Julgamento do mensalão no STF suscita sensação de mudança no tratamento da corrupção que ainda precisa se confirmar no longo prazo
Seria talvez exagero considerar, como fez a ministra, que o país mudou nesse aspecto. As últimas decisões do Supremo puseram em prática, ainda assim, uma disposição positiva para tratar com inusitado rigor delitos difíceis de coibir.
O alto grau de poder concentrado nas mãos de quem os pratica tende a tornar especialmente complexa, como assinalaram diversos ministros, a obtenção de
Foi suficiente e múltiplo, entretanto, o conjunto dos indícios que levaram a maioria dos ministros a condenar o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) por corrupção passiva e peculato. Ainda que persistam muitos itens do mensalão por analisar no STF, a decisão tem caráter exemplar.
Diminui a sensação de permissividade que, ao longo de décadas, estimulou políticos de diversas ideologias a considerar propina e desvio de recursos públicos como ingredientes normais da atividade.
É forçoso lembrar, porém, que o mesmo Cunha agora condenado desfrutava de favoritismo na disputa pela Prefeitura de Osasco (SP). Por desinformação ou crença pessoal na ideia de que "todo político faz isso", é grande a parcela da população para a qual a suspeita de corrupção não pesa na escolha de seus representantes.
Não é incompatível com essa atitude a convicção, aparentemente oposta, de que todo político mereceria cadeia, em julgamento sumário e sem garantias legais. A pena privativa de liberdade, como esta Folha tem assinalado várias vezes, só deveria ser aplicada nos casos em que o condenado traz real ameaça à segurança pública.
Com todas as delongas de que se cercou, e com minúcias e divergências capazes de testar a paciência até dos próprios ministros, o julgamento do mensalão tem posto à prova esse duplo simplismo - tanto o de quem não se importa com a condenação quanto o dos que a querem a qualquer preço.
Se há muito de exemplar nas decisões até aqui alcançadas, não são menores as lições que o processo pode trazer - no que assegura de respeito às garantias constitucionais, ao debate civilizado e ao exame de cada caso com rigor, mas sem tendenciosidade nem paixão.
01 de setembro de 2012
Editorial da Folha
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