Maioria dos ministros do STF acha que dinheiro público foi desviado no mensalão
A julgar pelas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o mensalão até agora, podem estar sendo desperdiçadas pelos ministros julgadores, pelos advogados de defesa dos 38 réus e também pela sociedade interessada em seu resultado final excelentes oportunidades para aprender e avançar no processo de construção da democracia brasileira.
Perdidamente enamorados pelo som de sua voz, os juízes máximos parecem dar mais atenção à própria erudição do que às consequências de seus votos tanto no destino dos acusados quanto no da higidez das instituições republicanas, pela qual deveriam zelar. Isso leva os defensores a reagirem a decisões parciais como se definitivas fossem.
E a sociedade vaia ou aplaude como se acompanhasse mudanças do placar de um jogo, atentando para detalhes, e não para o conjunto do processo cujo resultado definirá o futuro de nosso Estado Democrático de Direito.
A verdade é que, apesar da importância deles, os votos do relator, Joaquim Barbosa, e do revisor, Ricardo Lewandowski, são dois em 11 até 3 de setembro e, depois, 20% do resultado final de uma decisão colegiada ainda longe de ser conhecida.
E só o será quando o último ministro a votar se pronunciar sobre a derradeira “fatia” a julgar, usando terminologia adotada pelos próprios julgadores. Até lá muita água passará sob as pontes e muito trigo será moído. O advogado de João Paulo Cunha (PT-SP) devia saber que ainda faltavam muita água e muito sabão para concluir que seu cliente teve a alma lavada pela absolvição, até agora amparada por apenas dois votos contra quatro.
A questão não é apressar para Cezar Peluso – que se aposentará compulsoriamente segunda-feira – votar. A sentença será, ao cabo, de dez cabeças e o peso de uma é relativo, embora não desprezível.
No açodamento de se saber o que não dá para prever, pois, como ensinavam os mais velhos, de bumbum de bebê, urna e cabeça de juiz pode sair tudo, inclusive nada, estão sendo perdidas oportunidades de avaliar, como se deveria, o que de mais relevante já veio à tona.
Quem execrou a discordância do revisor e o voto de Dias Toffoli quanto à sugestão do relator de que os colegas votem pela condenação de Cunha, no fundo, abominou uma característica positiva da democracia: a decisão colegiada sobre o destino do acusado evita a sentença autocrática e garante seus direitos individuais.
Este ânimo punitivo ocultou a aceitação histórica do voto do relator pelos dois ministros em assunto bem mais relevante: a reação ao pedido dos procuradores-gerais da República Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel ao Supremo da condenação do ex-executivo do Banco do Brasil (BB) Henrique Pizzolato, petista, por malversação de recursos sob sua responsabilidade.
O relator aceitou, o revisor avalizou e todos os quatro ministros que já se pronunciaram apoiaram a acusação, amparada por investigação da Polícia Federal (PF). E esta condenação põe por terra a fantasia de uso corriqueiro de caixa 2 em eleições, hipótese dos defensores inspirada em desculpa dada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
E o descalabro (caridosamente definido pelo revisor como “balbúrdia”) da gestão dos sindicalistas bancários numa das mais sólidas, tradicionais e respeitáveis instituições financeiras do mundo.
Quem insultou o revisor e Toffoli, relacionando a opção de ambos pela absolvição do petista com relações de amizade de um com os Silvas em São Bernardo do Campo e do outro com sua condição de ex-advogado do PT, deveria ter comemorado o feito.
Pois, após o inquérito da PF, feito em sua gestão, de pareceres dos procuradores que ele nomeou e de votos do relator, por ele alçado ao STF, do revisor e mais quatro ministros também indicados por ele e Dilma, Lula só pode ser levado na galhofa por repetir, como o fez ao New York Times, que “o mensalão nunca existiu”. A conclusão contradiz sua aceitação de que culpados sejam punidos: culpa de quê, se nem existiu crime?
Depois de se ter dito “traído” e “apunhalado pelas costas”, e de ter pedido desculpas ao povo brasileiro pelo que houve, mas jura há tempo que não houve, o ex-presidente apela para a própria incoerência de “metamorfose ambulante” para não ter de explicar a lambança que, sob sua bênção, os companheiros de partido fizeram no BB.
E na Petrobrás, salva da desmoralização pela substituição, por Graça Forster, de Sérgio Gabrielli, mantido na presidência por Dilma a pedido de Lula. E sabe lá Deus onde mais a leviandade com que a companheirada trata o “patrimônio nacional” em proveito próprio terá ocorrido.
A concordância da maioria dos ministros sobre
1) ter havido desvio de dinheiro público no BB e na Visanet administrados pela zelite sindical petista e
2) ter tal desvio resultado de gestão ruinosa de uma instituição respeitável compensa enganos porventura cometidos por excessiva piedade que um julgador possa ter por algum julgado. Pois ela abate a patacoada da fantasia da oposição (aliás, incapaz até de fazer uma leitura inteligente dos fatos debatidos no STF) e do caixa 2, argumentos usados para defesa de réus por desprezo ao contribuinte, tungado sem dó pelos ditos.
Com o acórdão, até agora unânime, Lula terá de reconsiderar suas afirmações ao jornal americano de que respeitará a decisão do Supremo, mas mensalão não houve. Afinal, uma só condenação já basta para confirmar a ocorrência do delito e a importância do escândalo em si.
Esses e outros fatos ainda a serem desvendados – mercê de ter o relator tornado seu voto mais didático, da humildade do revisor de evitar que suas idiossincrasias prevalecessem sobre o interesse comum e da surpreendente condenação de Pizzolato por Toffoli – revelarão o real legado do “padim Ciço” de Garanhuns. Lula não é nem nunca será réu do mensalão, mas vários acusados lhe eram subordinados e se trata de dinheiro público comprando apoio para propostas do partido do governo. Não há popularidade que apague a sordidez dessa nódoa.
07 de setembro de 2012
José Nêumanne Pinto é jornalista, escritor e editorialista do Jornal da Tarde
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