Ainda há pouco, republiquei crônica de 2005, na qual eu me perguntava:
- Voto comprado vale? Venalidade pode criar legislação? Pode derrubar cláusulas pétreas e extinguir direitos adquiridos? Se cassados estes deputados, não seria o caso de cassar também seus votos passados? Esta é a pergunta que deve ser feita, a meu ver, aos ministros das supremas cortes. Se é que, humanos sendo, ainda não se renderam às tentações do mensalão.
Que me lembre, ninguém cogitou destas questões na época. Hoje, passados sete anos, as perguntas começam a surgir na imprensa. Segundo a Veja on line de hoje, o ministro Celso de Mello “tem mencionado durante o julgamento um tema que permeia discussões reservadas entre os integrantes do tribunal: a validade de projetos aprovados pelo Congresso Nacional em votações que a Justiça ratificou terem sido feitas mediante pagamentos a parlamentares”.
Segundo o ministro, o caso deve ser enfrentado pelo Supremo na esteira do julgamento do mensalão. Ele compara a validade das reformas aprovadas, como a da Previdência Social, à legalidade de sentenças proferidas por juízes que tenham recebido propina. “É o mesmo que ocorre com um juiz corrupto, no qual suas sentenças podem ser anuladas mesmo que estejam em trânsito julgado”, disse.
Até aí, tudo muito lógico, digno e justo. Inclusive candidatos a provocar o Judiciário é o que o não falta. O Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) e o Psol já se articulam para, no fim do julgamento do mensalão, ingressarem com ações diretas de inconstitucionalidade contra a reforma da Previdência Social, embora a chance de sucesso seja praticamente nula.
Embora considere a “gravidade” da situação em que leis foram aprovadas em um cenário de corrupção, o ministro Gilmar Mendes avalia que “as razões que levaram o legislador a elaborar determinado diploma, inclusive com a existência de fraude, suborno ou corrupção, constituem matérias completamente fora do controle do Judiciário”. Por isso, não caberia ao STF anular votações ocorridas há quase uma década.
Durante o julgamento do mensalão, também os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Rosa Weber já manifestaram entendimento de que não cabe discutir a validade de textos como o reforma da Previdência, mesmo com a legislação tendo sido aprovada com votos de deputados mensaleiros. “Esse risco de anulação o Brasil não vai sofrer”, resumiu Luiz Fux. O mesmo pensam os advogados que atuam no julgamento do mensalão. “Politicamente é impossível anular a reforma da Previdência. Como vai se retroagir? É mais ou menos fazer a gema voltar para a casca”, diz o advogado Luiz Fernando Pacheco, responsável pela defesa do ex-presidente do PT, José Genoino.
“É muito difícil anular uma emenda constitucional por causa disso porque não se sabe exatamente quem votou a favor e quem votou contra. Não disseram que todo mundo que votou a favor estava com o voto maculado”, avalia o advogado Piepaolo Bottini.
Pergunta que se impõe: que interessa saber quem votou contra ou quem votou a favor? Se a votação foi comprada, anulem-se os votos todos, ora bolas. O cerne deste julgamento é a compra de votos no Congresso, não é isso? A compra foi amplamente comprovada. Compradores e valores também. Apesar das negativas do PT, o mensalão existiu. Os réus estão sendo sistematicamente condenados. Por que não sanar o vício?
Vote-se então tudo de novo. Vai ser um processo doloroso? Que seja. Que sejam restituídos os direitos subtraídos, que seja devolvido o dinheiro tungado. O cálculo não é inviável. Basta que exista vontade política.
Ou será que esta vontade não existe? Estarão os ministros do SRF encenando um teatrinho para entreter a nação? Servirá o julgamento apenas para os senhores vultures exibirem erudição e emitirem votos quilométricos? A última edição de Veja traz uma capa triunfalista, em que a bandeira nacional explode de alegria sobre um título exclamativo:VITÓRIA SUPREMA!
Que vitória? A condenação dos réus? (Ir para a cadeia é pergunta que ainda espera resposta). Mas se o crime foi identificado, julgado e condenado, ficará a nação submetida às leis compradas pelo governo?
Se assim for, legislar ficou fácil neste país. Basta comprar parlamentares. Depois... depois, veremos. Como diz o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, “é absolutamente impossível de anular. Ainda que se tenha comprado um ou dois parlamentares, isso não configurou maioria. Essa reforma não foi decidida por dois votos, três votos. Uma ADI contra a reforma da Previdência é só para fazer barulho político. Não tem nenhum sentido”, completa.
Se pegar, pegou. Estamos vivendo em pleno caos jurídico, no qual o Judiciário legisla – e pior: legisla contra a Constituição – e leis que são feitas por encomenda e pagamento do poder não podem ser anuladas.
Perguntinhas de quem não está entendendo bem o imbróglio: a quem aproveita este teatro todo? Para que existe o STF? Para que serve um ministro? Seremos todos palhaços contratados para aplaudir palhaços togados?
E uma pergunta final: se comprar deputados e senadores torna uma votação legítima, por que julgar quem os compra?
14 de outubro de 2012
janer cristaldo
Nenhum comentário:
Postar um comentário