"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 29 de novembro de 2012

OPERAÇÃO CHUMBO IMPUNE NA FAIXA DE GAZA


(Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latino-americanas que Israel assessorou).

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem saída desde que o Hamas ganhou limpamente das eleições, em 2006. Algo parecido havia acontecido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e desde então viveram submissos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que haviam sido palestinas e que a ocupação israelita usurpou. E o desespero, à beira da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel; gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há anos, o direito à existência da Palestina.

Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel vai apagando-a do mapa. Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa.

Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel engoliu outro pedaço da Palestina, e os almoços continuam. A devoração se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as decisões dos tribunais internacionais, oque burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros .

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não conseguiu bombardear impunemente o país basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico pôde devastar a Irlanda para liquidar o IRA. Será que a tragédia do Holocausto implica uma política de impunidade eterna? Ou essa luz verde provém da potência mais poderosa, que tem em Israel o mais incondicional de seus súditos?

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SEM ENGANO


O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas de danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, a cada dez danos colaterais, três são crianças. E somam-se milhares de mutilados, vítimas da tecnologia desmembramento humano, que a indústria militar está testando com sucesso nesta operação de limpeza étnica. E, como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos mortos, um israelense.

Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a crer que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as 200 bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada comunidade internacional, existe? É algo mais do que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos se colovam quando fazem teatro?

Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial brilha novamente. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações em volume altissonantes, as posições ambíguas, prestam homenagem à impunidade sagrada.

Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E, como sempre, os países europeus estão esfregando as mãos. A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama uma e outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caça aos judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão pagando, com sangue, uma conta alheia.

(Artigo publicado no jornal Pagina 12, enviado por Valter Xéu, do site Pátria Latina)

29 de novembro de 2012
Eduardo Galeano

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