso.
Uma zona de sombra também cobre as decisões do BNDES, que virou uma espécie de orçamento paralelo sem transparência e que não passa pelo Congresso.
É mais fácil acompanhar gastos do governo do que de suas empresas.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias vinha informando, nos últimos anos, que a sociedade civil tinha direito de ter acesso ao Siafi, Sicomv e Siest. Essas três siglas cobrem as despesas da administração direta, os convênios feitos e os gastos das estatais.
Apesar dessa declaração, os que buscavam informações não tinham acesso fácil, mas, pelo menos, estava lá escrito na LDO. Este ano, a frase sumiu. O governo argumentou que a Lei de Acesso à Informação dá automaticamente esse direito.
Parece retrocesso.
E é.
Por isso, o senador Cristovam Buarque incluiu, de novo, a frase que tinha sido suprimida. Segundo Gil Castello Branco, do site Contas Abertas, ela é fundamental, porque o acesso a determinados dados tem sido difícil. Sem a frase, seria pior.
Com base na Lei de Acesso à Informação, Castello Branco pediu dados do Programa de Dispêndios Globais da Petrobras até abril. Por escrito, a estatal respondeu que essa informação não está dentro do rol do que ela tem que informar pela lei.
Curiosamente, o Ministério do Planejamento forneceu o PDG da Petrobras, quando foi acionado. A cultura da obscuridade sobre os gastos feitos pelos vários braços do Estado é antiga e vai demorar a mudar.
- Eu posso saber o que a presidência da República comprou ontem, mas não sei, no fim de julho, quanto as estatais investiram durante o primeiro semestre - disse Gil.
O BNDES vive hoje de dinheiro do governo, fruto do endividamento.
Por isso, a preocupação da transparência e do cuidado no uso dos recursos deveriam ser dobrados. O jornal "Valor Econômico" mostrou quanto seria a perda do banco, se vendesse hoje suas participações em três frigoríficos: R$ 2,5 bilhões.
As ações da BR Foods se valorizaram, as quedas foram no JBS e na Marfrig, sendo que o primeiro abocanhou 80% dos R$ 10 bilhões usados pelo banco na compra das ações. Isso sem falar nos empréstimos.
Na conta feita pelo "Valor" não entrou o que o banco perdeu ao virar sócio do Independência, que faliu meses depois.
A perda calculada pelo jornal é hipotética, claro, porque só se realizaria se as ações fossem vendidas hoje, mas o prejuízo pode até ser maior se calcularmos o custo de oportunidade. E se esses R$ 10 bilhões, em vez de serem usados para comprar participação em frigorífico ou financiar compra de frigoríficos no exterior, fossem usados em projetos com retorno para toda a sociedade?
Mesmo quando investe em infraestrutura, pairam dúvidas sobre as escolhas e a forma de comunicar as liberações. Dias atrás escrevi que só com a invocação da Lei de Acesso, apresentada pela International Rivers, o BNDES contou que havia dado um segundo empréstimo-ponte para a Norte Energia, construtora de Belo Monte, de R$ 1,8 bilhão.
Publiquei o fac símile de um trecho do documento do Ministério Público ao Banco Central sobre esse crédito, no qual o MP considera que não foi feita a devida análise de risco.
A Norte Energia enviou uma carta ao jornal, protestando contra a coluna. A carta foi publicada. Nela, a empresa dizia que as concessões dos empréstimos "seguiram as boas práticas de transparência e publicidade e foram, oportunamente, divulgadas em jornal de grande circulação nacional".
E que isso talvez "pudesse eliminar a necessidade de a jornalista se pautar por informação de uma ONG internacional". A propósito, como esclareci abaixo da carta, recebi as informações de autoridades brasileiras.
O curioso é que o empréstimo foi concedido em fevereiro, mas o "oportunamente" da Norte Energia só ocorreu em 7 de julho, num comunicado publicado no "Valor Econômico" em letra miúda de quebrar olhos. Quem for, com lupa, encontrará escondida na linha 71 do comunicado a informação de que a empresa recebeu "colaboração financeira" do BNDES de R$ 1,8 bilhão.
É fundamental uma mudança de atitude das estatais e de suas sócias que usam dinheiro público. Para completar o quadro de opacidade, esta coluna perguntou ao Ibama na segunda-feira sobre a multa, de R$ 7 milhões, aplicada em fevereiro à Norte Energia por descumprimento do Projeto Básico Ambiental.
O BNDES afirma ter por norma só emprestar para quem está com suas obrigações ambientais em dia. O Ibama não respondeu. Insistimos por escrito na quinta-feira pela manhã. Queríamos saber se a empresa havia sanado o problema ambiental que levou à aplicação da multa.
Eles disseram que a "solicitação estava com a área técnica".
E até sexta, nenhuma resposta.
O BNDES dá uma "colaboração financeira" de R$ 1,8 bilhão a uma empresa multada pelo Ibama por descumprimento de projeto ambiental, e o Ibama não consegue dizer se o problema foi resolvido ou não.É um mundo obscuro.
