"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 14 de outubro de 2012

IDEOLOGIAS TOTALITÁRIAS, ÓDIO E RESSENTIMENTO


          Artigos - Conservadorismo 
Num texto curto, Henry Hazlitt nos convida para entender o marxismo em um minuto. De forma provocadora, Hazlitt, autor do valioso Economia numa única lição, afirma que o núcleo do marxismo e a sua razão de ser é “o ódio e a inveja doentia do sucesso”. Diz mais: “Todo o evangelho de Karl Marx pode ser resumido em duas frases: Odeie o indivíduo mais bem-sucedido do que você. Odeie qualquer pessoa que esteja em melhor situação do que a sua”.

É uma simplificação interessante porque permite evidenciar uma característica do marxismo, mas parece-me que o ódio é mais uma manifestação de sua estrutura mental e ideológica do que o seu núcleo. Mas Hazlitt não está sozinho ao apontar a emoção como sendo a estrutura da ideologia marxista.

Roger Scruton, no ensaio ‘The Totalitarian Temptation’ (do livro A Political Philosophy: Arguments for Conservatism), ao analisar as ideologias totalitárias dos revolucionários franceses, do marxismo e do nazismo, dizem que tanto aquelas como estes têm uma fonte única, que é o ressentimento.
O filósofo político britânico vê o ressentimento “como uma emoção que emerge em todas as sociedades” e considera-o “um desdobramento natural da competição por vantagens”, seja a conquista do poder, de privilégios, de benefícios, etc.

“Totalitarian ideologies are adopted because they rationalize resentment, and also unite the resentful around a common cause. Totalitarian systems arise when the resentful, having seized power, proceed to abolish the institutions that have conferred power on others: institutions like law, property and religion which create hierarchies, authorities and privileges, and which enable individuals to assert sovereignty over their own lives. To the resentful these institutions are the cause of inequality and therefore of their own humiliations and failures. In fact, they are the channels through which resentment is drained away. Once institutions of law, property and religions are destroyed – and their destruction is the normal result of totalitarian government – resentment takes up its place immovably, as the ruling principle of the State.”[i]

("Ideologias totalitárias são adotados porque racionalizam o ressentimento, e também unem os ressentidos em torno de uma causa comum. Sistemas totalitários surgem quando os ressentidos, tendo tomado o poder, agem buscando abolir as instituições que conferiam poder a outras pessoas: instituições como a propriedade, a lei e a religião, que criam hierarquias, autoridades e privilégios, e que permitem que as pessoas possam invocar a soberania sobre suas próprias vidas. Para os ressentidos, essas instituições são a causa da desigualdade, e, portanto, de suas humilhações e fracassos. Na verdade, elas são os canais pelos quais o ressentimento é drenado. Uma vez que as instituições como a lei, a propriedade , e as religiões são destruídas - e sua destruição é o resultado normal de governo totalitário – o ressentimento ocupa seu lugar inamovível, como o princípio governante do Estado."[*])

Alguns elementos estruturais dessas ideologias totalitárias importantes emergem desse trecho. O primeiro, a localização do núcleo dessa espécie de ideologia num tipo específico de sentimento. O ressentimento, sendo a origem dessas ideologias, permite uma identificação comum a todas elas, em várias sociedades, de forma mais exata do que a análise exclusivamente ancorada no conteúdo e discurso políticos, que, não raro, mais distraem e atrapalham a investigação do que colaboram para elucidá-las.

O segundo elemento apontado por Scruton é a racionalização do ressentimento pelas ideologias totalitárias, que “unem os ressentidos em torno de causa comum”.
Essas ideologias seduzem parcelas mais ou menos numerosas da sociedade, não exatamente pelo conteúdo ideológico do projeto político, mas pela forma hábil como sentimentalizam-no.
A dimensão de uma mensagem política fundamentada na emoção é ilimitada e não se restringe a grupos sociais específicos.
Ela pode conquistar das parcelas mais pobres às mais ricas, dos analfabetos à elite intelectual, agarrando-os pelo coração, apelando a vínculos nacionalistas e/ou patrióticos.
A história nos mostra que antes e depois de conquistarem o poder, líderes políticos e intelectuais jacobinos, marxistas e nazistas usaram a emoção e o ressentimento de maneira insidiosamente eficaz.

Para preservar o poder conquistado, os ressentidos, segundo Scruton, iniciam o processo de eliminação das instituições (lei, propriedade, religião) que conferiam poder aos demais indivíduos de, no mínimo, serem soberanos de suas próprias vidas, e que também permitiria-os, em algum momento, retomá-lo.
 E se os ressentidos acreditam que tais instituições são instrumentos de geração de desigualdade e de suas humilhações e fracassos individuais, extingui-las seria também um ato de catarse política.
De catarse e de autoproteção política. Ao destruírem a lei, a propriedade e a religião, o ressentimento é alçado “a princípio governante do estado”. Os resultados dessa ação política são sobejamente conhecidos.

O ponto central do argumento desenvolvido por Scruton é que o ressentido, qualificado politicamente como revolucionário, é movido pela busca, conquista e preservação do poder e pela eliminação de instituições e indivíduos que de alguma forma representem uma ameaça.
O ressentido se impõe movido pelo ressentimento para neutralizar tudo aquilo que ele entende como sendo a fonte geradora de seu rancor. A história pessoal e as ideias professadas por Robespierre (para usar o artífice mais famoso da Revolução Francesa), Karl Marx e Adolf Hitler ratificam a tese do filósofo britânico.

Porém, não estou tão certo de que o ressentimento seja a fonte única dos revolucionários franceses, do marxismo e do nazismo, como defende Scruton, muito embora seja inegável a sua coparticipação psicológica e praxeológica.
E se a tese é interessante e instigante, e o ódio apontado por Hazlitt, mencionado, no início do texto, seria, a meu ver, a exteriorização do ressentimento apontado por Scruton, isso explicaria uma parte do jacobinismo, do marxismo e do nazismo, e das tentativas fracassadas de sua aplicação política e econômica. Por outro lado, a utopia revolucionária, da forma como a concebo e apresentarei em texto futuro, e que agrega o argumento de Scruton, é a teoria mais plausível para explicar esses fenômenos políticos responsáveis por regimes infames e toda sorte de atrocidades.

Nota:
[*] Roger Scruton. «The Totalitarian Temptation», in A Political Philosophy: Arguments for Conservatism. London: Continuum, 2006, pp. 150-151.

 
14 de outubro de 2012
Bruno Garschagen é mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa e Universidade de Oxford.

Nenhum comentário:

Postar um comentário