Condenado a catorze anos de prisão por transformar sua gestão num paiol de corrupção, o ex-governador de Illinois Rod Blagojevich virou o prisioneiro número 40.892.424 na prisão de sua preferência. Ele pediu para cumprir a pena no Complexo Penitenciário de Englewood, que fica perto de Denver, no Estado do Colorado.
No conjunto de Englewood, há um centro administrativo e duas prisões, uma de baixa segurança e outra de segurança mínima, só para homens. Uma vez que não tem presos violentos nem com alto risco de fuga, Englewood oferece mimos como mesas de sinuca, pingue-pongue e pebolim.
Como se vê na fotografia acima, as celas têm espaço razoável, janelas de bom tamanho e iluminação direta. Não são um paraíso, mas também não são o inferno.
Nos Estados Unidos, o preso tem direito a pedir para cumprir a pena em determinada penitenciária.
O juiz pode aceitar o pedido, mas a palavra final é do Federal Bureau of Prisons, órgão que administra o sistema penitenciário federal.
Em sua decisão, o FBP leva em conta se o grau de periculosidade do condenado combina com o nível de segurança da prisão. Blagojevich escolheu Englewood porque é uma prisão razoável.
É lá que Jeffrey Skilling, o ex-presidente da Enron, ex-gigante do setor de energia, está cumprindo sua pena de 24 anos. Skilling foi condenado por sua participação no enorme escândalo contábil que acabou levando a Enron à falência, em 2001.
Não existe prisão feliz, mas existem prisões que punem com a perda da liberdade, como deve ser, e não com a perda da dignidade humana. Nos Estados Unidos, a crise que estourou em 2008 chegou às prisões, que estão cada vez mais superlotadas e com menos dinheiro.
Na Califórnia, o custo das penitenciárias pressiona os gastos com as escolas e o sistema universitário.
Para aliviar o peso orçamentário das prisões estaduais, o governo criou um programa para que mais criminosos cumpram pena nas cadeias municipais. Há casos de cidades que estão cobrando dos presos pelos gastos com comida, roupa e saúde. Os pobres não pagam nada. Mas, apesar das dificuldades, o sistema americano ainda é um luxo à luz do brasileiro.
Há uma lógica pragmática em manter prisões decentes. Com elas, torna-se socialmente mais aceitável colocar réus não violentos atrás das grades. Os criminosos do colarinho-branco, em geral, são pacíficos. Não andam com metralhadoras russas, não integram gangues sanguinárias, não executam inocentes.
Até os juízes ficam constrangidos ao sentenciar um réu pacífico a viver no meio de uma massa violenta e perigosa.
Eis a lógica pragmática: prisões decentes não atendem só ao requisito básico de respeito à dignidade humana, mas também tornam mais fácil enjaular corruptos, famosos e poderosos em geral, pois lhes subtraem a legitimidade da alegação da punição excessiva.
Nos Estados Unidos, 1.000 americanos em média são condenados por corrupção a cada ano nas cortes federais. No Brasil, contam-se nos dedos.
Um levantamento feito por seis estudiosos da Universidade de Illinois mostra que Chicago é a cidade com mais corruptos ─ ou que mais prende corruptos. De 1976 até 2010, foram mais de 1.500 condenados.
A segunda cidade é Los Angeles, com quase 1.300 presos, seguida de Nova York, com 1.200. A capital, Washington, é apenas a quarta na lista, com 1.000 corruptos presos em 34 anos. São todos criminosos não violentos.
Os Estados Unidos têm o problema oposto ao do Brasil: prendem demais. Os americanos correspondem a cerca de 5% da população mundial, mas respondem por quase 25% dos presos do planeta.
A cultura da prisão é tão disseminada que existem até guias das melhores prisões federais, com edição bianual.
A última versão de um desses guias, editada por um escritório de advocacia que defende criminosos do colarinho-branco, descreve as 114 prisões federais. É uma leitura útil até para amigos e familiares dos presos, pois traz dicas sobre hotéis e pousadas nas imediações de cada penitenciária. Englewood, onde cumprem pena o ex-governador e o ex-presidente da Enron, está entre as melhores do país de acordo com a cotação do guia.
Mesmo sem a chaga da impunidade, os EUA não baixam a guarda na vigilância contra ladrões do dinheiro público.
“Na corrupção, políticos e funcionários públicos acham que nunca serão pegos”, diz o professor Dick Simpson, um dos autores do estudo da Universidade de Illinois. O número de corruptos condenados oscila ano após ano, mas sempre tem efeito pedagógico.
Em Nova York, estado com alto índice de condenações, o número de corruptos presos variou de setenta a oitenta por ano entre 2001 e 2005. De lá para cá, a média caiu para menos de cinquenta condenados por ano. Se a polícia e a Justiça mantêm o mesmo rigor, é sinal de que a corrupção pode ter diminuído. Em parte, porque as prisões também são próprias para corruptos.
14 de outubro de 2012
ANDRÉ PETRY, DE NOVA YORK
PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA DE VEJA
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