A nota oficial que o PT divulgou na quarta-feira passada para marcar posição sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal no processo do mensalão incorpora como argumento central uma tese muito em voga.
A teoria segundo a qual o Brasil de agora em diante é uma terra sem lei, a República do guarda da esquina onde não há mais garantias legais e os direitos individuais foram todos para o espaço.
Empresários, banqueiros, políticos, advogados manifestam seus receios traçando um quadro de pré-barbárie jurídica. A nota do PT resume bem esse estado de espírito ao dizer que o tribunal apontou para "o fim do garantismo, o rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de presunção de culpa em vez de inocência". É o que se ouve em toda parte.
Por essa ótica, bem melhor e "garantista" era aquele País que muito recentemente externava desconfiança plena na punição dos réus.
Não porque os considerasse inocentes - os dados de pesquisa mostravam convicção de culpa diante da narrativa feita pela acusação -, mas porque eram pessoas importantes, cidadãos até então tidos como fora do alcance da lei.
Nessa perspectiva, compartilhada por muita gente boa e até bem intencionada, segurança jurídica existia mesmo quando a referida quadrilha cometia os mais diversos atentados ao Código Penal.
Para registro de incoerência: no mesmo momento em que divulgou o documento acusando o STF de interpretar a lei de maneira única (ou seja, como exceção) para "atender à conveniência de condenar pessoas específicas e indiretamente atingir o partido", o presidente do PT, Rui Falcão, disse que o aspecto positivo do julgamento foi a demonstração de que "as instituições estão funcionamento legalmente".
Falcão não explicou como se coadunam os dois conceitos, mas vamos em frente.
Os adeptos da tese da exceção alegam agressão a todos os parâmetros enquanto os adeptos das decisões do Supremo como fator de avanço acreditam que esse julgamento servirá de exemplo em processos de crimes contra a administração pública.
Na opinião do ex-ministro Carlos Ayres Britto, isso depende. Há exageros de ambos os lados, conforme dizia na véspera de deixar a presidência e sua cadeira no Supremo.
Segundo ele, nada muda substancialmente porque o tribunal não inovou, "apenas decidiu de acordo com as exigências da causa".
O mesmo raciocínio se aplica em sentido oposto: "Se acontecer outro caso delituoso com as mesmas características centrais na ação 470, aí sim se pode considerar que esse julgamento servirá como parâmetro".
Noves fora, o melhor remédio para os que estão receosos é andar nos trilhos da lei.
Sem chance. A avaliação no Supremo é a de que os réus não terão sucesso nas duas vertentes de contestação às sentenças: o foro internacional e os embargos infringentes, que dão o direito de pedir revisão quando há quatro votos pela absolvição na decisão condenatória.
Em relação às cortes internacionais, porque estão cada vez mais rigorosas quanto ao tema da corrupção.
Já os embargos - em tese poderiam beneficiar 16 dos 25 condenados no processo -, a base para a rejeição está no fato de a Constituição de 1988 não ter abrigado esse instituto da Carta anterior.
Estão previstos no regimento do STF, mas não constam de nenhuma lei posterior à Constituinte.
Levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas e publicado pela Folha de S. Paulo mostra que, de lá para cá, dos 54 embargos infringentes apresentados no Supremo apenas um obteve sucesso na mudança da sentença.
Foi em 2003 no embargo a uma decisão tomada sete anos antes em ação direta de inconstitucionalidade contra ato do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho.
20 de novembro de 2012
DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
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