A Venezuela ganhou seu jogo no Mercosul com escandaloso gol de mão. No
futebol, até mesmo erro crasso de juiz pode validar um resultado. No Mercosul,
vai ser preciso saber como esse erro poderá ser corrigido.
Para quem está chegando agora no assunto, dia 29 de junho, os chefes de governo do Mercosul que compareceram à reunião de cúpula de Mendoza, Argentina, declararam unilateralmente a suspensão do Paraguai, que vinha resistindo à entrada da Venezuela, e se apressaram a incorporar a Venezuela. Na última terça-feira, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em nome do seu país, tomou posse como membro do Mercosul, em Brasília, depois de se encaminhar, para o salão nobre, pela rampa do Palácio do Planalto.
A alegação da cúpula para a suspensão do Paraguai, cujo Senado até agora não cumpriu a formalidade de aprovar a admissão da Venezuela, era de que o impeachment do então presidente, Fernando Lugo, e a transferência do cargo ao então vice-presidente, Federico Franco, não seguiram todos os trâmites democráticos - na medida em que não haviam dado tempo suficiente para defesa do então presidente Lugo.
No episódio em que se livrou do Paraguai, também sem garantir a seus dirigentes o direito de defesa, e em que tratou de enfiar a Venezuela para dentro, o trio dirigente do Mercosul (Cristina Kirchner, Dilma Rousseff e José Mujica) cometeu duas graves irregularidades, depois incompreensivelmente defendidas pelo Itamaraty, que tanto se orgulha da lisura de seu comportamento.
A primeira foi a suspensão propriamente dita do Paraguai, sem justificativa suficiente para tanto. Mesmo se fosse legítima, a suspensão não aboliria nem a necessidade (ou não) da ratificação pelo Paraguai da entrada de um novo sócio no bloco, tampouco seu direito a ela.
E a segunda foi a inclusão da Venezuela sem que fosse cumprido o Tratado de Assunção, de 2001, que exige o depósito prévio dos instrumentos de ratif1cação assinado por todos os membros preexistentes do Mercosul.
O presidente do Uruguai, que participou da farsa, a justificou depois com uma declaração estapafúrdia: "Lo político supera ampliamente a lo jurídico" - como se razões políticas pudessem se sobrepor às regras básicas do jogo, especialmente depois de terem sido alegadas supostas questões jurídicas que tivessem se sobreposto às questões políticas que provocaram o impeachment de Lugo.
Se a letra explícita e o espírito do Tratado de Assunção são tão flagrantemente atropelados, o mesmo pode muito bem vir a acontecer com qualquer outra disposição essencial que faça parte da constituição do bloco. Qual será, daqui para a frente, por exemplo, a força de qualquer outro tratado assinado entre o Mercosul e outra potência econômica se qualquer conveniência política da hora puder desrespeitar os fundamentos jurídicos dos tratados?
No entanto, deixando de lado tanto o meramente jurídico como o meramente político, está fora de dúvida de que a admissão da Venezuela, nas condições em que se deu, contribui para a desmoralização do bloco. Mas não é só isso. Servirá, também, de precedente para que, no futuro, qualquer agrupamento de sócios se sinta autorizado, com ou sem as bênçãos do Itamaraty, a dar o mesmo tratamento a decisões soberanas do Brasil.
04 de agosto de 2012
Celso Ming
O Estado de S.Paulo
Para quem está chegando agora no assunto, dia 29 de junho, os chefes de governo do Mercosul que compareceram à reunião de cúpula de Mendoza, Argentina, declararam unilateralmente a suspensão do Paraguai, que vinha resistindo à entrada da Venezuela, e se apressaram a incorporar a Venezuela. Na última terça-feira, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em nome do seu país, tomou posse como membro do Mercosul, em Brasília, depois de se encaminhar, para o salão nobre, pela rampa do Palácio do Planalto.
A alegação da cúpula para a suspensão do Paraguai, cujo Senado até agora não cumpriu a formalidade de aprovar a admissão da Venezuela, era de que o impeachment do então presidente, Fernando Lugo, e a transferência do cargo ao então vice-presidente, Federico Franco, não seguiram todos os trâmites democráticos - na medida em que não haviam dado tempo suficiente para defesa do então presidente Lugo.
No episódio em que se livrou do Paraguai, também sem garantir a seus dirigentes o direito de defesa, e em que tratou de enfiar a Venezuela para dentro, o trio dirigente do Mercosul (Cristina Kirchner, Dilma Rousseff e José Mujica) cometeu duas graves irregularidades, depois incompreensivelmente defendidas pelo Itamaraty, que tanto se orgulha da lisura de seu comportamento.
A primeira foi a suspensão propriamente dita do Paraguai, sem justificativa suficiente para tanto. Mesmo se fosse legítima, a suspensão não aboliria nem a necessidade (ou não) da ratificação pelo Paraguai da entrada de um novo sócio no bloco, tampouco seu direito a ela.
E a segunda foi a inclusão da Venezuela sem que fosse cumprido o Tratado de Assunção, de 2001, que exige o depósito prévio dos instrumentos de ratif1cação assinado por todos os membros preexistentes do Mercosul.
O presidente do Uruguai, que participou da farsa, a justificou depois com uma declaração estapafúrdia: "Lo político supera ampliamente a lo jurídico" - como se razões políticas pudessem se sobrepor às regras básicas do jogo, especialmente depois de terem sido alegadas supostas questões jurídicas que tivessem se sobreposto às questões políticas que provocaram o impeachment de Lugo.
Se a letra explícita e o espírito do Tratado de Assunção são tão flagrantemente atropelados, o mesmo pode muito bem vir a acontecer com qualquer outra disposição essencial que faça parte da constituição do bloco. Qual será, daqui para a frente, por exemplo, a força de qualquer outro tratado assinado entre o Mercosul e outra potência econômica se qualquer conveniência política da hora puder desrespeitar os fundamentos jurídicos dos tratados?
No entanto, deixando de lado tanto o meramente jurídico como o meramente político, está fora de dúvida de que a admissão da Venezuela, nas condições em que se deu, contribui para a desmoralização do bloco. Mas não é só isso. Servirá, também, de precedente para que, no futuro, qualquer agrupamento de sócios se sinta autorizado, com ou sem as bênçãos do Itamaraty, a dar o mesmo tratamento a decisões soberanas do Brasil.
04 de agosto de 2012
Celso Ming
O Estado de S.Paulo
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