Míriam Leitão O Globo
Uma zona de sombra também cobre as decisões do BNDES, que virou uma espécie de orçamento paralelo sem transparência e que não passa pelo Congresso.
É mais fácil acompanhar gastos do governo do que de suas empresas.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias vinha informando, nos últimos anos, que a sociedade civil tinha direito de ter acesso ao Siafi, Sicomv e Siest. Essas três siglas cobrem as despesas da administração direta, os convênios feitos e os gastos das estatais.
Apesar dessa declaração, os que buscavam informações não tinham acesso fácil, mas, pelo menos, estava lá escrito na LDO. Este ano, a frase sumiu. O governo argumentou que a Lei de Acesso à Informação dá automaticamente esse direito.
Parece retrocesso.
E é.
Por isso, o senador Cristovam Buarque incluiu, de novo, a frase que tinha sido suprimida. Segundo Gil Castello Branco, do site Contas Abertas, ela é fundamental, porque o acesso a determinados dados tem sido difícil. Sem a frase, seria pior.
Com base na Lei de Acesso à Informação, Castello Branco pediu dados do Programa de Dispêndios Globais da Petrobras até abril. Por escrito, a estatal respondeu que essa informação não está dentro do rol do que ela tem que informar pela lei.
Curiosamente, o Ministério do Planejamento forneceu o PDG da Petrobras, quando foi acionado. A cultura da obscuridade sobre os gastos feitos pelos vários braços do Estado é antiga e vai demorar a mudar.
- Eu posso saber o que a presidência da República comprou ontem, mas não sei, no fim de julho, quanto as estatais investiram durante o primeiro semestre - disse Gil.
O BNDES vive hoje de dinheiro do governo, fruto do endividamento.
Por isso, a preocupação da transparência e do cuidado no uso dos recursos deveriam ser dobrados. O jornal "Valor Econômico" mostrou quanto seria a perda do banco, se vendesse hoje suas participações em três frigoríficos: R$ 2,5 bilhões.
As ações da BR Foods se valorizaram, as quedas foram no JBS e na Marfrig, sendo que o primeiro abocanhou 80% dos R$ 10 bilhões usados pelo banco na compra das ações. Isso sem falar nos empréstimos.
Na conta feita pelo "Valor" não entrou o que o banco perdeu ao virar sócio do Independência, que faliu meses depois.
A perda calculada pelo jornal é hipotética, claro, porque só se realizaria se as ações fossem vendidas hoje, mas o prejuízo pode até ser maior se calcularmos o custo de oportunidade. E se esses R$ 10 bilhões, em vez de serem usados para comprar participação em frigorífico ou financiar compra de frigoríficos no exterior, fossem usados em projetos com retorno para toda a sociedade?
Mesmo quando investe em infraestrutura, pairam dúvidas sobre as escolhas e a forma de comunicar as liberações. Dias atrás escrevi que só com a invocação da Lei de Acesso, apresentada pela International Rivers, o BNDES contou que havia dado um segundo empréstimo-ponte para a Norte Energia, construtora de Belo Monte, de R$ 1,8 bilhão.
Publiquei o fac símile de um trecho do documento do Ministério Público ao Banco Central sobre esse crédito, no qual o MP considera que não foi feita a devida análise de risco.
A Norte Energia enviou uma carta ao jornal, protestando contra a coluna. A carta foi publicada. Nela, a empresa dizia que as concessões dos empréstimos "seguiram as boas práticas de transparência e publicidade e foram, oportunamente, divulgadas em jornal de grande circulação nacional".
E que isso talvez "pudesse eliminar a necessidade de a jornalista se pautar por informação de uma ONG internacional". A propósito, como esclareci abaixo da carta, recebi as informações de autoridades brasileiras.
O curioso é que o empréstimo foi concedido em fevereiro, mas o "oportunamente" da Norte Energia só ocorreu em 7 de julho, num comunicado publicado no "Valor Econômico" em letra miúda de quebrar olhos. Quem for, com lupa, encontrará escondida na linha 71 do comunicado a informação de que a empresa recebeu "colaboração financeira" do BNDES de R$ 1,8 bilhão.
É fundamental uma mudança de atitude das estatais e de suas sócias que usam dinheiro público. Para completar o quadro de opacidade, esta coluna perguntou ao Ibama na segunda-feira sobre a multa, de R$ 7 milhões, aplicada em fevereiro à Norte Energia por descumprimento do Projeto Básico Ambiental.
O BNDES afirma ter por norma só emprestar para quem está com suas obrigações ambientais em dia. O Ibama não respondeu. Insistimos por escrito na quinta-feira pela manhã. Queríamos saber se a empresa havia sanado o problema ambiental que levou à aplicação da multa.
Eles disseram que a "solicitação estava com a área técnica".
E até sexta, nenhuma resposta.
O BNDES dá uma "colaboração financeira" de R$ 1,8 bilhão a uma empresa multada pelo Ibama por descumprimento de projeto ambiental, e o Ibama não consegue dizer se o problema foi resolvido ou não.É um mundo obscuro.
Míriam Leitão O Globo
23 de julho de 2012
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