Conversas de bastidores dão que Luiz Inácio Lula da Silva está triste e abatido com as primeiras condenações no julgamento do mensalão. Na ala mais próxima ao ex-mandatário, já há quem fale em traição, uma vez que, dos oito ministros que chegaram ao STF por indicação de governos petistas, seis consideraram João Paulo Cunha, "primeiro medalhão do partido a enfrentar o tribunal", culpado.
Como bem observou Rogério Gentile ontem neste espaço, Lula parece dar mais importância a valores como gratidão e companheirismo do que a princípios como imparcialidade e independência entre os Poderes.
Não resisto a temperar a discussão com elementos de classicismo.
O ex-presidente estaria evocando aquilo que os gregos chamavam de "díke", que pode ser traduzido como "costume" ou "justiça", notadamente a justiça divina. A lealdade é uma obrigação que os próprios deuses impõem aos homens. Já os que damos preferência a princípios republicanos nos apoiamos no "nómos", a "lei", em especial a lei positiva.
Quando as duas concepções entram em choque, nasce a tragédia. Édipo foi punido porque violou a "díke" ao matar o pai e deitar-se com a mãe, ainda que, do ponto de vista da lei humana, fosse inocente, já que ignorava a identidade dos genitores.
Já Antígona conheceu a perdição porque, ao dar sepultura ao irmão Polinices, fez o que a "díke" exigia, mesmo sabendo que isso contrariava o "nómos" ditado por seu rei e tio, Creonte, que declarara Polinices um traidor, indigno de honras fúnebres.
Lula não é Édipo, nem Cármen Lúcia, Antígona, mas o esquema das tragédias ensina que a tensão entre justiça, que opera numa dimensão psicológica, e lei, imposta externamente a todos, é um problema que nos atormenta desde sempre. O mais próximo de uma solução que me ocorre é a lição de Charles de Gaulle, que teria dito que homens públicos têm o dever de ser ingratos.
07 de setembro de 2012
Hélio Schwartsman
Folha de São Paulo
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